Descrição de chapéu The New York Times

Petulante bilionário que disputou Presidência dos EUA morre aos 89 anos

Ross Perot obteve 19% dos votos na eleição de 1992; ele tinha leucemia

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Nova York | The New York Times

Ross Perot, um texano franzino e tagarela que fez fortuna com serviços de computação, espantou o país com bizarras missões paramilitares no Irã e Vietnã, e disputou a presidência em 1992 e 1996 com uma retórica populista que falava em restaurar os Estados Unidos de Norman Rockwell, morreu na terça-feira (9) em sua casa em Dallas, aos 89 anos.

A causa foi leucemia, de acordo com James Fuller, porta-voz da família Perot.

Perot era conhecido como "o homem de Texarkana", e ele realmente cresceu em uma era —a Grande Depressão, Segunda Guerra Mundial e os anos exuberantes do pós-guerra— em que meninos entregavam jornais, famílias se uniam em torno do rádio e patriotas arregaçavam as mangas pelo bem do Tio Sam, construindo companhias inovadoras e uma nação poderosa.

"A maioria das pessoas desiste quando está a ponto de conseguir sucesso", Perot costumava dizer.

"Desistem quando a bola está a uma jarda da zona final. Desistem no último minuto do jogo, a um palmo do touchdown decisivo."

Ross Perot, membro honorário do Regimento das Forças Especiais, morreu aos 89 anos.
Ross Perot, membro honorário do Regimento das Forças Especiais, morreu aos 89 anos. - Russell Klika/Reuters

Ele não desistia: foi escoteiro, oficial de marinha formado pela academia de Annapolis, um dos melhores vendedores da IBM, fundador de empresas imensamente bem-sucedidas de processamento de dados, ativista pela educação e no combate às drogas.

Em 1969, tornou-se uma espécie de herói popular ao empreender uma tentativa quixotesca de levar medicamentos e comida aos prisioneiros de guerra americanos no Vietnã do Norte.

Em 1979, organizou uma operação de forças especiais no Irã para libertar dois de seus empregados, e milhares de criminosos e prisioneiros políticos, da prisão, na era da revolução iraniana.

E em 1992, virou um dos candidatos mais estranhos a disputar a Presidência.

Ele jamais havia ocupado cargos públicos, e parecia completamente errado para o posto, como um personagem de quadrinhos que ganhasse vida: franzino, com 1,68 metro e 65 quilos, um corte de cabelo à escovinha vindo da década de 1950, uma voz aguda e esganiçada de garoto caipira, e orelhas de abano como as de Alfred E. Newman em uma capa da revista Mad.

Inflexível, ranzinza, impetuoso, muitas vezes sentimental, ele era dado a epigramas bem caseiros: "Se você vir uma cobra, mate a cobra. Não crie um comitê sobre cobras".

Sob o lema "United We Stand America", ele gastou US$ 65 milhões de seu patrimônio bilionário em uma campanha que destacava "infomerciais" inovadores, de meia hora de duração, sobre o homem e suas ideias.

E eles se provaram populares, com audiências que às vezes superavam às das comédias de TV no horário nobre. Perot ignorava os artigos de jornais e revistas negativos e se concentrou nos programas de entrevistas de rádio e TV.

Muita gente se oferecia para trabalho voluntário em sua campanha.

Não demorou para que milhões de pessoas aderissem aos seus apelos por cortar o déficit do governo, a burocracia e o desperdício, começassem a reconstruir as cidades deterioradas e restaurassem a visão que ele tinha dos Estados Unidos: a vida em cidades pequenas idealizada nas ilustrações nostálgicas de Rockwell, mostrando o patriotismo nos estádios de beisebol, a sabedoria das barbearias, e as ruas principais decoradas com bandeiras, a um mundo de distância da corrupta Washington.

O candidato presidencial Ross Perot com uma edição do jornal Chicago Daily Tribune de 1948, que declarou Thomas Dewey o vencedor da corrida presidencial contra Harry Truman
O candidato presidencial Ross Perot com uma edição do jornal Chicago Daily Tribune de 1948, que declarou Thomas Dewey o vencedor da corrida presidencial contra Harry Truman - Sam Mircovich/Reuters

Embora Perot tenha feito negócios com todos as administrações desde a de Lyndon Johnson, o governo federal era um de seus alvos favoritos.

Washington, disse ele aos moradores da capital, "tornou-se uma cidade de declarações vazias, trapaças, manipuladores, figuras de mídia que só fazem pose, criam imagens, falam sem parar, disparam fogos de artifício, mas jamais realizam coisa alguma. Nesta cidade, precisamos de ações e não de palavras".

Improvavelmente, ele disparou nas pesquisas, enquanto o presidente republicano George Bush pai, candidato à reeleição, e o candidato democrata Bill Clinton concentravam suas mensagens um no outro.

As pesquisas mostravam que o apoio a Perot vinha de todo o espectro político, de democratas e republicanos, conservadores e liberais, e principalmente da classe média.

Campanhas conduzidas por cidadãos incluíram o nome dele nas cédulas nos 50 estados americanos. Perot virou capa da revista Time.

Mas no pico da popularidade, ele inesperadamente deixou a disputa. Meses mais tarde, retornou, afirmando que sua decisão de sair havia sido causada por "truques sujos" dos republicamos para sabotar o casamento da filha dele por meio de fotos comprometedoras falsificadas.

Perot se saiu surpreendentemente bem em três debates presidenciais, zombando da ideia de um "impasse" em Washington.

"Não é culpa dos republicamos, é claro, e não é culpa dos democratas", disse ele no segundo debate. "Deve haver um extraterrestre em algum lugar fazendo isso com a gente, então, só pode ser."

Perot conquistou 19% dos votos na eleição —quase 20 milhões—, ante 38% para Bush e 43% para Clinton.

Foi o melhor desempenho de um candidato de terceiro partido desde que Theodore Roosevelt disputou a presidência em 1912 pelo Partido Progressista (Bull Moose).

Em 1996, ele voltou a disputar a eleição, dessa vez como candidato oficial do Partido da Reforma, mas se saiu mal.

Àquela altura, as frases de efeito haviam perdido o encanto, e os eleitores já desconfiavam de que os traços que serviram bem a Perot como empresário —o apego ao risco e a personalidade teimosamente autocrática— talvez não servissem a um presidente restrito pelo Congresso e pela opinião pública.

E as pessoas sabiam mais sobre Perot, que não suportava críticas e costumava rebatê-las malevolamente, submetia empregados a códigos morais e testes em detectores de mentiras, acreditava em teorias da conspiração e contratava detetives particulares para investigar suas suspeitas.

A candidatura dele terminou travada quando uma comissão se recusou a permitir que ele participasse dos debates entre Clinton e o candidato republicano, o senador Bob Dole, afirmando que Perot não tinha chance real de vitória.

Ele conquistou apenas 8% dos votos. Mas, como costumava dizer, "fracassos são como joelhos arranhados: dolorosos mas superficiais".

Nascido Henry Ray Perot, em 27 de junho de 1930 em Texarkana, filho de Gabriel e Lulu May Ray Perot, seu pai era comerciante de algodão e cavalos.

O menino se saiu bem nas escolas locais, mas os professores atribuíram seu sucesso mais à persistência do que à inteligência.

Perot começou a trabalhar aos sete anos, vendendo sementes para jardinagem de porta em porta e, mais tarde, adestrando cavalos para seu pai, ao preço de US$ 1 por animal (trabalho que certo dia lhe valeu um nariz quebrado).

Aos 12 anos, ele começou a entregar o jornal The Texarkana Gazette, a cavalo, nos bairros pobres da cidade, vendendo assinaturas e estendendo sua rota a fim de ganhar mais comissões.

Ele se saiu tão bem que seu chefe tentou reduzir a comissão combinada, mas recuou quando o menino se queixou ao editor do jornal.

Ele mudou seu nome para Henry Ross Perot para honrar o irmão Gabriel Ross Perot Jr., que havia morrido na primeira infância em 1927.

A família pronunciava seu sobrenome como "PI-rô", mas depois dos 20 anos Ross Perot mudou isso também, optando pela pronúncia "pu-RÔ", porque, disse, estava cansado de corrigir as pessoas.

O nome pelo qual ele se apresentava era Ross; anos mais tarde, a mídia começou a acrescentar a inicial H. ao seu nome, mas ele nunca gostou disso.

Depois de entrar para os escoteiros aos 12 anos, em menos de um ano Perot se tornou Eagle Scout, uma realização extraordinária que se tornou parte da sua lenda.

Ele fez dois anos de faculdade no Texarkana Junior College, e em seguida foi indicado para a Academia Naval dos Estados Unidos, na qual, a despeito de um desempenho acadêmico medíocre, foi eleito presidente de sua turma e se graduou em 1953.

No quarto ano de academia, ele conheceu Margot Birmingham, que era aluna do Goucher College. Eles se casaram em 1956. Perot deixa a mulher; os filhos Ross Jr., Nancy, Suzanne, Carolyn e Katherine; 16 netos; três netos adotivos; e uma irmã, Bette Perot.

Tradução de Paulo Migliacci

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