Descrição de chapéu The New York Times

Nutella e gatinhos fazem parte da estratégia de mídia social de Matteo Salvini

Vice-premiê italiano busca vender imagem de homem comum com retórica incendiária e gracejos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jason Horowitz
Roma | The New York Times

Matteo Salvini gosta de espalhar Nutella em seu pão, de manhã. Ele termina o dia com uma tigela de macarrão Barilla e um copo de vinho Barolo. Segue as palavras de sabedoria no interior das embalagens de chocolate Bacio da Perugina. E bebe cerveja Moretti.

A Itália sabe dessas coisas porque Salvini, o ministro do Interior linha-dura do país, vice-premiê e líder do partido Liga (anti-imigração), as compartilha em suas várias redes sociais. Praticamente todos os dias.

O ministro do Interior e vice-premiê italiano, Matteo Salvini, em visita a Jerusalém
O ministro do Interior e vice-premiê italiano, Matteo Salvini, em visita a Jerusalém - Menahem Kahana/AFP

Mas as postagens de Salvini nas redes sociais não são realmente merchandising, ou divagações de um orgulhoso nacionalista da culinária. Os que trabalharam perto dele dizem que elas fazem parte de uma estratégia cuidadosamente estudada e notavelmente bem-sucedida de vender sua marca de homem comum em uma era avessa às elites.

Um ano depois que Salvini invadiu a política italiana pela extrema direita, sua ascensão como o político mais poderoso da Itália —eclipsando a influência de um primeiro-ministro que muitos consideram um fantoche— se tornou uma parábola da era da mídia social moderna. Ele é o estudo de um político, assim como o presidente dos EUA, Donald Trump, cujos métodos romperam as normas políticas, concordam quase todos os políticos italianos, quer aceitem suas políticas, quer não.

Salvini usa habilmente suas contas extremamente populares no Facebook, Instagram e Twitter para fazer ataques políticos. Ele as utiliza para demonizar adversários, provocar temores sobre migrantes bandidos e acusar os burocratas de Bruxelas de todo tipo de pecado. Ele aparece em vídeos ao vivo e escalas políticas usando uniformes tão machistas que fariam o pessoal do Village People enrubescer.

Mas igualmente crítico para o sucesso de Salvini é manter uma aura de autenticidade, o ouro político de sua era populista. Como parte dessa abordagem, ele sugere um lado mais suave e humano com pizza, macarrão, gatinhos e uma situação de relacionamento "recém-dispensado". O resultado é uma frase de identificação imediata ("Os populistas são iguais a nós!").

É uma imagem que Salvini esculpiu com o tempo, e que ajudou a levá-lo da margem política ao centro do palco na política italiana.

Flavio Tosi, ex-adversário de Salvini que perdeu uma disputa de poder para comandar a Liga, disse que Salvini afirmou já em 2013 nas reuniões privadas da liderança do partido que a chave para o crescimento nacional era atacar a Europa e os imigrantes e investir nas redes sociais.

"Salvini investiu muito dinheiro em redes sociais —centenas de milhares de euros", disse Tosi, que mais tarde foi expulso da Liga.

No início de 2014, Salvini, então o recém-ungido líder de um partido marginal que conseguia 3% nas urnas, confiou sua estratégia de mídia social a Luca Morisi, um desenvolvedor de software que se concentrou no candidato —e não no partido— para forjar uma ligação direta com os apoiadores.

Ele deu preferência a postagens frequentes e variadas para manter sua atenção. A operação de rede social e software, chamada "a Fera", evoluiu para uma espécie de lenda, com algumas reportagens italianas afirmando que é criada para sentir o clima do eleitorado italiano, permitindo que Salvini acrescentasse açúcar (ver Nutella) ou tempero ("Os portos italianos estão FECHADOS") quando necessário​.

O que está claro é que o apoio eleitoral de Salvini mais que duplicou em menos de um ano. Ele tem 3,3 milhões de seguidores no Facebook, mais de 1 milhão no Instagram e 943 mil no Twitter. Seu índice de envolvimento no Facebook, embora tenha caído recentemente, é muitas vezes maior que o de Trump.

"Ele dá a impressão de ser um homem do povo", disse Vincenzo Cosenza, especialista em redes sociais.

Ele comentou que Salvini se concentrou em construir uma ligação emocional com os apoiadores e que seus vídeos parecem propositalmente não profissionais. Sua mensagem, embora polarizadora, muitas vezes vem embalada em soluções de bom senso.

"Ele diz: 'Há um inimigo que podemos culpar. Eu sou um de vocês, mas posso resolver o problema'", disse Cosenza.

O método de Salvini de misturar retórica incendiária com gracejos, muitas vezes na mesma postagem, costuma irritar os adversários —mas sua indignação geralmente enfoca ainda mais a atenção em Salvini.

Na semana passada, seus adversários atacaram um de seus posts Nutella, feito em um dia quando o terremoto na Sicília pôs vidas em risco. ("Meu Dia de Santo Estêvão começa com pão e Nutella", escreveu Salvini com um emoticon de "sabor delicioso". "E o seu?")

Os adversários chamaram a postagem de insensível e indigna de uma autoridade graduada em um momento de emergência nacional. A mídia os acompanhou. Mas Salvini não iria jogar fora seu algoritmo vencedor só porque seus críticos o acusaram de abandonar o decoro ministerial. Ele sabe em que lado de seu pão está a Nutella.

"Confesso isso, meu enorme erro e falha", respondeu Salvini em um vídeo ao vivo no Facebook. "Eu gosto de Nutella."

De fato, uma olhada nas redes sociais de Salvini é o que basta para ver que as críticas não prejudicaram seu apetite.

Em 1º de dezembro, ele escreveu "Quem não gosta de um crepe com Nutella?", ao lado de uma selfie em que saboreia a guloseima.

Em 4 de dezembro, mostrou sua solidariedade com os consumidores das lojas de descontos postando um prato de macarrão nada apetitoso e o texto "200 gramas de bucatini Barilla, um pouco de molho de ragu Star e um copo de Barolo por Gianni Gagliardo. Não importa a barriga".

No dia seguinte estava cheio de doces. "O dia começa com um lindo Bacio Perugina", disse ele no Instagram, com uma foto do aforismo na embalagem do chocolate: "A amizade traz grande felicidade com pequenos gestos".

(A Ferrero, que é dona da Nutella, não quis comentar, assim como a Nestlé, proprietária da Perugina. Um diretor da Barilla, que pediu para não ser identificado porque não estava autorizado a comentar assuntos internos, disse que as postagens que promovem a Barilla provocaram consternação na companhia por causa das críticas polarizadoras de Salvini.)

Mas, como a Nora Ephron da política europeia de extrema direita, para Salvini tudo é assunto para seu jogo de rede social. Lá estão suas férias, em que ele aparece sem camisa na praia, pilotando um jet-ski ou fazendo o DJ com uma caipirinha na mão.

Críticos notaram que Mussolini, que Salvini citou de propósito para deleite de seus seguidores nacionalistas e liberais instigados, muitas vezes ficou sem camisa no início de seu reinado. Mas se Mussolini era o super-homem de peito de barril Salvini parece apreciar seu papel de magrela flácido.

Durante a campanha deste ano, Elisa Isoardi, uma personalidade da televisão bem-sucedida e glamourosa, namorada de Salvini na época, postou fotos no Instagram dela passando a ferro as camisas dele.

Ela reforçou a credibilidade tradicionalista de Salvini, que tem dois filhos de mulheres diferentes, nenhum deles de Isoardi. E enlouqueceu os críticos —além de atrair público.

E quando Isoardi anunciou sua ruptura em novembro, o fez num post no Instagram, em que ele está de peito nu na cama, beijando seu pescoço.

"Com imenso respeito pelo verdadeiro amor que foi", escreveu ela. "Obrigado, Matteo."

Quando Salvini mantém a camisa vestida, certifica-se de que ela diga alguma coisa. Como separatista que defende a criação da nação de Padania, no norte da Itália, ele usou camisetas que diziam: "Padania não é a Itália".

Mas desde que chegou ao poder e fez da lei e da ordem seu grito de guerra, Salvini deixou claro que acredita que as roupas fazem o homem-forte.

Certa vez ele falou a repórteres usando uma camisa de guarda-costeiro com estrelas no colarinho. Foi à igreja no uniforme de um bombeiro. Muitas vezes usa o paletó da polícia de Estado, e já usou capacete de operário da construção.

Na semana passada, enquanto a polêmica sobre seu post da Nutella arrefecia, Salvini postou uma foto tirada em Catânia, na Sicília, em que ele usa uma jaqueta de bombeiro local e segura um bolinho de arroz frito, a guloseima da região.

"Não pude deixar a esplêndida Catânia, depois da reunião sobre o terremoto na prefeitura e uma hora de caminhada pelo centro entre a população, sem provar um 'arancino al ragu'!", escreveu ele, com um emoticon de "chorando de rir". "O que vocês acham, o Partido Democrático vai me atacar?"

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.