Intelectuais e artistas brasileiros defendem turco contra pedido de extradição

Carta assinada por personalidades repudia acusações de Erdogan contra empresário que vive no Brasil

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São Paulo

Um grupo de intelectuais e artistas brasileiros escreveu uma carta pública defendendo o turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, preso após um pedido de extradição do governo de Recep Tayyip Erdogan.

Dono de um restaurante em São Paulo e pai de uma criança brasileira, Sipahi, 31, está preso preventivamente desde 6 de abril, enquanto o pedido de extradição contra ele é analisado pelo Supremo Tribunal Federal.

O turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, 31, que vive no Brasil há 12 anos e foi preso no dia 6 de abril
O turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, 31, que vive no Brasil há 12 anos e foi preso no dia 6 de abril - Arquivo pessoal

A procuradoria de Ancara afirma que Sipahi tem ligação com o terrorismo por desenvolver atividades no Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) e na Câmara de Comércio e Indústria Turco-Brasileira (CCITB), que se inspiram no Hizmet —movimento do clérigo muçulmano Fethullah Gülen, desafeto de Erdogan e considerado por seu governo como um grupo criminoso.

As duas instituições são, de fato, ligadas ao Hizmet, movimento presente em mais de 150 países e que, segundo seus seguidores, é pacífico, focado em educação, tolerância religiosa e projetos assistenciais.

A carta em defesa de Sipahi foi assinada por 32 personalidades da área da cultura e do meio acadêmico, que se apresentam como conselheiras e amigas do CCBT. Entre elas, o gestor cultural Danilo Miranda, diretor do Sesc (Serviço Social do Comércio) no estado de São Paulo, a artista plástica Leda Catunda, a atriz Bete Coelho, a cantora e ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda, o museólogo Marcelo Araújo e o diretor-presidente do Instituto Inhotim, Antônio Grassi.

O texto manifesta “veemente repúdio” à solicitação de prisão e extradição de Sipahi e diz que ele e outros dirigentes do CCBT sofrem acusações “levianas e despropositadas”. “Fundado em 2011, o Centro Cultural Brasil-Turquia sempre primou por fortalecer os laços entre as culturas brasileira e turca, pautando-se por dois eixos: respeito e direitos”, afirma.

Citando dados da ONU e da Human Rights Watch sobre prisões em massa, a mando do governo turco, de jornalistas, advogados e juízes sob a acusação de terrorismo, a nota afirma que as acusações contra os executivos ligados ao CCBT são uma tentativa de “transferir ao Brasil a situação de violação de direitos civis” existente na Turquia.

“Acusar esses executivos de terroristas implica, ipso facto, em atentar contra a dignidade de instituições da envergadura e da responsabilidade daquelas representadas por estes conselheiros e amigos. Conspurcar seus nomes com acusações difamatórias equivale a tripudiar sobre a Constituição da República Federativa do Brasil.”

Fethullah Gülen, que hoje vive exilado nos EUA, já foi aliado de Erdogan, até que passou a ser visto como uma ameaça e foi acusado pelo presidente de planejar uma tentativa frustrada de golpe contra ele em 2016.

Boneco do clérigo Fethullah Gülen durante protesto em Ancara; ele é líder do movimento Hizmet, considerado uma organização terrorista pelo governo turco
Boneco do clérigo Fethullah Gülen durante protesto em Ancara; ele é líder do movimento Hizmet, considerado uma organização terrorista pelo governo turco - Adem Altan - 2.ago.16/AFP

Desde 2016, Erdogan empreende um expurgo contra simpatizantes do Hizmet dentro e fora da Turquia. Alguns dos que viviam no Brasil deixaram o país após, segundo relatam, terem recebido ameaças e represálias por parte de representantes da embaixada.

Ancara cita como suposta evidência contra Ali Sipahi um depósito feito por ele, entre 2013 e 2014, de 1.721,31 liras turcas (cerca de R$ 1.168) no banco Asya, que Erdogan fechou em 2015 por ser ligado a gulenistas. 

Em 2018, a Justiça turca decidiu que correntistas desse banco podem ser considerados membros do Hizmet e, portanto, terroristas. A defesa de Sipahi alega que se tratava de um banco convencional —o Asya chegou a ter 6 milhões de clientes.

A Embaixada da Turquia no Brasil não comenta o caso de Sipahi por ser um processo em andamento, mas reafirmou, em nota enviada à Folha, que as evidências reunidas até agora apontam Güllen como mentor da tentativa de golpe de 2016. 

"O chamado movimento 'Hizmet' é, na verdade, um nome utilizado para disfarçar as atividades da organização criminosa e terrorista FETÖ. A FETÖ, cujo líder é Fetullah Gülen, é uma organização clandestina sem precedentes em termos de alcance global, ambições e métodos. A FETÖ é uma séria ameaça para a Turquia, assim como para outros países", diz o texto.

Segundo o comunicado, o Hizmet “se disfarçou como um movimento de educação” para se infiltrar no governo e “gradualmente se transformou em uma estrutura operacional sigilosa com o objetivo de transformar a sociedade, assumindo o controle do Estado turco”.

“Fetullah Gülen é o líder de uma organização secreta, altamente hierárquica e antidemocrática (o chamado movimento Hizmet) que tentou o mais violento ataque terrorista da história turca na noite de 15 de julho de 2016”, diz o texto.

Segundo a embaixada, a Justiça turca condenou vários membros da organização por crimes como lavagem de dinheiro, escutas telefônicas ilegais, fabricação de provas, intimidação e chantagem e "milhares de investigações e processos relativos às atividades ilegais de membros da FETÖ ainda estão pendentes".​

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