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Saúde de Angela Merkel intensifica debate sobre sua sucessão

Chanceler da Alemanha teve dois episódios de tremores em público nas últimas semanas

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Katrin Bennhold
Berlim | The New York Times

Angela Merkel não parou.

Depois de um segundo episódio no qual a chanceler alemã tremeu incontrolavelmente em público, na semana passada, ela seguiu para o aeroporto, fez um voo de 12 horas para o Japão, realizou dez reuniões bilaterais e quatro sessões em grupo com líderes mundiais, incluindo o presidente Donald Trump, dos Estados Unidos.

Em seguida, voltou à Europa para uma negociação recorde de 20 horas com seus colegas europeus em Bruxelas.

Os últimos dias têm sido uma lembrança do famoso vigor de Merkel, provado em incontáveis cúpulas de crise durante seus 14 anos no cargo.

A chanceler alemã, Angela Merkel, durante visita do presidente da Irlanda a Berlin
A chanceler alemã, Angela Merkel, durante visita do presidente da Irlanda a Berlin - Hannibal Hanschke/Reuters

Mas também reforçam o mistério do que exatamente está acontecendo com a saúde da mulher que tem sido a rocha da política europeia num momento em que a autoridade de seu partido e de seu país parece estar em declínio.

"Quando Angela Merkel treme, toda a união treme", escreveu o jornalista Stephan-Andreas Casdorff, no jornal Tagesspiegel.

Na superfície, os dois episódios recentes de Merkel no espaço de dez dias, que se seguiram a um incidente há dois anos, no México, têm sido um assunto surpreendentemente discreto na Alemanha, país que protege ferozmente a privacidade.

Conselheiros reservados lançaram a ideia de que o segundo episódio recente foi psicossomático, causado pela memória do primeiro. A chanceler se esquivou de perguntas no Japão, dizendo que não tinha "nada de especial para relatar".

"Estou bem", disse. E foi só.

Mas sob a superfície as imagens dos momentos de vulnerabilidade física da chanceler tornaram-se um símbolo da fragilidade política de seu partido e do país —e uma ocasião para revisitar o tema de sua sucessão.

Em Bruxelas, nesta semana, Merkel inicialmente não conseguiu reunir seus famosos poderes de formação de consenso e orientar seus pares até mesmo para sua segunda escolha de candidato para o cargo principal da União Europeia.

Mas nas últimas horas das negociações de terça-feira (2) sua influência foi importante para conseguir indicar uma alemã, sua ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, para presidente da poderosa Comissão Europeia.

Internamente, as pesquisas de opinião agora situam os conservadores de Merkel em segundo lugar, atrás dos Verdes liberais.

Annegret Kramp-Karrenbauer, que no ano passado venceu a disputa para suceder a chanceler como líder do partido conservador, viu seu índice de aprovação cair drasticamente nas últimas semanas, à medida que aumentavam as indagações sobre sua capacidade de liderar o partido na próxima eleição.

Possíveis rivais —como Armin Laschet, líder do estado mais populoso da Alemanha, a Renânia do Norte-Vestfália, e Markus Söder, líder dos conservadores da Baviera, que acompanham o partido de Merkel em nível nacional— estão sendo candidatos alternativos à chancelaria, cargo tradicionalmente ligado à liderança do partido.

Enquanto isso, Merkel, livre de ter de dirigir o partido e organizar a próxima eleição, viu sua popularidade se recuperar —reforçando o contraste com a problemática Kramp-Karrenbauer.​

Quando a chanceler anunciou sua decisão de concorrer a um quarto mandato de quatro anos, em 2017, o fez explicitamente, "se a saúde permitir".

A qualificação, que mal foi registrada na época, agora ganha um tom diferente.

O outro lado do compromisso de Merkel de cumprir seu quarto mandato até 2021, disse Nico Fried, comentarista do jornal Süddeutsche Zeitung, é "a promessa de parar" se sua força física chegar ao limite.

"Os cidadãos podem esperar esse respeito dela", escreveu Fried. "Assim como Merkel pode esperar o respeito do público nos comentários sobre sua saúde."

Outros foram menos tolerantes. Christopher Schwennicke, editor da revista Cicero, comparou a estratégia de comunicação da chancelaria com a do governo russo, que durante anos encobriu a saúde debilitada do presidente Boris Yeltsin, antecessor de Vladimir Putin.

"O público alemão merece saber o que está acontecendo", escreveu Schwennicke. "Não merece ser tratado com níveis de sigilo típicos do Kremlin."

A Alemanha protege ferozmente a privacidade, e a saúde sempre foi considerada um assunto privado no país.

Na década de 1970, o chanceler Willy Brandt sofria de depressão grave e teve vários casos amorosos, o que era bem conhecido nos círculos jornalísticos durante seu período no cargo, mas o tema não foi discutido publicamente.

Seu sucessor, o chanceler Helmut Schmidt, tinha um problema cardíaco que o levou a ser encontrado inconsciente várias vezes em seu gabinete. Mas, novamente, a mídia só escreveu sobre sua saúde depois que ele deixou o cargo.

Com o tempo, o tabu diminuiu quando alguns políticos alemães se tornaram mais abertos sobre a saúde.

O presidente Frank-Walter Steinmeier falou publicamente sobre a doação de um rim para sua esposa. Wolfgang Schäuble, veterano legislador e ex-ministro da Fazenda, usa cadeira de rodas há décadas.

E Malu Dreyer, uma dos 16 governadores da Alemanha, anunciou publicamente que sofria de esclerose múltipla.

Mas Merkel levou a privacidade a outro nível —e não apenas sobre sua saúde, segundo seus biógrafos.

Não há médico oficial ligado à chancelaria. "Ninguém sabe quem é seu médico", disse Stefan Kornelius, biógrafo de Merkel e editor do Süddeutsche Zeitung.

Quando ela quebrou a pelve em 2014, praticando esqui cross-country, foi relatado que o arquivo criado no hospital onde ela foi tratada foi rotulado com um nome falso.

"Ela tem uma resistência prussiana contra si mesma", disse Kornelius. "Não perdeu um dia de trabalho em 14 anos."

Depois de seu mais recente incidente, Merkel embarcou em um voo para o Japão, onde chegou às 8h, horário local —1h em Berlim—, e seguiu direto para o primeiro dia de reuniões.

"Outros líderes vieram um dia antes para dormir e compensar o fuso horário", disse Kornelius.

Seu apego à privacidade também se estende a outras partes de sua vida.

Pouco se sabe sobre seu marido, Joachim Sauer, além de que é um químico e entusiasta de Wagner. Ele raramente é visto em público.

No verão passado, quando se soube que Merkel não faria sua viagem anual aos Alpes italianos com o marido, a razão era obscura, disse Kornelius.

"Seria muito desgastante fisicamente? Será que ela quis boicotar a Itália por causa de [ministro do Interior de direita] Matteo Salvini?", disse Kornelius. "Não sabemos."

E durante cerca de quatro semanas o público nem sequer soube do paradeiro da chanceler, até que ela foi encontrada numa loja de departamentos de Berlim, disse.

"Vocês podem imaginar que isso aconteceria com um presidente americano?", pergunta Kornelius.

Embora Donald Trump não revele todos os detalhes sobre sua saúde, quando Hillary Clinton sofreu uma pneumonia durante a campanha presidencial de 2016 e desapareceu da visão da mídia por 90 minutos —ela foi para o apartamento de sua filha descansar, afinal—, o episódio causou uma tempestade.

Evelyn Roll, outra biógrafa de Merkel, lembra que escreveu emails para o marido da chanceler a cada três meses durante anos, solicitando uma entrevista, sem sucesso. No final, ela pediu uma conversa "apenas sobre química", mas também foi polidamente recusada.

"Merkel foi privativa desde o início", disse Roll. "Nunca houve nem mesmo as fotos de fim de ano que os chanceleres distribuíam à imprensa. É o outro lado de sua falta de vaidade e o foco em seu trabalho. De modo geral, o povo alemão respeita essa troca."

Outra razão pela qual não há histeria sobre a saúde da chanceler pode ser que muitos alemães ainda confiam na estabilidade e continuidade das instituições políticas.

"Essa tem sido a experiência alemã nos últimos 70 anos", disse Paul Nolte, historiador da Universidade Livre de Berlim.

"Há uma confiança fundamental na continuidade do corpo estatal, que não é abalada pelo corpo de um político", disse Nolte. "As pessoas simplesmente confiam que um sucessor também faria um bom trabalho."

Esse fator poderá em breve ser coisa do passado, na nova realidade política da Europa. A fraqueza política subjacente de Merkel é inegável hoje, segundo Kornelius.

Mas, depois de passar pela que possivelmente foi a mais cansativa semana de viagens e reuniões de sua chancelaria, Merkel não só provou mais uma vez sua resistência física; também transformou uma dolorosa derrota política do candidato preferido de seu partido em uma vitória inesperada de última hora, garantindo o cargo máximo para a Alemanha de qualquer maneira.

"Este nunca foi o plano", disse Kornelius. "Mas ela ainda será saudada por trazer o cargo principal para a Alemanha."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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