Ascensão de pré-candidatos progressistas assusta ala democrata moderada

Bernie Sanders, do Vermont, é o mais bem cotado na etapa inicial da corrida para presidente dos EUA

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Des Moines (Iowa) | The New York Times

A forte guinada à esquerda do Partido Democrata e a ascensão de pré-candidatos presidenciais progressistas assustam democratas moderados, que, cada vez mais, receiam que o partido possa cair de um penhasco liberal e desperdiçar suas chances de derrotar o presidente Donald Trump em 2020.

Dois meses depois de o início da campanha presidencial, a maioria dos principais candidatos democratas já rompeu com a política de consensos e abraçou ideias de esquerda sobre saúde, impostos, meio ambiente e a política dos EUA no Oriente Médio, ideias que modificariam fundamentalmente a economia e elementos da política externa americana, em última análise reformando a vida do país.

Liderados pelo senador Bernie Sanders, do Vermont, socialista democrático que é o pré-candidato democrata mais bem cotado nesta etapa inicial da corrida, muitos líderes do partido estão optando por tirar lições das vitórias liberais do partido em 2018, em vez de os avanços conquistados pela legenda nas áreas suburbanas moderadas que acabaram devolvendo o controle da Câmara aos democratas.

Esses democratas progressistas correm o risco de acabar beneficiando Trump, que os tachou diversas vezes de “socialistas”. Mas eles argumentam que sua agenda ambiciosa pode inspirar uma revolta de eleitores em 2020 que leve à eleição de um presidente de esquerda.

Bernie Sanders, pré-candidato democrata à presidência dos EUA em 2020 - Scott Eisen/Getty Images/AFP

Retornando ao Iowa pela primeira vez como pré-candidato para 2020, Bernie Sanders se gabou na quinta-feira (7): “Vocês se lembram das ideias das quais conversamos aqui em Iowa quatro anos atrás e que pareceram tão radicais na época? Surpresa: hoje essas mesmas ideias são apoiadas não apenas por candidatos democratas à Presidência, mas por candidatos democratas a todos os cargos, de conselhos escolares para cima.”

A corrida rumo ao populismo equivale à rejeição do tipo de política incremental e frequentemente defensiva que há 40 anos caracteriza a abordagem do partido a questões altamente contenciosas. No entanto, enquanto quase metade dos eleitores indicam em sondagens de opinião que não querem ver o presidente reeleito, muitos moderados dizem que a estratégia cautelosa seguida em 2018 que ajudou o partido a conquistar 21 vagas na Câmara que tinham sido dadas a candidatos de Trump dois anos antes deveria servir de diretriz para 2020.

“O que vimos nas eleições parlamentares do ano passado foi muitas pessoas da ala centrista e moderada do partido vencerem e retomarem o controle da Câmara”, disse a senadora Maggie Hassan, de New Hampshire, aludindo às campanhas cuidadosas, testadas em sondagens de opinião, travadas no ano passado por muitos candidatos democratas em distritos de tendência republicana. “Precisamos agir com o máximo possível de pragmatismo.”

Falta uma liderança evidente a essa ala moderada do partido. O ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, que teria feito uma campanha centrista, desistiu da corrida na semana passada. O senador Sherrod Brown, do Ohio, progressista que defende um estilo de política pragmática pautada pelo sistema, também decidiu não se candidatar. A senadora Amy Klobuchar, do Minnesota, que é pré-candidata, se descreve como centrista mas ainda não ganhou força.

Se o ex-vice-presidente Joe Biden entrar na disputa, como seus assessores dizem que ele fará em breve, é ele quem terá a melhor chance imediata de se tornar o líder moderado. (E, se ele não o fizer, o ex-governador da Virgínia Terry McAuliffe ou o governador de Nova York, Andrew Cuomo, podem tentar cumprir esse papel.)

Uma candidatura de Biden imediatamente empurraria uma disputa fundamental para o centro da corrida democrata: os americanos simplesmente anseiam por um equilíbrio político como o da era anterior a Trump, com menos caos e mais consenso? Ou as disparidades enormes de hoje pedem uma administração mais transformadora?

Fica claro que Bernie Sanders e outros candidatos democratas, como a senadora Elizabeth Warren, do Massachusetts, estão apostando que os eleitores desejam mais do que apenas um retorno à normalidade.

A senadora Elizabeth Warren - Sergio Flores / Reuters

“Em 2016, o Iowa ajudou a deslanchar a revolução política”, recordou Sanders no sábado (9) em um comício em Des Moines, aludindo à sua quase vitória nos caucus desse estado naquele ano. “Agora, quando nos encaminhamos para 2020, precisamos completar essa revolução.”

Os candidatos liberais dominaram a discussão política até agora. Na sexta-feira (8) Warren propôs que o governo fragmente gigantes da tecnologia como a Amazon e o Facebook. É a mais recente e possivelmente mais ousada proposta a sair de sua campanha. E a plataforma de Bernie Sanders —“Medicare para todos”, universidade gratuita e um plano agressivo para combater a mudança climática—vem ganhando popularidade, segundo as pesquisas.

Discursando na Universidade do Iowa como parte de sua campanha, Sanders também criticou os “democratas do establishment”. Recebeu os aplausos mais altos e prolongados quando prometeu promulgar seu projeto de lei sobre saúde universal.

Ao lado de uma nova geração de progressistas de alto perfil como a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, Sanders e Warren emergiram nos últimos meses como os árbitros mais claros e francos das aspirações democratas, se não da agenda congressional imediata.

Eles estão no mínimo acelerando os deslocamentos tectônicos que estão ocorrendo no partido. Não foi por acaso que democratas na Câmara modificaram uma resolução criticando a deputada Ilhan Omar, do Minnesota —por sua afirmação polêmica de que os membros do lobby pró-Israel são leais a um país —estrangeiro—, depois de Ocasio-Cortez, outros parlamentares não brancos e os principais presidenciáveis do partido terem se revoltado contra as críticas voltadas especificamente a Omar. O episódio assinalou uma divergência notável do apoio total a Israel que sempre caracterizou os escalões superiores da maioria das primárias democratas.

Mas Joe Biden, em discursos feitos dentro e fora dos EUA desde o início do ano, vem prometendo restaurar a dignidade que ele acredita que o país perdeu nos anos de Trump, prometendo uma restauração, não uma revolução. E, como seus partidários explicam com menos sutileza, sua campanha representaria outra coisa.

“O que o eleitorado primário do Partido Democrata quer sobretudo é vencer”, explicou o senador Chris Coons, do Delaware. Ele argumentou que Biden “pode consertar muitos modos em que nossa posição no mundo foi prejudicada” e ao mesmo tempo oferecer “uma visão esperançosa, positiva, otimista” em casa que poderia sanar as divisões que Trump teria exacerbado.

Para esses democratas moderados, o pleito recente que trouxe lições mais importantes não foi a eleição de Trump em 2016, mas as eleições parlamentares de 2018, em que muitos dos deputados e governadores democratas que venceram em distritos fortemente disputados eram muito menos confrontadores que Bernie Sanders.

“A grande maioria das cadeiras que conquistamos foi ganha por candidatos de centro-esquerda que representam distritos mais centristas”, disse o deputado Brendan Boyle, da Pensilvânia. “Ainda há muitos democratas que são a favor de concessões.”

Os democratas em Washington estão assistindo às tensões no partido em primeira mão enquanto procuram equilibrar uma agenda que seus moderados recém-eleitos possam apoiar e, ao mesmo tempo, agradar aos recém-chegados mais liberais que estão ansiosos por submeter Trump a impeachment e buscar metas de longo alcance, como o New Deal Verde.

“Muitos jovens já nasceram em um mundo com mais diversidade, mais oportunidades e no qual sempre puderam usar as redes sociais”, comentou o deputado Elijah Cummings, de Maryland, falando das expectativas dos ativistas e parlamentares da próxima geração, alguns dos quais participam do comitê de supervisão que ele preside. “Já um cara como eu —eu tive que lutar até para conseguir passar pela porta.”

Dizer a alguns desses democratas mais jovens que uma plataforma progressista intransigente pode ser inalcançável, o que dirá quem pode ou não ser eleito presidente, é difícil, dada a vitória de Trump e o abismo que eles enxergam entre a escala dos problemas que vão enfrentar e as políticas em ação hoje.

E, diferentemente de muitos da ala pragmática do partido, esses democratas acreditam que a receita para o sucesso na eleição geral não será escolher outro candidato aparentemente seguro como Hillary Clinton, que não conseguiu mobilizar a base democrata e perdeu votos cruciais para uma candidata do Partido Verde, mas nomear um candidato que consiga energizar os eleitores relutantes.

“Obviamente nós já mostramos que hoje aceitamos candidatos não tradicionais”, disse Riley Wilson, 29 anos, do Nebraska, que atravessou o rio Missouri para ver Bernie Sanders discursar. “Acho que muitas pessoas estão totalmente desligadas de política, e Sanders conseguiria envolver algumas dessas pessoas porque elas sentirão que têm opções políticas que antes não tinham.”

Tradução de Clara Allain

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