Descrição de chapéu The New York Times

Antes de provocar crise no governo italiano, Salvini governou da praia

Em férias, ministro do Interior apareceu em fotos como DJ em clube no litoral do país

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Jason Horowitz
Sabaudia (Itália) | The New York Times

Como um nacionalista que reverteu ao estado selvagem, Matteo Salvini arrancou a camisa, pegou seu mojito e se divertiu como um universitário curtindo sua “semana de saco cheio”.

No estande de DJs do clube Papeete Beach, na costa do Adriático, Salvini, o ministro do Interior da Itália, tocou rap e brincou com seus amigos, enquanto dançarinas em maiôs de oncinha colocavam a mão sobre o coração quando os alto-falantes tocavam o hino nacional. Ele mandou beijinhos aos fãs, que entoavam seu nome como se fosse a música de sucesso deste verão.

Populista que tem o dom de expressar o que os italianos possuem de mais intrínseco, quer esteja devorando um pote de Nutella ou impedindo imigrantes de entrar no país, Salvini transferiu a sede do governo italiano para uma cadeira de praia.

Depois de semanas de férias no balneário de Milano Marittima, Salvini, 46, parece ter descansado e se recuperado e estar pronto para provocar uma crise governamental que pode alçá-lo ao cargo de primeiro-ministro.

Para angariar apoio popular, ele está fazendo campanha política durante o recesso de verão do governo, quando os italianos se deslocam em peso para as praias, os clubes de praia e os balneários do país.

“Criticaram-me porque tirei férias em Milano Marittima”, Salvini disse nesta cidade de praia na noite de quarta-feira (7). “Confesso que sou culpado” de ter tomado alguns drinques, dançado e ouvido música,  disse em tom de pouco caso e prometeu: “Da próxima vez espero voltar de calção de banho, com a pança de fora”.

A pança. Em um país rico em ditados que envolvem barrigas grandes (“um homem sem pança é como um céu sem estrelas”), Salvini fez de sua barriga mole um elemento que confirma sua autenticidade “made in Italy” e sua condição de homem do povo. Mas também sua arma. Sua barriga virou a pança mais poderosa do país.

Em Sabaudia, na quarta-feira, ele declarou: “Um homem com pança é um homem de peso”.

Neste verão europeu, a barriga de Salvini passou para o centro do universo político italiano, geralmente focado apenas sobre seu próprio umbigo. “A chique barriga de tanquinho versus a pança proletária”, estampou em sua capa a edição desta terça-feira (6) do jornal de extrema direita Libero, de Milão, que apoiou Salvini. Seus adversários avaliaram que seu torso nu é impróprio para ocupar cargos de nível elevado.

“Mussolini fez algo desse tipo, mas ele estava em forma física melhor”, comentou Achille Occhetto, o último líder do Partido Comunista italiano, que passa as férias em Bagno del Donne, na Toscana. Com sua própria pança emergindo de sua camisa desabotoada, o político de esquerda comentou que o país enlouqueceu momentaneamente. “Salvini nos obriga a ficar acompanhando o que ele faz quando está de férias”, comentou. “É um absurdo.”

Outros críticos começaram a citar o artigo 54 da Constituição italiana (“os cidadãos aos quais foram confiados cargos públicos têm o dever de exercê-los com disciplina e honra”), e um usuário da Wikipedia emendou temporariamente seu verbete sobre o Ministério do Interior para dizer que “o ministro atual é Matteo Salvini, seus deveres incluem a organização de festas de praia nas quais ele comanda os estandes de DJ”. Fotos postadas na internet comparavam Salvini sem camisa com o ex-primeiro-ministro Aldo Moro caminhando na praia de terno, gravata e sapatos pretos.

Não faltaram imagens de Salvini para escolher, porque este não é o primeiro ano que o ministro do Interior passa as férias em Papeete. O proprietário do clube é Massimo Casanova, eleito ao Parlamento Europeu como representante da Liga Norte, o partido de Salvini.

Selfies de Salvini mostrando a língua ao lado de mulheres de biquíni preto e homens de óculos de sol espelhado? Confere.

Salvini olhando nos olhos –ou um pouco abaixo— de uma mulher de biquíni dançando sobre uma plataforma elevada? Sim.

Salvini com um mojito na mão ao lado de um sujeito de boné estampado “party crusher" (penetra)? Sim, sim.

Mas muitas dessas imagens são anteriores à sua ascensão ao poder real. E, enquanto o estilo de diversão escolhido por Salvini incomoda muitas figuras do establishment, o que realmente as deixa perturbadas são seus acenos políticos enquanto está na praia.

Em uma cidade de praia, ele se esquivou da pergunta de um repórter que queria saber se a Liga tinha negociado para conseguir recursos da Rússia, respondendo em tom de pouco-caso “meu amigo, hoje é 3 de agosto”.

Os críticos de esquerda de Salvini já conhecem bem seu dom de se comunicar com as massas.

No Ultima Spiaggia, um clube de praia no sul de Toscana que durante décadas exerceu o papel de QG de verão de lideranças esquerdistas, Corrado Clini, um ex-ministro do Meio Ambiente, disse que tanto a campanha constante travada por Salvini quanto suas brincadeiras de verão e seus quilinhos a mais fazem parte de uma abordagem “cult” de liderança, que privilegia a transmissão de mensagens simples ao invés de discutir os problemas complexos do país.

“Líderes que se exibem para o povo de calção de banho, essa é uma imagem altamente populista”, ele disse.

A atenção pública –nas redes sociais, na televisão, nas rádios, nos jornais, até mesmo em revistas de fofocas— é a moeda forte usada por Salvini. Seu trabalho mais recente de campanha é apenas a temporada de verão de um reality show constante do qual cada vez mais italianos parecem não se cansar nunca.

Seus partidários dizem que os políticos liberais que criticam as festas e a pança do ministro do Interior são os mesmos estraga-prazeres politicamente corretos que não queriam deixar o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi curtir a vida.

“Qual é o problema se ele está na praia? As pesquisas de opinião mostram que ele tem razão e que os italianos concordam com Salvini”, disse a senadora Daniela Santanchè, do partido de direita Irmãos de Itália, comentando que gostaria que Salvini abandonasse seus parceiros de coalizão e se aliasse ao partido dela em novas eleições.

Santanchè disse que não critica a cultura de praia, já que ela própria é dona de um clube de praia na Toscana. Quanto à pança de Salvini, opinou que “muitas mulheres italianas curtem homens com barrigão”, mas disse que não se inclui nesse grupo.

“Se eu fosse ele, faria dieta”, concluiu.

Tradução de Clara Allain

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