Foto de pai e filha afogados na fronteira dos EUA gera comoção e uso político

Papa, ONU, Donald Trump e democratas comentaram imagem de imigrantes

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São Paulo

​Do papa à ONU, dos democratas americanos ao presidente Donald Trump, o mundo reagiu nesta quarta (26) à foto de um pai e sua filha afogados na margem do rio Grande, na fronteira do México com os Estados Unidos.

Abraçados, ela com o corpo dentro da camiseta dele, os salvadorenhos Óscar Alberto Martínez, 25, e Angie Valeria, 2, morreram no domingo (23), quando tentavam chegar aos EUA para pedir asilo. A mulher de Óscar, Tania Vanessa Ávalos, 21, se salvou. 

A cena, registrada por uma repórter mexicana e publicada em um jornal local, rodou o planeta e destacou a situação dos imigrantes da América Central que tentam fazer a travessia —só de El Salvador, diariamente partem cerca de 200 pessoas.

Também levantou críticas contra as políticas linha-dura do presidente Trump na fronteira.

A imagem está sendo comparada à de Alan Kurdi, menino sírio de três anos que se afogou no mar da Turquia em 2015. À época, a fotografia de seu corpo deitado na areia jogou holofotes sobre a crise dos refugiados sírios na região do mar Mediterrâneo.

 

Nesta quarta-feira (26), a imagem de Óscar e Valeria foi estampada na primeira página do jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano. 

“O papa está profundamente triste com sua morte e rezando por eles e por todos os migrantes que perderam suas vidas tentando fugir da guerra e da miséria”, afirmou o porta-voz do Vaticano, Alessandro Gisotti.

Francisco, que nasceu na Argentina após sua família migrar da Itália, tem feito uma forte defesa dos imigrantes durante seu pontificado. 

O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) expressou profunda comoção ante a foto, definida como desoladora, dos corpos de Óscar e sua filha.

“As mortes de Óscar e Valeria representam um fracasso na resposta à violência e ao desespero que empurram as pessoas a empreender viagens perigosas em busca de uma vida digna e segura”, apontou, em comunicado, o chefe do comissariado, Filippo Grandi. 

Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele disse que os gastos de repatriação dos corpos do pai e da filha serão cobertos pelo governo.

As mostras de solidariedade com a família das vítimas também vieram por redes sociais como o Twitter. Uma funerária ofereceu serviços para o funeral, sem custos.

Nos EUA, políticos democratas usaram o episódio para criticar as políticas migratórias de Trump —que já viviam momento delicado após as denúncias de tratamento precário a crianças imigrantes em um posto superlotado de fronteira do Texas. Este episódio levou ao pedido de demissão, na terça-feira (25), do responsável pela agência de fronteiras do governo.

“Trump é responsável por essas mortes”, disse Beto O’Rourke, pré-candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais de 2020.

Ele afirmou que os imigrantes se veem obrigados a “atravessar entre os pontos de entrada, o que assegura um maior sofrimento e morte”.

“Estas famílias que buscam asilo muitas vezes fogem da violência extrema”, escreveu no Twitter a senadora da Califórnia Kamala Harris, também pré-candidata democrata.

“E o que ocorre quando chegam? Trump lhes diz: ‘Voltem para onde vocês vêm’. Isto é desumano. Estão morrendo crianças. Isso é uma mancha na nossa consciência moral.”

Bernie Sanders, outro que disputa a corrida presidencial democrata, descreveu a foto como horrível. “É só um exemplo doloroso de tantos outros que demonstram o desprezo imprudente pela humanidade que provém das políticas de Trump”.

O presidente americano retrucou culpando os democratas do Congresso. “Se tivéssemos as leis corretas, as que os democratas não nos permitem ter, essas pessoas não apareceriam, não tentariam [atravessar a fronteira]”.

“Não podemos tolerar o perigo, o abuso ou o tráfico de crianças, e a única forma de evitar isso é mudar a lei, e os democratas podem fazer isso imediatamente”, afirmou. “Eu a odeio”, disse, sobre a foto. “O pai... Provavelmente era um tipo fantástico.”

Apesar da ofensiva do governo Trump, a chegada de imigrantes sem documentos à fronteira sul dos Estados Unidos aumentou nos últimos meses.

Apenas neste ano, a patrulha de fronteira deteve 664 mil pessoas, um aumento de 144% em relação a 2018, segundo Brian Hastings, chefe de operações da patrulha. “O sistema está sobrecarregado”, disse.

Moradores de uma populosa e perigosa colônia na periferia leste de San Salvador, capital de El Salvador, com forte presença de gangues, Óscar, Tania e Valeria deixaram o país em abril passado, em busca do sonho americano. 

No México, passaram dois meses em um albergue em Tapachula, onde começaram o trâmite para solicitar asilo. Ante a demora em obter uma resposta, desesperaram-se e decidiram continuar seu caminho para os EUA.

“Ainda não posso acreditar que meu garoto e minha netinha estejam mortos”, disse a mãe de Óscar, Rosa Ramírez, à agência de notícias AFP. “Eles só queriam chegar aos EUA, tinham esse sonho americano, de conseguir uma vida melhor.” 

Rosa diz que pediu ao casal que não fosse, “que ir aos Estados Unidos é muito perigoso”. “Meu filho me dizia que sonhava que minha Valeria crescesse nos Estados Unidos, longe da pobreza. Queria comprar uma casa para sua família”, contou ela.

A repórter que fez a imagem dos dois, Julia Le Duc, disse ao jornal britânico The Guardian que já presenciou vários afogamentos na fronteira, mas que a cena de Oscar e Valeria a “ressensibilizou”.

“Ele morreu tentando salvar a vida da filha. Essas famílias não têm nada e estão arriscando tudo por uma vida melhor. Se cenas como essas não nos fizerem pensar novamente —se elas não mobilizarem quem toma decisões— então nossa sociedade está em um mau caminho”, afirmou a jornalista.

Com AFP e Reuters

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