Filhos de estrangeiros nascidos nos Estados Unidos se tornaram o mais recente alvo do presidente americano, Donald Trump, em sua cruzada contra a imigração ilegal que, segundo ele, “infesta” os Estados Unidos.
Em entrevista no programa “Axios na HBO”, documentário em quatro partes que estreia na emissora no próximo domingo (4), Trump voltou a usar sua inflamada retórica contra imigrantes ilegais.
Ele afirmou que quer acabar com a possibilidade de que bebês nascidos em solo americano ganhem, automaticamente, cidadania do país.
“Somos o único país no mundo onde uma pessoa chega e tem um bebê, e o bebê é essencialmente um cidadão dos Estados Unidos por 85 anos, com todos esses benefícios. É ridículo, é ridículo. E precisa acabar”, disse Trump.
Como esclarece o próprio Axios na reportagem, são pelo menos 30 os países que garantem cidadania aos nascidos em território local --o Brasil é um deles, conforme a Constituição de 1988.
Na ofensiva contra os chamados bebês-âncora, o republicano disse ter sido informado de que não precisaria de uma emenda constitucional para revogar a provisão constitucional e que poderia fazer isso por ordem executiva.
O objetivo seria “esclarecer” uma interpretação da 14ª emenda da Constituição americana, que diz que “todas as pessoas, nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas a essa jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos”.
A emenda foi ratificada em 1868, num EUA pós-guerra civil, para assegurar a ex-escravos e seus descendentes a mesma proteção dos demais cidadãos perante a lei.
Vozes conservadoras e ativistas anti-imigração se apegam ao trecho “sujeitas a essa jurisdição” da emenda, afirmando que não se aplicaria a nascidos fora dos Estados Unidos —que estariam sujeitos às jurisdições de seus próprios países, segundo eles.
Mas o entendimento de que, na verdade, se aplica sim, já está pacificado pela Suprema Corte americana desde março de 1898. A decisão remonta ao caso de um sino-americano nascido em San Francisco e que, ao voltar para a cidade californiana após uma visita à China, teve a entrada negada.
O episódio deu origem a uma batalha legal que terminou com a decisão, 120 anos atrás, da mais alta instância judicial americana.
Trump, agora, quer dar novo significado ao trecho com a ordem executiva, caminho mais simples do que emendar a Constituição. Mas que também tem seus percalços.
Se o presidente emitisse a ordem 12h e um bebê filho de estrangeiros nascesse 12h01, potencialmente já contaria com um advogado da ACLU (American Civil Liberties Union), exemplifica um especialista que não quis ser identificado.
A partir daí, governo e advogados entrariam com uma série de recursos para tentar, respectivamente, validar e bloquear a regra, até chegar à Suprema Corte, onde dificilmente teria a maioria de cinco dos nove juízes necessários para fazer valer a ordem.
“O presidente não pode apagar a Constituição com uma ordem executiva, e a garantia de cidadania da 14ª emenda é clara”, afirma Omar Jadwat, diretor da ACLU, em nota.
“Essa é uma tentativa transparente e declaradamente inconstitucional de semear a divisão e ventilar o ódio anti-imigração dias antes das midterms [eleições legislativas americanas]”, diz.
A uma semana da votação, ganhou força a teoria de que a mensagem era um aceno à base de Trump e uma espécie de incentivo para que eles saíssem para votar.
“Ele adora intimidar, sabe que joga bem com sua base e torna essas minorias seu alvo. Ele faz isso para inflamar seus apoiadores”, afirma Donald Kerwin, diretor-executivo do Center for Migration Studies.
Kari Hong, professora assistente da Escola de Direito do Boston College, também avalia que a intenção é alimentar o medo, o racismo e o sentimento anti-imigraçao. “Como questão legal, não tem muito futuro, mas há um impacto social. Ele fez o cálculo e está usando isso manobra política”, afirma.
A proposta foi apresentada em um momento em que caravanas de migrantes se dirigem aos EUA. “Eles não querem cidadania, eles estão vindo para cá porque a vida deles está em perigo. Espero que os eleitores votem em quem não prega isso. Seria chocante, levaria os EUA de volta ao século 19”, critica.
Kari lembra que o próprio presidente não teria direito à cidadania, caso a regra valesse quando sua mãe, escocesa, emigrou para os EUA
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