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China tenta manipular o clima para ter céu azul em festa nacional

Partido comunista suspende atividades poluidoras às vésperas de aniversário da revolução comunista

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Anna Fifield
Pequim | Washington Post

Há muitas coisas que o Partido Comunista Chinês pode controlar enquanto se prepara para comemorar o 70º aniversário da República Popular na terça-feira (1º).

Pode ditar o que as pessoas leem e dizem na internet. Pode dizer onde as pessoas dormem, comem e bebem. Ele decide se elas empinam pipas ou cantam karaokê.

Mas nem mesmo o Partido Comunista Chinês pode controlar o clima —embora esteja tentando.

Nas semanas que antecedem os eventos do aniversário na terça-feira, as autoridades recorreram ao manual de instruções habitual para garantir que o céu frequentemente enfumaçado da capital fique azul para o enorme desfile militar pela praça Tiananmen, que incluirá jatos de combate soltando trilhas de fumaça multicoloridas.

Os caminhões foram proibidos de rodar em Pequim desde 20 de agosto, e todas as obras na região central foram obrigadas a parar antes de 1º de setembro.

As empresas industriais a até 480 km de Pequim foram solicitadas a "voluntariamente" controlar as emissões ou interromper a produção.

As atividades de mineração, especialmente perfuração e detonação, foram suspensas até 7 de outubro, e ninguém em Pequim tem permissão para disparar fogos de artifício.

O vice-primeiro-ministro, Hu Chunhua, chegou a visitar a Administração Meteorológica da China e pediu "apoio meteorológico para garantir o sucesso das atividades" ligadas ao aniversário.

Policial na praça Tiananmen, em Pequim, coberta pela fumaça da poluição, em foto de 2016
Policial na praça Tiananmen, em Pequim, coberta pela fumaça da poluição, em foto de 2016 - Jason Lee/Reuters

Os meteorologistas devem fornecer "serviços direcionados" para as comemorações e ter "planos de resposta" para lidar com o clima adverso, disse Hu.

Isso funcionou no passado.

Mesmo com a rápida deterioração da qualidade do ar em Pequim nas últimas décadas, o partido tentou eliminar a poluição antes dos grandes eventos e criar a aparência de ar puro, ordenando que as fábricas ao redor de Pequim parassem e caminhões pesados deixassem de circular.

A capacidade de limpar o céu a pedidos deu origem ao termo "azul Apec" para descrever um dia particularmente brilhante.

É uma referência à reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico que Pequim sediou em 2014, criando um céu azul para o evento depois de meses de poluição pesada que frequentemente elevava os níveis do Índice de Qualidade do Ar.

Durante um fórum China-África no ano passado, alguns moradores de Pequim começaram a brincar dizendo que tinham pago US$ 60 bilhões para desfrutar do céu azul. Foi o quanto a China prometeu em ajuda aos países africanos.

Mas isso é o máximo que o partido pode fazer.

Uma frente de baixa pressão está empurrando as emissões industriais e de veículos das províncias vizinhas para a capital, e a umidade lá a transforma em poluição moderada a grave.

Como resultado, há previsão de forte poluição atmosférica na próxima semana.

O governo local emitiu o primeiro alerta "laranja" do outono sobre forte poluição do ar, levando as escolas da capital a cancelar atividades externas e manter as crianças dentro das salas na quinta-feira (26).

Onze vias expressas em Pequim ou nos arredores foram fechadas total ou parcialmente devido à baixa visibilidade na sexta, e muitos voos do aeroporto de Pequim foram cancelados ou atrasados.

O Centro de Monitoramento de Proteção Ambiental da cidade previu na sexta que a qualidade do ar no centro da capital estará em níveis "insalubres" —acima de 150 no Índice de Qualidade do Ar— na próxima semana, níveis frequentemente associados a céus nublados.

Isso é particularmente doloroso porque os recentes esforços para conter a poluição do ar estão compensando.

A empresa suíça IQAir AirVisual disse neste mês que a capital chinesa poderá sair da lista de 200 cidades mais poluídas do mundo, com concentrações de material particulado (PM) caindo ao seu nível mais baixo desde que o registro começou, em 2008.

O prefeito de Pequim, Chen Jining, disse neste mês que a densidade de PM 2,5, as menores e mais perigosas partículas no ar, havia caído 43% desde 2013.

Isso ocorre em grande parte devido a uma queda vertiginosa no consumo de carvão, para cerca de um quinto do seu nível máximo.

"A qualidade do ar melhorou continuamente", disse Chen. "Costumava ser o 'azul Apec' ou 'azul-desfile', mas o céu azul se tornou normal neste ano."

Para tentar garantir que o céu esteja limpo na terça-feira, o Ministério do Meio Ambiente pediu a todos os municípios que entrem no modo de resposta a emergências.

A Administração Meteorológica da China entrou "em um estado de funcionamento especial" na quinta-feira, continuando até a próxima quarta, para monitorar constantemente o clima do desfile.

Talvez não seja suficiente.

Alguns especialistas esperam que as autoridades iniciem a "semeadura de nuvens" —pulverizar sal ou produtos químicos nas nuvens, geralmente com aviões, para incentivar a condensação e fazer chover mais rápido que o normal.

"A opção mais provável para Pequim é criar chuva por meio de semeadura de nuvens um ou dois dias antes do desfile", disse Tian Pengfei, cientista atmosférico da Universidade de Lanzhou, no noroeste da China, região propensa a tempestades de areia.

"Se for feito antes, os poluentes aéreos poderão começar a se acumular novamente e possivelmente levar a uma nova rodada de poluição."

A semeadura de nuvens e outras medidas de modificação do clima tornaram-se relativamente comuns antes de grandes eventos na China.

As autoridades gastaram US$ 30 milhões disparando sal e minerais no céu antes da Olimpíada de Pequim, em 2008, e depois gastaram mais de US$ 1,2 bilhão entre 2012 e 2017 tentando limpar o céu para eventos importantes, como a cúpula do G20 em Hangzhou e um Fórum do Cinturão e Estrada em Pequim.

Em 2015, a principal agência econômica da China anunciou um plano de construir vários laboratórios de modificação do clima em Pequim. Até 2020, ela queria "sistemas sofisticados de modificação do clima, capazes de aumentar as chuvas artificiais e a queda de neve" e dar mais controle sobre o meio ambiente.

Ela não deu atualização sobre seu progresso.

Outras capitais propensas à poluição, como Bancoc e a capital da Malásia, Kuala Lumpur, também usam semeadura de nuvens para tentar dispersar partículas perigosas, e áreas afetadas pela seca em países como Austrália e Estados Unidos às vezes também tentam induzir a chuva dessa maneira.

Mas Pequim poderá ter de enfrentar um outro dilema. Talvez não haja nuvens suficientes para semear a chuva.

"O problema é que o outono em Pequim está bastante seco, e talvez não tenhamos nuvens suficientes para fazer chuva", disse Huang Binxiang, pesquisador de poluição do ar da Universidade de Agricultura da China.

Isso significaria que os meteorologistas precisariam tentar imitar a chuva pulverizando água das aeronaves para tentar lavar as pequenas partículas do ar.

"Também ouvi algumas propostas malucas de usar ventiladores gigantes para acabar com a poluição", disse Huang. "Eu não diria que é impossível, mas até hoje não funcionou, que eu saiba."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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