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Médica cria projeto para distribuir coletores menstruais a nigerianas

Nkasi Obim Nebo busca oferecer educação sexual em país onde falar de menstruação é tabu

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Thainá Prado
Abuja (Nigéria)

​Em certas culturas nigerianas, a menstruação é considerada uma impureza capaz de causar doenças e desastres na vida dos homens.

Durante a menstruação, a mulher não pode tocar nos mesmos itens que o marido nem se sentar na mesma cadeira. Não deve dirigir a palavra nem cozinhar para ele.

Caso isso ocorra, segundo a cultura local, o homem pode ser enfeitiçado, contrair doenças e até morrer. "Chegar perto do seu marido menstruada é como se você estivesse levando a sujeira que vem de você para ele", afirma a muçulmana Halita Abubakar. "Se tocar nele, vai sujá-lo. E deus não vai ficar feliz."

Em meio a esse contexto em que apenas falar sobre menstruação é um tabu, a médica Nkasi Obim Nebo decidiu ajudar nigerianas a cuidar da saúde de seus corpos.

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Aula sobre o ciclo menstrual para mulheres vítimas dos ataques do grupo terrorista Boko Haram - Thainá Prado/Folhapress

Nos últimos sete meses, distribuiu 2.000 coletores menstruais em três estados do país a moradoras de comunidades rurais afastadas e a mulheres que tiveram de ser deslocadas, vítimas de ataques do grupo terrorista Boko Haram.

Diretora da organização sem fins lucrativos PeachAID Medical Initiative, Nebo decidiu falar sobre menstruação para dar às mulheres de seu país conhecimentos de educação sexual, além de abrir o debate sobre igualdade de gênero.

"O que nos encorajou foi o fato de elas terem ficado fascinadas. Pela primeira vez vejo nigerianos agarrando novas ideias e tecnologias. Não parecia um dia normal", afirma Nebo.

Feito de silicone, material mais indicado pelos médicos para uso dentro do corpo humano, o coletor menstrual é inserido no colo do útero e tem o formato de um copinho.

Além de evitar câncer de colo do útero, que pode ser proveniente de substâncias químicas presentes em absorventes descartáveis, e a Síndrome do Choque Tóxico, causada pela proliferação de uma bactéria por meio do uso de absorventes internos, os coletores têm uma função prática para as nigerianas: diminuem o estresse de terem de lavar panos cheios de sangue.

Para cuidar do ciclo menstrual, as mulheres cortam pedaços de roupas, dobram em duas camadas e apoiam na calcinha. Outras usam materiais insalubres, como tampões já utilizados, folhas secas, grama, baldes de areia, jornais, meias e folhas de papel que encontram, o que, além de desconfortável, possibilita que bactérias se proliferem e causem infecções urinárias. 

"Sinto-me tão enojada lavando esses panos. Lavar roupa encharcada de sangue é irritante", diz James Dorcas, residente do vilarejo Kiyi, no Território da Capital Federal.

Os coletores duram até dez anos e são higienizados com água fervente para reuso. Por isso, tudo o que uma mulher precisa para utilizar o coletor durante o período menstrual é acesso a água, o que faz com que a iniciativa atue em lugares com abastecimento de água.

 

Na Nigéria, cerca de 93 milhões de pessoas vivem em pobreza extrema, segundo dados do monitor World Poverty Clock. De acordo com o Escritório Nacional de Estatística da Nigéria, 26,6% das moradias não têm acesso a água potável, e 42,6% não usufruem de saneamento básico.

Ladina Kyaysy usa o coletor menstrual há quatro meses e conta que, depois do seu período, lava o item e o deixa dentro de uma caixa para evitar que roedores o comam. "Você sabe que tudo que nos é doado vendemos para ter dinheiro. Dinheiro até mesmo para pagar a água. Mas o coletor menstrual eu não vendo."

Para comprar os coletores que distribui, a diretora da ONG criou uma campanha de arrecadação online, com a qual conseguiu cerca de US$ 19,5 mil --uma empresa neozelandesa vendeu os produtos por um valor simbólico.

Segundo estudos do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental, uma mulher usa, em média, em torno de 9.600 absorventes ou tampões em sua vida. Estes levam de 500 a 800 dias para se decomporem. 

A maioria dos absorventes é feita por 90% de materiais plásticos, e apenas uma embalagem de absorvente contém a quantidade equivalente a quatro sacolas plásticas. "Além da preocupação com a saúde da mulher, o intuito do projeto é combater a quantidade de resíduos menstruais em aterros sanitários", diz Nebo.

O tabu também impacta no desenvolvimento de meninas em fase escolar. Prejudicadas pela infraestrutura limitada de saneamento, o Unicef estimou que uma menina chega a perder até 10% de seus dias escolares durante a menstruação, faltando de quatro a dez dias por mês.

A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) afirma que uma em cada dez adolescentes africanas não vão às escolas menstruadas e acabam abandonando os estudos.
Estatísticas do Ministério da Educação da Nigéria mostram que entre 2010 e 2011, somente 16% das escolas tiveram acesso ao abastecimento de água --apenas 33% das escolas dispunham de pias instaladas. 

Além disso, 68% das meninas disseram que não sabiam para onde ir quando estão menstruadas durante as aulas. 

"Ensinamos as meninas a não exporem o que estão fazendo. Elas não devem permitir que os meninos saibam que estão menstruadas", diz Hanatu Andrew, professora voluntária da escola no campo de deslocados internos Kuchingoro. 

"E se eles quiserem brincar, devem dizer que não querem e não gostam de brincar. E, quando não houver professor na sala de aula, elas devem ficar quietas e dormir."

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