Descrição de chapéu The New York Times

Trump afirma que Obama estava pronto para atacar a Coreia do Norte

Ninguém que trabalhou com Obama endossa publicamente essa avaliação

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Washington | The New York Times

Os EUA estavam à beira da guerra. Enquanto o presidente Barack Obama se preparava para deixar o cargo, ele planejava mais um conflito na Ásia, onde os EUA já haviam lutado duas vezes desde os anos 1950 sem ganhar. Mas dessa vez o inimigo tinha armas nucleares, e o potencial de devastação era enorme.

Espere um pouco —você não se lembra da quase guerra de Obama com a Coreia do Norte? As pessoas que trabalhavam para Obama na época também não lembram. 

Mas o presidente Donald Trump vem dizendo ao público ultimamente que seu antecessor esteve na borda do precipício de um confronto com o Estado rebelde que possui armas nucleares. Pelo modo como Trump conta a história, os jatos estavam praticamente saindo dos hangares.

Ditador Kim Jong Un ao lado do presidente americano Donald Trump em encontro no dia 12 de junho de 2018; argumento de Trump é que se alguma outra pessoa tivesse sucedido Obama nos EUA, invariavelmente haveria confronto com a Coreia do Norte
Ditador Kim Jong Un ao lado do presidente americano Donald Trump em encontro no dia 12 de junho de 2018; argumento de Trump é que se outra pessoa tivesse sucedido Obama nos EUA, haveria confronto com a Coreia do Norte - Saul Loeb/AFP

"Acredito que ele teria ido à guerra com a Coreia do Norte", disse Trump no Jardim das Rosas da Casa Branca na sexta-feira (15). "Acho que ele estava pronto para ir à guerra. Na verdade, ele me disse que estava muito próximo de iniciar uma grande guerra com a Coreia do Norte." 

A ideia de que Obama, que famosamente se equivocou sobre um único ataque de míssil contra a Síria, que não tem armas nucleares, para puni-la por usar armas químicas contra seus próprios civis, teria iniciado uma guerra total com a Coreia do Norte parece difícil de imaginar, para dizer o mínimo.

Mas essa conjetura se tornou parte da narrativa de Trump ao se autocongratular por procurar a Coreia do Norte para fazer a paz.

O argumento é que se Obama ainda estivesse no cargo ou se alguma outra pessoa o tivesse sucedido os EUA teriam invariavelmente acabado confrontando a Coreia do Norte com agressão armada para reverter seu programa de armas nucleares.

Mas a diplomacia de Trump evitou esse resultado supostamente inevitável, o que significa que foi um sucesso, apesar de a Coreia do Norte até hoje não ter eliminado uma única ogiva nuclear ou abandonado seus mísseis.

"Teria sido uma guerra que poderia ser a Terceira Guerra Mundial, para ser franco com vocês", disse Trump em uma reunião do gabinete em janeiro. 

"Se fosse qualquer outra pessoa, e não eu, vocês estariam em guerra agora", disse ele a repórteres alguns dias depois.

"E eu posso lhes dizer que o governo anterior estaria em guerra agora se fosse prorrogado. Vocês estariam neste momento numa bela, grande e gorda guerra na Ásia com a Coreia do Norte se eu não fosse eleito presidente."

É impossível provar uma negativa, é claro, mas ninguém que trabalhou com Obama endossou publicamente essa avaliação, nem qualquer dos livros de memórias que surgiram de seu governo revelam uma discussão séria sobre ação militar contra a Coreia do Norte. Vários veteranos da era Obama fizeram questão de desmentir a caracterização de Trump na sexta-feira. 

"Não estávamos à beira da guerra com a Coreia do Norte em 2016", escreveu no Twitter Ben Rhodes, vice-assessor de segurança nacional de Obama. 

John Brennan, diretor da CIA sob Obama, disse à NBC News: "O presidente Obama nunca esteve prestes a iniciar qualquer guerra com a Coreia do Norte, grande ou pequena".

Trump baseia seu argumento na única conversa mais longa que ele teve com Obama. Em novembro de 2016, Obama convidou o homem eleito para sucedê-lo à Casa Branca para uma conversa durante 90 minutos sobre as questões que o esperavam.

O relato de Trump dessa conversa evoluiu com o tempo. No início, ele disse que Obama lhe falou que a Coreia do Norte seria o maior desafio de política externa do novo governo, o que parece plausível. Só que mais tarde Trump acrescentou a suposta conversa sobre a guerra. 

O escritório de Obama não quis comentar na sexta-feira, mas ex-assessores disseram que não houve consideração ativa de opções militares na época.

Obama, que foi contra a guerra no Iraque desde o início, era profundamente avesso a ações militares no final de sua presidência e tinha definido sua política externa naquele ponto como "não faça coisas idiotas", só que ele usou uma palavra mais terrena que "coisas".

Em um email na sexta-feira, Rhodes disse que Obama advertiu Trump sobre a Coreia do Norte na reunião deles, mas dificilmente sugeriu que estava disposto a usar a força.

"Ele falou sobre a ameaça do programa da Coreia do Norte —em que pé estava, quais eram nossas preocupações", explicou Rhodes. "É muito diferente de dizer que você vai entrar em guerra!" 

Apesar de Obama e seus antecessores nunca terem afastado formalmente a opção militar, sempre foi uma alternativa distante. Diferentemente do Afeganistão, Iraque, Líbia e outros lugares, onde os EUA combateram nos últimos anos, a Coreia do Norte poderia responder com armas nucleares capazes de matar centenas de milhares de pessoas. 

Até mesmo sua artilharia convencional está estacionada tão perto de Seul, a capital sul-coreana —para não falar nas dezenas de milhares de tropas americanas estacionadas ali perto —, que poderia causar o caos sem uma escalada nuclear. 

O Departamento de Defesa certa vez avaliou que a Coreia do Norte poderia infligir 250 mil baixas em Seul somente com artilharia convencional, segundo um relatório da Rand Corp.

Uma explosão nuclear de 100 quilotons em um único bairro abastado de Seul resultaria em cerca de 1,5 milhão de baixas, incluindo 400 mil mortos, segundo o relatório.

O único presidente que ameaçou verbalmente a guerra com a Coreia do Norte nos últimos tempos foi Trump. Depois de um provocativo teste de míssil balístico intercontinental coreano, no verão de 2017, Trump ameaçou despejar uma chuva de "fogo e fúria" na Coreia do Norte, e um mês depois disse à Assembleia Geral da ONU que "destruiria totalmente a Coreia do Norte" se ela ameaçasse os EUA.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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