Ele sabia que estava por vir. Parecia quase inevitável. Nenhum outro presidente da história americana foi seriamente ameaçado de impeachment desde antes da posse. Então, quando chegou o anúncio na terça-feira (24) de que a Câmara consideraria acusá-lo de violar a Constituição, o presidente Donald Trump deixou claro que está pronto para a luta.
O início do tão esperado confronto veio quando Trump estava em Nova York para a sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU, criando um espetáculo surreal em tela dividida, enquanto o presidente tentava interpretar o estadista global e ao mesmo tempo se defendia de seus inimigos em Washington.
Num momento ele falou sobre guerra, paz e comércio com premiês e potentados. No outro, ele se envolveu em uma luta de retaguarda para salvar sua Presidência.
Pouco antes de seguir para o almoço com o secretário-geral da ONU, ele decidiu divulgar a transcrição de sua ligação telefônica em julho com o presidente da Ucrânia, que está no centro das acusações contra ele.
Na verdade, Trump estava colocando suas fichas no centro da mesa, apostando que o documento seria ambíguo o suficiente para solapar a tese democrata contra ele.
À tarde, enquanto a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, se preparava para anunciar o inquérito de impeachment, o presidente se retirou para a Trump Tower, sua antiga casa e base de operações, para contemplar o caminho a seguir.
Um telefonema entre o presidente e Pelosi não conseguiu impedir o confronto, e agora os dois estão destinados a travar uma luta épica que testará os limites da Constituição e o equilíbrio de poder no sistema americano.
Os democratas disseram que apoiar-se numa potência estrangeira para jogar sujeira em um adversário ultrapassou os limites. Trump disse que só estava preocupado com a corrupção na Ucrânia.
Trump agora se une apenas a Andrew Johnson, Richard Nixon e Bill Clinton ao enfrentar uma séria ameaça de impeachment, o equivalente constitucional a uma acusação formal.
Nixon renunciou quando colegas republicanos o abandonaram no caso Watergate, mas Johnson e Clinton foram absolvidos em julgamentos no Senado, resultado que parece mais provável no momento, já que a condenação requer dois terços dos votos, ou seja, pelo menos 20 senadores republicanos teriam que romper com Trump.
Destemido, o presidente americano apareceu energizado pelo confronto, ávido por batalhas.
Confiante em sua posição no Senado controlado pelos republicanos, ele parecia quase assumir que a Câmara dominada por democratas provavelmente votará pelo impeachment e que ele levará seu caso ao público na eleição do próximo ano.
Até agora, pelo menos, as pesquisas mostraram que a maioria dos americanos não apoia o impeachment de Trump, assim como nunca aprovou o de Clinton. Ainda não está claro se as últimas denúncias envolvendo a Ucrânia mudarão a opinião pública da maneira como galvanizaram os deputados democratas antes resistentes.
Trump, porém, nunca foi tão popular quanto Clinton.
Durante a batalha de 13 meses, que se estendeu de 1998 a 1999, sobre se Clinton cometeu crimes graves ao mentir sob juramento sobre seu relacionamento com Monica Lewinsky, o índice de aprovação do presidente ficava geralmente na faixa dos 60% e chegou até 73% nos dias após sua impugnação.
Trump não tem o mesmo reservatório de boa vontade, já que nunca teve o apoio da maioria dos americanos nas pesquisas da Gallup por um único dia de sua Presidência. Atualmente, seu índice de aprovação é de 43%. Mas ele tem o apoio de 91% dos republicanos, o que lhe dá motivos para supor que os senadores do partido permanecerão fiéis.
Os críticos de Trump começaram a discutir o impeachment poucos dias após sua eleição por causa de várias questões éticas e da interferência da Rússia na campanha de 2016.
Nas eleições de meio de mandato do ano passado, Trump repetidamente mencionou o impeachment durante a campanha, alertando que os democratas viriam atrás dele se vencessem na Câmara.
Eles venceram, mas o impulso para o impeachment parou quando o procurador especial Robert Mueller produziu um relatório que não estabeleceu conspiração criminosa entre a campanha de Trump e a Rússia, recusando-se a assumir uma posição sobre se o presidente obstruiu a Justiça durante a investigação.
Como se viu, a Ucrânia, e não a Rússia, provou ser combustível de foguete para a iniciativa semi-adormecida. Agora, mais de dois anos e meio depois, a batalha começou.
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