Descrição de chapéu
The Washington Post Governo Trump

Como um tuíte racista se tornou em três dias o slogan de Trump

Em comício, apoiadores gritaram 'mande-a de volta' em referência a deputada nascida na Somália

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ashley Parker
Washington | The Washington Post

Esta é a história de como uma sugestão racista —de que quatro congressistas não brancas "voltassem" para os "lugares totalmente falidos e infestados de crime de onde vieram"— se tornou um grito de guerra raivoso em três dias.

Na manhã de domingo (14), o presidente Donald Trump acordou e, surpreendendo praticamente toda a sua órbita política, atacou quatro parlamentares democratas —as deputadas Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, Ilhan Omar, de Minnesota, Ayanna Pressley, de Massachusetts, e Rashida Tlaib, de Michigan— em um trio de tuítes.

Apoiador de Trump usa camisa com os dizeres "Ame-os [os Estados Unidos] ou deixe-os" em comício na cidade de Greenville, na Carolina do Norte
Apoiador de Trump usa camisa com os dizeres "Ame-os [os Estados Unidos] ou deixe-os" em comício na cidade de Greenville, na Carolina do Norte - Jonathan Drake - 17.jul.2019/Reuters

Não importa que três das quatro mulheres tenham nascido nos Estados Unidos e a quarta, Omar, seja uma refugiada somali que se tornou cidadã americana naturalizada aos 17 anos. A controvérsia que veio a seguir se desenrolou como se viesse da memória muscular —em que todo o mundo de Trump fosse um palco, e todos os homens e mulheres nele, meros atores.

Primeiro houve um silêncio e gestos teatrais de impotência, especialmente dentro da Casa Branca e de políticos republicanos. Depois, na segunda-feira (15), veio a explicação —em parte esclarecimento e em parte confirmação—, na qual Trump e seus aliados alegaram que ele estava simplesmente dizendo que se essas mulheres estavam tão infelizes vivendo nos Estados Unidos, bem, ninguém as obrigava a ficar.

"Se vocês não estão felizes aqui, podem ir embora", disse Trump durante um evento no Gramado Sul da Casa Branca sobre produtos feitos nos Estados Unidos. "No que me diz respeito, se vocês odeiam nosso país, se não estão felizes aqui, podem ir embora."

Mais tarde naquele dia veio o cálculo político, no qual o presidente, sua campanha e o Comitê Nacional Republicano ansiosamente elevaram essas mulheres membros de minorias, conhecidas como "o Esquadrão", como os rostos supostamente antiamericanos e antissemitas do Partido Democrata. Foi uma tentativa de transformar a disputa em patriotismo e de projetar Trump —um presidente que literalmente se enrolou na bandeira— como o cruzado de capa vermelha-branca-e-azul.

Então, finalmente, o desfecho —um comício previamente agendado em Greenville, na Carolina do Norte, numa noite de julho quente e úmida, quando a multidão assumiu a causa de Trump, cantando: "Mande-a de volta! Mande-a de volta!", como ele havia protestado contra Omar.

O presidente e seus aliados podem ter procurado uma negação plausível —ele não é racista e de modo algum sugeriu que essas mulheres eram de certa forma "outras" que pertencem a outros lugares, dizia o refrão—, mas seus seguidores pareciam entender exatamente o que ele queria dizer.

E ficaram mais que felizes em concordar.

Enquanto Trump intensificava sua arenga contra Omar, diversos gritos de "Mande-a de volta!" irromperam. Mas foi só quando ele entoou que "Omar tem um histórico de lançar críticas imorais e antissemitas" que toda a arena na Universidade do Leste da Carolina começou a rugir.

"Mande-a de volta!", a multidão gritou, o espaço vibrando com furiosa excitação. "Mande-a de volta!"

O presidente fez uma pausa, como se quisesse deixar o momento se desenrolar, para soprar mais uma rajada de oxigênio sobre o fogo do ânimo racial que devorava sua base. Ele soltou o púlpito e virou o corpo para a esquerda. Agarrou-o novamente com as duas mãos e olhou para a frente, antes de girar para a direita.

Durante 13 segundos, a multidão gritou que Omar —uma cidadã americana e congressista dos Estados Unidos— deveria ser mandada de volta ao país de onde fugiu.

"Mande-a de volta! Mande-a de volta! Mande-a de volta!"

Trump usou parte de seu comício —originalmente agendado como uma contra-agenda ao que deveria ser um dia de depoimento do procurador especial Robert Mueller ao Congresso— para perseguir cada membro do Esquadrão. Seus partidários vaiaram à simples menção das "quatro congressistas", e o presidente pronunciou cada um dos nomes com um floreio, cada enunciado de sonoridade estrangeira servindo de oportunidade para seus apoiadores gritarem sua reprovação.

A multidão majoritariamente branca vaiou Omar, vaiou Tlaib, vaiou Ocasio-Cortez e vaiou Pressley. Trump desdenhou de Ocasio-Cortez, a mulher respeitosamente conhecida como "AOC", escolhendo um único sobrenome: "Eu não tenho tempo para usar três nomes diferentes", disse ele. "Vamos chamá-la de Cortez."

E então, na confusão que se seguiu, muitos na órbita do presidente e do Partido Republicano se contorceram e encolheram, pensando que talvez a multidão tivesse ido longe demais, mas em geral não querendo condenar o presidente.

Claro, eles podem nem sempre amar as palavras, diz Trump, e não necessariamente apreciam os tuítes que ele escreve. E sim, bem, eles certamente não teriam dito isso daquela maneira. Mas, como o deputado Tom Emmer, de Minnesota, presidente do Comitê Nacional de Congressistas Republicanos, disse em um café da manhã com a imprensa na manhã de quinta-feira (18), "Não há um único osso racista no corpo do presidente".

"O que ele estava querendo dizer, disse errado", disse Emmer, que, quando perguntado sobre o slogan, lamentou "esse tipo de discurso" e acrescentou: "Eu não concordo com isso".

O deputado republicano Mark Walker, da Carolina do Norte, também tuitou após a manifestação que não aprovou o slogan. "Embora tenha sido breve, me debati com o slogan 'Mande-a de volta' esta noite, referindo-se à deputada Omar", escreveu ele, acrescentando que os republicanos deveriam se concentrar no "grande desdém [de Omar] pela América e por Israel", em vez de "falar coisas dolorosas para nossos amigos das comunidades minoritárias".

Walker, o vice-presidente da bancada republicana, foi mais longe na quinta-feira (18) de manhã, dizendo aos jornalistas que achou o slogan "ofensivo".

"Esse não precisa ser nosso grito de campanha, como fizemos com 'Prenda-a!' na última vez", disse Walker, aludindo a um slogan frequente nos comícios de Trump em 2016, dirigido à candidata democrata, Hillary Clinton.

De fato, houve um tempo em que pedir que um adversário político fosse preso teria sido extraordinário. Mas sob Trump tornou-se apenas mais um grito de guerra, como o de "Construa o muro!" na fronteira sul do país.

Agora há uma possibilidade muito real de que um slogan, que começou como uma sugestão de um tuíte racista, simplesmente seja acrescentado à panóplia de grandes sucessos em seus comícios políticos —mais um interlúdio furioso no Show de Trump.

A história duvidosa do presidente em torno do tema da raça —de nativista a racialmente tendencioso a simplesmente racista— é longa e bem documentada, mesmo que seja apenas a partir do início de sua carreira política. Trump alimentou sua ascensão em parte com a mentira do "birtherism" —o mito racista de que o presidente Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos (e portanto não poderia ser presidente).

Durante a campanha de 2016, ele lançou um veto à entrada de muçulmanos no país e disse que o juiz federal Gonzalo Curiel, nascido em Indiana (EUA), não poderia julgar um caso envolvendo a Universidade Trump por causa de sua "herança mexicana".

Uma vez no cargo, Trump se recusou a condenar os supremacistas brancos depois de uma manifestação em Charlottesville, na Virgínia, em que uma mulher foi morta, dizendo que "os dois lados" foram culpados.
 

E na noite de quarta os ataques de Trump aos quatro membros de minorias foram em grande parte pré-redigidos, lidos em teleprompter, e não do tipo improvisado que muitas vezes mergulha o presidente em controvérsia. Depois de pousar em Greenville antes do comício, o porta-voz da Casa Branca, Hogan Gidley, disse aos jornalistas que viajaram com o presidente que, com certeza, eles iam querer se "sintonizar" mais tarde naquela noite.

Depois dos gritos de "Mande-a de volta!", o presidente parecia irredutível. Ele continuou seus ataques contra Omar e, aproximadamente 15 minutos depois, voltou a atenção para as quatro mulheres que chamava de "extremistas cheias de ódio".

"Elas nunca têm nada de bom para dizer", afirmou. "É por isso que eu digo: 'Ei, se não gostam, que vão embora, que vão embora'. Certo? Que vão embora daqui."

Trump continuou: "Sabem o quê? Se não amam [o país], que o deixem".

Na quinta-feira, Trump havia injetado o sentimento de "voltem" no ar, com a cobertura do "Mande-a de volta!" dominando os noticiários. E então o presidente pareceu tentar ser superior: ele negou o slogan.

Questionado por repórteres no Salão Oval sobre por que ele não conteve os gritos, o presidente falsamente alegou que tentou. "Acho que tentei", disse. "Comecei a falar muito rapidamente."

"Eu não estava contente com aquilo", disse Trump, sem qualquer sugestão de ironia. "Eu não concordo com isso."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.