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The New York Times

Recuo em Hong Kong é maior derrota de Xi Jinping desde sua chegada ao poder

Decisão mostra que existem limites para o poder do líder chinês

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Steven Lee Myers
Pequim | The New York Times

O líder da ditadura chinesa, Xi Jinping, estava no Tadjiquistão no sábado (15), festejando com Vladimir Putin seu aniversário de 66 anos, quando ocorreu uma virada dramática na crise política em Hong Kong, com um recuo inesperado diante dos protestos em massa.

Por mero acaso a viagem permitiu a Xi distanciar-se um pouco dos acontecimentos em Hong Kong, onde no sábado a liderança suspendeu seu esforço para adotar uma legislação que possibilitaria a extradição de cidadãos para a China continental. Mas a medida recebeu o apoio de Pequim, e não há como duvidar que o recuo representou um revés humilhante para Xi.

O recuo, a maior concessão feita à pressão pública nos quase sete anos de Xi como líder máximo da China, sugere que ainda existem limites ao poder dele, especialmente no que diz respeito ao que ocorre fora da China continental, apesar de ele vir governando de forma cada vez mais autoritária.

A chefe executiva Carrie Lam e o dirigente chinês Xi Jinping, em evento em Hong Kong
A chefe executiva Carrie Lam e o dirigente chinês Xi Jinping, em evento em Hong Kong - Bobby Yip - 1º.jul.17/Reuters

“Foi uma derrota para Xi, mesmo que Pequim apresente o que ocorreu como um recuo tático”, disse Jude Blanchette, consultor e autor de um livro recém-lançado sobre o retorno da ideologia revolucionária no país, “China’s New Red Guards”.

 

Centenas de milhares de pessoas voltaram a marchar nas ruas de Hong Kong no domingo, apesar da concessão feita pelo governo no dia anterior. Os manifestantes insistiram que a legislação seja revogada e fizeram novas reivindicações, incluindo a abertura de um inquérito sobre o uso de força excessiva pela polícia nos choques com manifestantes.

A grande presença de manifestantes foi uma surpresa e indica que a crise não acabou para Xi. Considerando como ele vem consolidando o poder na China, pode ser difícil para ele isentar-se de culpa.

Para Xi Jinping, o risco não se limita a Hong Kong. Apesar de ele não ter rivais visíveis, o presidente pode enfrentar críticas entre a liderança. E está claro que os censores do governo da China continental, pelo menos, temem que os acontecimentos extraordinários em Hong Kong possam inspirar os críticos assediados de Xi na China continental.

Eles vêm trabalhando assiduamente para impedir que a notícia dos protestos se espalhe.

“Isto tudo enfraquece a imagem de Xi como líder todo-poderoso, visionário e capaz de lidar com qualquer problema”, comentou Blanchette.

Os protestos em Hong Kong também deixam claro que depois de 22 anos Pequim ainda não conseguiu ou quase não conseguiu incluir Hong Kong nos sistemas político, econômico e de segurança centrais da China, todos dominados pelo Partido Comunista.

Mas, se Xi e outros dirigentes quiserem vincular Hong Kong mais fortemente à China continental, eles não podem deixar de perceber que isso será um convite a que ocorram novas ondas de protesto.

“Este é um momento importante para descobrir se Xi é um ideólogo rígido como Mao ou se é um pragmático, como foram líderes chineses anteriores como Deng, Jiang e Hu”, opinou Susan Shirk, diretora do Programa China Século 21 da Universidade da Califórnia em San Diego, aludindo aos predecessores de Xi.

Como evidência de um viés pragmático, ela citou ajustes recentes –pelo menos ao nível superficial— feitos por Xi à sua grande iniciativa internacional “Nova Rota da Seda”, após críticas de que ela estaria afundando outros países numa armadilha de endividamento a Pequim.

“Os líderes pragmáticos modificam suas políticas quando o custo delas fica alto demais”, ela explicou.

Mesmo assim, a polêmica em torno da legislação endureceu percepções em todo o mundo em relação à China de Xi, especialmente no que diz respeito à falta de independência judiciária ou dos direitos básicos dos réus que caem no sistema judiciário chinês.

A ideia de uma lei que permitiria que suspeitos de crimes fossem transferidos para o sistema judiciário controlado pelo Partido Comunista assustou os 7 milhões de habitantes de Hong Kong, entre os quais estão executivos de empresas, consultores e investidores que fizeram da cidade um centro global financeiro, comercial e de transportes.

“A lei proposta, os protestos e a reação do governo de Hong Kong, tudo isso intensificou a consciência internacional das políticas públicas repressoras da era de Xi”, comentou Anne-Marie Brady, professora da Universidade de Canterbury, em Christchurch, Nova Zelândia, acrescentando que a China não está cumprindo sua promessa de respeitar a autonomia de Hong Kong por 50 anos desde que a soberania do território foi devolvida à China, em 1997.

Durante os quatro dias da viagem de Xi ao Quirguistão e Tadjiquistão, para participar de cúpulas previamente organizadas, os acontecimentos em Hong Kong foram descritos pela mídia estatal chinesa não como um recuo, mas como uma iniciativa bem ponderada e que teria recebido o pleno apoio de Pequim.

“Às vezes precisamos estar a serviço no nosso aniversário”, disse Putin a Xi num diálogo cuidadosamente ensaiado num hotel na capital tadjique, Dushanbe, ao mesmo tempo em que a chefe executiva de Hong Kong, Carrie Lam, se preparava para anunciar a suspensão da legislação.

Xi e Putin têm idade e temperamento semelhantes; eles compartilham um medo permanente de esforços externos para enfraquecer seu domínio. Mas ambos já enfrentaram a fúria de seus cidadãos, fato que sugere que o sentimento popular ainda exerce um papel na era dos líderes ditatoriais.

Também Putin foi obrigado a ceder à pressão pública na semana passada, após protestos contra a detenção injustificada de um conhecido jornalista investigativo, Ivan Golunov.

Segundo uma pessoa em Hong Kong com conhecimento detalhado das decisões políticas locais, que exigiu anonimato para falar em função das sensibilidades políticas aguçadas pelos protestos, Pequim e Hong Kong acabaram decidindo que já têm desafios suficientes para encarar com os ventos econômicos adversos e as tensões comerciais com os EUA antes da cúpula do G20 no Japão este mês.


 

Tradução de Clara Allain

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