Descrição de chapéu Fronteiras do Pensamento

Mandela soube perdoar, diz Graça Machel durante palestra em São Paulo

Ativista moçambicana pelos direitos humanos é viúva do maior líder da história da África do Sul

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São Paulo

"O aspecto superior da personalidade de Mandela foi ter sabido perdoar", afirmou Graça Machel, 73, viúva do maior líder da história da África do Sul. 

Uma das principais ativistas pelos direitos humanos no continente africano e ex-ministra da Educação em Moçambique, seu país natal, Machel abriu nesta quarta (15) a edição paulistana da série Fronteiras do Pensamento de 2019, no teatro Santander.

Durante a conferência, disse que Nelson Mandela (1918-2013) foi capaz de perdoar os carcereiros das penitenciárias em que esteve preso (passou 27 anos nas prisões) e os líderes de massacres impostos ao longo do regime de apartheid. “Na África do Sul, há quem não perdoe Mandela pelo fato de ele ter perdoado essas pessoas”.

A ativista moçambicana Graça Machel durante participação no Fronteiras do Pensamento
A ativista moçambicana Graça Machel durante participação no Fronteiras do Pensamento - Greg Salibian - Divulgação

Perdoar, ela enfatizou, não significa esquecer. “É preciso manter vivas as lições do passado para que o mal não seja retomado”.

Neste momento da apresentação, Machel fez referência ao governo brasileiro, sem citar o presidente Jair Bolsonaro. “Há governos de extrema direita que fazem lembrar muito os tempos da ditadura”, disse, sendo muito aplaudida. “Tenho a impressão de que os povos estão um bocadinho tímidos, estão deixando essas forças crescerem. É preciso que os movimentos sociais tenham uma voz forte para impedir que isso aconteça.”

Para evitar que soasse indelicada ao criticar o país que a recebia, Machel disse que Brasil e Moçambique são como nações irmãs. “Por conta da língua portuguesa, que temos em comum, me sinto como cidadã do seu país assim como vocês devem se sentir moçambicanos.”

Ao falar sobre seu país natal, ela lembrou o ciclone Idai, que atingiu Moçambique em março, deixando mais de mil mortos, e o Kenneth, em abril, que matou mais de 40 pessoas.

“Quando a catástrofe aconteceu, houve uma reação positiva, com ajudas vindo de várias partes do mundo. Mas, depois dessa fase de buscas e salvamentos, a atenção do mundo se virou para outro lado”, afirmou. “A solidariedade deveria ter sido mais intensa justamente nessas semanas posteriores. Ainda há pessoas ao relento. A solidariedade tem que ir muito além desses momentos de comoção.”

Machel também lembrou o período em que foi ministra da Educação do seu país, entre 1976 e 1989. “Meu mérito foi ter conseguido formar equipes muito fortes. Havia no ministério pessoas muito mais preparadas do que eu.”

Antes de Mandela, ela foi casada com Samora Machel (1933-1986), que liderou a guerra da independência de Moçambique e presidiu o país de 1975 a 1986. “Era uma figura imponente, com grande brilho intelectual. Vindo de uma formação militar, tinha um coração de manteiga, o que ajudou a refrear alguns excessos do seu governo”, recordou-se.

Ao longo da conferência, ressaltou diversas vezes a importância da igualdade. “Precisamos reconhecer a dignidade de todo e qualquer ser humano. Esse é o principal sentido da vida e está ao alcance de todos nós”, afirmou. “Vamos nos concentrar naquilo em que somos iguais, e não nas diferenças que construímos. Ter a pele mais clara ou mais escura não é um critério de valor.”

Ao abordar o racismo, a ativista voltou a criticar a realidade brasileira. Para ela, precisamos nos “incomodar com a ausência de negros nos órgãos de poder”.    

Feminista convicta, Machel disse que existe hoje no mundo “uma guerra contra as mulheres em todos os estratos sociais. Por buscarem a igualdade, elas são alvo da violência dos homens”. Mas é preciso resistir, continuou ela. “Não podemos aceitar que mulheres recebam salários mais baixos que os de homens ocupando o mesmo cargo e tendo a mesma experiência.”

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