Operação Condor decidia execução de presos políticos por voto, revelam documentos

Membros do aparato repressor pagavam anuidade e cumpriam expediente em Buenos Aires

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Buenos Aires

A terceira e última entrega de documentos oficiais americanos sobre a mais recente ditadura argentina (1976-1983) revela detalhes do funcionamento da Operação Condor (formada pelos governos militares do Cone Sul nos anos 1970 para a troca de inteligência e perseguição de inimigos), cuja sede operacional foi Buenos Aires, e como foram assassinados pela repressão local dezenas de pessoas até hoje consideradas “desaparecidas”.

Os papéis descrevem as reuniões em que se tomavam as decisões sobre quem seriam as vítimas de cada operação. A escolha se dava de modo “democrático”. Ou seja, os líderes militares dos países votavam quais perseguidos políticos tinham de ser assassinados primeiro, onde e de que forma.

Há informações precisas sobre o modo como cada agente deveria atuar, da vestimenta ao veículo que utilizaria. Incluía os custos para comprar as roupas e os gastos das diárias. Em alguns casos, eram contratados assassinos, que recebiam US$ 3.500 (R$ 13,6 mil em valores atuais) para perseguir e matar uma pessoa.

O centro de operações da Operação Condor funcionava diariamente em Buenos Aires, entre 9h30 e 19h30, e era integrado por oficiais dos países diretamente envolvidos (Argentina, Chile, Brasil, Bolívia, Peru, Paraguai e Uruguai).

O custo da operação como um todo era compartilhado entre os países membros, que deveriam aportar US$ 10 mil (R$ 39 mil em valores atuais) ao entrar, depois uma anuidade.

A nova leva de documentos corresponde a um acordo feito entre o presidente Mauricio Macri e o então mandatário dos EUA, Barack Obama, em 2016. Seu sucessor, Donald Trump, manteve o compromisso e entregou, na sexta-feira (12), o último lote de arquivos, que consiste em 47 mil páginas, ainda não disponibilizadas à consulta aberta, mas cujo conteúdo já começou a ser divulgado.

Trabalhador é detido durante protesto em Buenos Aires, durante a ditadura militar argentina - Daniel Garcia - 30.mar.1982/AFP

Trata-se de um conjunto de correspondências entre a embaixada dos EUA na Argentina e seus adidos militares no país a autoridades americanas, além de informes produzidos pela CIA e o FBI com base nessas informações.

“Ainda não conhecemos todo o conteúdo, mas os documentos podem ajudar a alimentar os julgamentos de crimes de lesa-humanidade que ainda estão abertos e acrescentar aos que já foram encerrados. Além disso, podem colocar ponto final a algumas das trágicas histórias de desaparecidos”, afirma à Folha Gastón Chillier, do Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), a principal organização de defesa dos direitos humanos da Argentina.

Sobre a Operação Condor, há mais informações sobre a relação dos líderes militares argentinos com os uruguaios e chilenos. Brasil e Bolívia aparecem com menor destaque nessa documentação. 

Confirma-se, porém, que os EUA não apenas acompanharam as ações da Condor como auxiliaram em termos de inteligência e de cooperação, inclusive levando agentes sul-americanos para treinamento em território americano.

A colaboração dos EUA, porém, não foi constante. Como já havia sido revelado no pacote de documentos entregues antes deste, o então secretário de Estado, Henry Kissinger (1973-1977), deu um apoio efusivo à Operação Condor enquanto esteve no cargo. 

Ao governo argentino, inclusive, Kissinger teria dado aval dos EUA ao assassinato dos opositores (membros das guerrilhas montoneros, ERP ou militantes de outros grupos), acrescentando apenas que “o que tenham de fazer, façam, mas quanto mais rápido, melhor”.

A posição dos EUA com relação às ditaduras sul-americanas, porém, teve uma mudança radical quando o democrata Jimmy Carter assumiu o poder, em 1977. 

Os EUA, então, passaram a pressionar de modo contrário, pelo fim da repressão, e a colaborar nas denúncias dos abusos de direitos humanos. 

Os documentos também dão como mortas “dezenas” de pessoas que desapareceram durante ações de agentes de repressão ou da Operação Condor. 

Centro de tortura clandestina conhecida como "Olimpo" fotografada por João Pina, em Buenos Aires (Argentina) - João Pina/Folhapress

Isso pode até mesmo permitir encontrar os culpados e iniciar novos julgamentos. A lista completa, entretanto, ainda não foi divulgada.

Alguns relatos já conhecidos são devastadores. Conta-se, por exemplo, como foi o sequestro dos cubanos Jesús Cejas Arias e Crescencio Nicomedes Galañena Hernández, que teriam sido levados a um centro de detenção clandestina e torturados até a morte.

Depois, seus corpos teriam sido envoltos em cimento e jogados no rio Paraná. Até hoje não foram encontrados.

Há outro que relata o sequestro de uma psicóloga argentina, que era cadeirante, e que foi torturada porque atendia a suspeitos de participar de atividades de subversão. Os repressores exigiram que ela entregasse seus nomes.

Até agora, a Argentina já realizou 3.000 processos contra repressores, sendo que mais de 800 foram condenados e 200 aguardam uma decisão. 

Já os números da repressão são motivo de disputa. Historiadores acreditam que a cifra mais correta esteja em torno de 20 mil desaparecidos. Organizações de direitos humanos dizem, porém, que foram mais de 30 mil.

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