De olho em Rússia e China, EUA investem em míssil hipersônico

País quer verba 57% maior para armamento cinco vezes mais rápido que o som

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São Paulo

Para se equiparar a Rússia e China num campo da corrida armamentista em que estão atrás, os EUA estão voltando a investir de maneira regular no desenvolvimento de mísseis hipersônicos, a arma militar mais veloz que existe.

O Pentágono pediu ao Congresso americano que aloque US$ 2,6 bilhões em 2020 para o desenvolvimento de equipamentos do tipo, que ficarão disponíveis para a Força Aérea, o Exército e a Marinha. 

A aeronave norte-americana X-15 , primeiro modelo desenvolvido pelos EUA, em 1959 
A aeronave norte-americana X-15 , primeiro modelo desenvolvido pelos EUA, em 1959  - Nasa

Trata-se de um aumento de 57% em relação à verba de 2018. Além disso, devem ser destinados US$ 2 bilhões anualmente para a área até 2024.

O pedido de aumento dos investimentos ocorre poucos meses depois de o presidente russo, Vladimir Putin, divulgar experimentos bem-sucedidos com o foguete Tsirkon.

Testado nos últimos quatro anos, o projétil voa quase nove vezes mais rápido do que a velocidade do som, chegando a 11,1 mil km/h, podendo destruir alvos na terra e no mar a uma distância de até mil quilômetros. O Tsirkon deve entrar no arsenal de Moscou a partir de 2022.

Em paralelo, a China tem vários projetos do tipo em andamento. Um deles é a aeronave hipersônica Starry Sky-2, que atinge 7.404 km/h, pode mudar de direção no meio do voo e está apta a carregar explosivos tradicionais ou nucleares.

 

Com capacidade para viajar milhares de quilômetros a partir da costa chinesa, ameaçando porta-aviões e bases militares, o Starry Sky-2 deve estar concluído em 2024.

Para ganhar a alcunha hipersônica, um veículo ou um projétil precisa viajar pelo menos cinco vezes mais rápido do que a velocidade do som —1.234 km/h. Como comparação, um avião comercial voa a 890 km/h.

Logo, hipersônicos são mais velozes do que qualquer outro armamento, de acordo com Iain Boyd, professor de engenharia aeroespacial da Universidade de Michigan e pesquisador da tecnologia para o governo americano.

Armas hipersônicas podem manobrar no meio de sua trajetória, diferentemente de mísseis balísticos tradicionais, que têm um caminho definido até o alvo no momento em que são lançados. 

A trajetória variável somada à altíssima velocidade torna os foguetes hipersônicos difíceis de serem identificados por radares e, consequentemente, de serem derrubados —razão pela qual são uma das armas militares “do futuro”, diz Boyd.

Atualmente, segundo o professor, os EUA não têm a tecnologia necessária para se defender desses mísseis. Do orçamento de US$ 2,6 bilhões pedido para 2020, cerca de US$ 175 milhões estão previstos para serem usados no desenvolvimento de soluções de defesa contra armamentos hipersônicos. O valor é mais que o dobro da verba de 2018 (US$ 63 milhões).

Outra razão para a retomada dos investimentos de Washington no setor é “orgulho nacional”, afirma Boyd.

“Ter liderado uma área por décadas e então ser ultrapassado perto da conclusão dos projetos não é um sentimento bom. China e Rússia assistiram ao que estávamos fazendo, se basearam no nosso conhecimento e então decidiram construir os mísseis.”

O interesse norte-americano nos hipersônicos teve idas e vindas. No final dos anos 1950, o país investiu em pesquisas na área, mas “falhou em compreender os benefícios militares desses veículos”, afirma Boyd. “O país não tinha planos de desenvolver mísseis reais depois que os testes estavam completos.”

Apesar de, até hoje, os hipersônicos nunca terem entrado para o arsenal americano, eles foram usados como instrumento de pesquisa para a exploração espacial da segunda metade do século 20, a exemplo do modelo X-15, que voava no limite entre a atmosfera da Terra e o espaço com velocidade seis vezes mais rápida do que o som.

Em fevereiro, um mês após o Kremlin divulgar os testes bem-sucedidos com o Tsirkon, o presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos de um importante acordo de desarmamento com a Rússia, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês).

O republicano acusou os russos de violarem o tratado por supostamente testarem mísseis vetados pelo documento —Moscou nega. Vigente desde 1987, o INF marcou o fim da Guerra Fria e foi responsável por banir 1.846 foguetes com capacidade nuclear da então União Soviética e 846 dos EUA.

Boyd confirma que há “alguma relação” entre a saída de Washington do acordo e o atual foco nas pesquisas de armas de altíssima velocidade.

“Parte do desafio para os EUA com o INF era o fato de que a China não era signatária. Então, eles estavam livres para desenvolverem quaisquer armas que quiserem, incluindo as hipersônicas, que eram banidas pelo acordo.”

Como Rússia e China estão na dianteira, Boyd diz que os EUA e seus aliados terão que desenvolver a capacidade de defesa. “A melhor maneira de entender uma arma dos oponentes é construí-la você mesmo.”

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