A chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, disse nesta segunda-feira (8, terça-feira pelo horário local) que o polêmico projeto de lei de extradição está “morto”, admitindo que o trabalho do governo na condução da proposta foi um “fracasso total”.
A proposta permitiria a extradição de suspeitos para serem julgados por tribunais na China continental —cujas cortes, controladas pelo Partido Comunista, não são vistas como independentes.
Em entrevista coletiva, a líder do governo disse que está com o “coração partido” e que assume total responsabilidade pela crise política que atingiu o território semiautônomo.
Lam, porém, negou-se a anunciar a retirada do texto. “Em certa medida, se retirasse hoje, [o projeto] poderia voltar no Conselho Legislativo em três meses. Se querem escutar algo muito determinante e decisivo, ‘o projeto de lei está morto’ é uma declaração bastante determinante.”
Em meados de junho, Lam havia reagido aos protestos que acontecem há semanas em Hong Kong suspendendo a tramitação do projeto. Na noite de segunda, disse que “ainda havia dúvidas sobre a sinceridade do governo ou se o governo reiniciaria o processo no conselho legislativo”. “Então, reitero aqui, não existe tal plano, o projeto está morto.”
Estudantes universitários que lideram os protestos não ficaram satisfeitos com os comentários de Lam, dizendo que não aceitarão nada além da total retirada do projeto.
"O que queremos é a completa retirada do projeto. Ela está fazendo um jogo de palavras", disse Chan Wai Lam William, representante da União de Esudantes da Universidade Chinesa de Hong Kong.
Geng Shuang, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, afirmou que Pequim apoia a decisão de arquivar a proposta de extradição, citando um comunicado oficial do dia 15 de junho.
Outras demandas
Além de exigir a anulação total da proposta sobre as extradições, os manifestantes pedem ainda uma investigação independente sobre a atuação da polícia na repressão aos atos, anistia aos detidos e a renúncia de Lam, que é próxima de Pequim.
A chefe-executiva afirmou em seu pronunciamento que o Conselho Independente de Reclamações da Polícia, um órgão já existente dentro da estrutura da corporação, conduzirá um inquérito sobre a atuação dos policiais e dos manifestantes durante os atos das últimas semanas.
O anúncio desagradou à oposição, que pede que a investigação seja conduzida por uma comissão independente criada especialmente para esse fim.
Em relação à demanda por anistia, Lam afirmou que a medida seria incompatível com o Estado de direito que vigora na cidade. Segundo ela, a medida também violaria a autonomia do Departamento de Justiça honconguês, que é livre para tomar decisões sobre denúncias e processamento de crimes.
O legislador local Fernando Cheung, que defende posições pró-democracia e se alinhou com às demandas dos manifestantes, classificou a resposta de Lam como insuficiente.
"Ela continua sem compreender. Se Lam não criar uma comissão de inquérito independente, será o fim do governo, e não só do projeto de extradição. A crise não pode ser resolvida sem que algumas cabeças sejam cortadas", disse.
Jimmy Sham, coordenador do Front de Direitos Humanos Civis e responsável pela organização de vários protestos, afirmou que a líder deveria atender aos pedidos dos manifestantes e parar de usar "palavras para enganar o público".
Onda de protestos
Hong Kong, ex-colônia britânica, retornou ao domínio chinês em 1997 e desde então é governado sob a fórmula “um país, dois sistemas”, que permite que o território goze de liberdades que não existem na China continental, incluindo um sistema judiciário independente.
Milhões de pessoas, temendo o fim dessas liberdades, têm ocupado as ruas do centro financeiro asiático para se mobilizar contra o projeto. Foram os protestos mais violentos em décadas, com a polícia disparando balas de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar as multidões.
Mesmo após o texto ter sido retirado da pauta, o movimento cresceu para reivindicar reformas democráticas e para pedir que a degradação das liberdades no território semiautônomo seja contida.
Em 1º de julho, dia do aniversário de 22 anos da devolução do território para a China, o Parlamento de Hong Kong foi invadido por manifestantes com o rosto coberto, jovens em sua maioria.
Eles exibiram uma faixa da época colonial britânica, rasgaram fotos de líderes de Hong Kong e saquearam o prédio, deixando pichações em suas paredes. Foram expulsos pela polícia.
Em junho, ao sinalizar o possível fim da proposta de lei de extradição, Lam disse também que não renunciará ao cargo e que ainda tem trabalhos importantes a fazer nos três anos que lhe restam no governo.
No domingo (7), manifestações foram realizadas perto de uma estação de onde partem os trens de alta velocidade para a China continental, com o objetivo de manter a pressão contra o governo local e ter a atenção de turistas chineses.
“Queremos mostrar aos turistas, incluindo os turistas do continente chinês, o que acontece em Hong Kong. Esperamos que possam levar este conceito para a China”, afirmou Eddison Ng, 18.
Em Pequim, informações enfrentam a “grande muralha informática”. No país, as manifestações de Hong Kong são apresentadas como violentas e orquestradas do exterior para desestabilizar a China, e não como um movimento popular em massa contra a influência crescente do governo chinês no território.
Esta foi a maior crise enfrentada pelo regime chinês em relação à ex-colônia britânica desde o retorno para seus domínios.
Na semana passada, o chefe da diplomacia britânica, Jeremy Hunt, ameaçou a China com "graves consequências" caso não respeite o acordo firmado em 1984 que garante liberdades na região.
"Hong Kong faz parte da China, e temos que aceitar. Mas as liberdades em Hong Kong estão registradas em uma declaração comum", disse. "Esperamos que um acordo juridicamente obrigatório seja respeitado e, se não for o caso, haverá graves consequências."
A China respondeu de forma dura e convocou seu embaixador em Londres. "Ele (Hunt) parece estar fantasiando com a glória esmaecida do colonialismo britânico", criticou o porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores, Geng Shuang, antes de acrescentar que o "Reino Unido não tem mais a mínima soberania" sobre Hong Kong.
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