Descrição de chapéu The New York Times

Desapontados com política americana, democratas recorrem à série 'West Wing'

Para muitos na era Trump, produção é uma realidade alternativa idealista, uma fuga do veneno e das más intenções que eles veem percorrendo a política atual

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Sarah Lyall
The New York Times

Noite da eleição, 2017. Alarmado e nervoso com a situação política nos Estados Unidos, Josh Reinitz, advogado democrata em Fair Lawn, em Nova Jersey, está concorrendo à câmara municipal. Mas é um momento estressante.

Enquanto sua campanha aguarda os resultados em um centro para idosos, Reinitz se afasta para uma sala escura ao lado e liga seu iPhone. Pelos próximos 45 minutos, ele fica sozinho assistindo televisão — "Duas Catedrais", para ser mais específico, seu episódio favorito de "West Wing: nos Bastidores do Poder".

"Felizmente", lembrou Reinitz recentemente, "eu pude mergulhar no episódio a ponto de não ouvir outro som, até que a sala explodiu em aplausos quando nossa vitória foi confirmada."

"The West Wing", série dramática ambientada na Casa Branca e dedicada à noção de que Washington é dirigida por pessoas boas que dão o melhor de si, foi transmitida na NBC por sete temporadas, de 1999 a 2006. Embora sua audiência tenha decaído com o correr dos anos, em seu pico atraía regularmente mais de 17 milhões de espectadores.

O ator Martin Sheen no papel de presidente Bartlet em "The West Wing", um drama que trata de Washington como uma capital dirigida por boas pessoas. Ele está sentado na mesa da sala oval.
Martin Sheen no papel de presidente Bartlet em "The West Wing", um drama que trata de Washington como uma capital dirigida por boas pessoas - Monica Almeida/The New York Times

Agora é transmitida pela Netflix. E para seus muitos fãs liberais e independentes, em particular, tornou-se algo mais que um mero drama nostálgico de uma época em que os ternos masculinos com calças plissadas estavam na moda e o Twitter não existia. Para muitos na era Trump, a série é uma realidade alternativa idealista, uma fuga do veneno e das más intenções que eles veem percorrendo a política atual.

Por mais que as pessoas revejam o filme "A Felicidade Não Se Compra" para se lembrar de que sentir-se inútil não significa que você não vale nada, ou ao livro infantil "Goodnight Moon" (Boa-noite, lua) para lembrar que a hora de dormir significava ser envolvido em um casulo de amor, os fãs reveem "The West Wing" para relembrar uma época —mesmo que fictícia— em que parecia possível que os três braços do governo fossem preenchidos por funcionários públicos com integridade, inteligência e boa vontade.

"Quando sinto necessidade de me reconfortar do circo na Casa Branca, assisto ao piloto", disse Terry Callanan Kempf, de Glens Falls, em Nova York, que pertence ao grupo do Facebook "Fãs do Podcast Semanal West Wing", cujos membros compartilham a paixão por rever o programa. "Sério, assisto quase toda noite antes de dormir."

"The West Wing" estreou no segundo ano do segundo mandato do presidente Bill Clinton, mas a maior parte foi transmitida durante o governo de George W. Bush. A divisão partidária era ruim na época, mas não tão terrível —tão pessoal, cruel, apocalíptica, aparentemente irredutível— quanto parece para muitas pessoas hoje.

Bradley Whitford, que interpretou Josh Lyman, vice-chefe de gabinete da Casa Branca, chamou o programa de "pornô liberal", e é verdade, de certa forma. Seu presidente, Josiah Bartlet, é um democrata progressista cujas políticas seguem firmemente para a esquerda. Erudito, articulado, empático, capaz de falar latim e citar a Bíblia, inclinado a dar às pessoas o benefício da dúvida, ele parece quase dolorosamente distante de muitos presidentes americanos (alguns talvez mais que outros).

Mas "The West Wing" também apresenta os republicanos da oposição, na maioria das vezes, como igualmente honrados, por mais que eles discordem da política de Bartlet. Durante grande parte de seu governo, ele luta com um Congresso liderado por republicanos, perdendo tantas vezes quantas vence.

"A maior parte da correspondência que recebíamos era de pessoas que se identificavam como republicanas, ou diziam: 'Não concordo com a política', mas mesmo assim gostavam de como se sentiam ao assistir ao programa", disse em um e-mail Aaron Sorkin, que criou o programa e escreveu quase todos os episódios das quatro primeiras temporadas. "Isso continua hoje."

Katherine Bell Butler, 43, uma conservadora de Sharpsburg, na Geórgia, que se descreve como "não sou louca por Trump", disse que tem o seriado completo e assistiu a todos os episódios "várias vezes".
"Adoro o seriado", disse ela em uma mensagem no Facebook. "Mesmo quando discordei de algo que foi dito, sinceramente não me importei."

Para Allison Picard, 61, aposentada, que foi membro do governo local de Martinez, na Califórnia, os melhores episódios são os que mostram cooperação bipartidária, como na quarta temporada, quando Bartlet, interpretado por Martin Sheen, se afasta depois que sua filha é sequestrada por terroristas, cedendo brevemente o controle do país ao presidente da Câmara republicano e conservador, interpretado por John Goodman. (O vice-presidente renunciou devido a um escândalo sexual, deixando uma lacuna na ordem sucessória.)

Picard também adora a decisão do presidente de contratar Ainsley Hayes, uma advogada republicana que fala e pensa rápido e que discorda veementemente dele. "É um momento tão patriótico que o presidente queira alguém inteligente e que desafie sua perspectiva", disse Picard, parecendo um pouco chorosa ao telefone.

A Netflix não divulga números de audiência, por isso é impossível saber quão populares são as reprises de "West Wing". Mas, para algo que terminou há 13 anos, o programa continua tendo uma relevância peculiar para a vida pública.

Quando era estudante em Harvard, o prefeito Pete Buttigieg, de South Bend, em Indiana, que concorre à nomeação presidencial democrata, disputou a presidência do Instituto de Política propondo, entre outras coisas, que os estudantes se reunissem para assistir a "West Wing".

Ele apareceu no podcast "The West Wing Weekly" e parece se ver como um político no estilo "West Wing". Quando abriu seu escritório de campanha presidencial, Buttigieg postou um vídeo dele mesmo andando pelo corredor enquanto interagia com seus assessores, uma das cenas clássicas da série. "Finalmente, um escritório com espaço para andar e conversar", escreveu no Twitter.

Há também uma página do Facebook "O que Bartlet faria?", com quase 4.200 membros. Na Universidade Americana, em Washington, os alunos comparam o programa à vida real no curso "The West Wing como história", de Gautham Rao. E no podcast "The West Wing Weekly" Joshua Malina, que interpretou Will Bailey no programa, e Hrishikesh Hirway, músico e super fã, apresentam uma discussão do programa episódio por episódio desde março de 2016. Eles estão na temporada final, que tem apenas mais alguns episódios agendados.

Cerca de 3.500 fãs compareceram em Londres a uma transmissão ao vivo recentemente. (O podcast tem sua própria página no Facebook, com mais de 56 mil seguidores. O grupo de fãs no Facebook tem 6.800 membros.) "É um momento particularmente doloroso para assistir ao programa", disse Malina. "Temos um governo e um chefe do Executivo que devem prestar atenção nas aulas cívicas básicas sobre a Constituição, os freios e contrapesos e todas as coisas que o resto de nós aprendeu na quinta série."

Nem todo mundo gosta, é claro. Pessoas que não apreciam "The West Wing" dizem, como sempre fizeram, que o programa apresenta uma visão irrealisticamente idealista do governo, que moraliza e prega, que sugere incorretamente que as mentes podem ser influenciadas por grandes gestos e discursos eloquentes.

"Sinto que existem dois tipos de pessoas: as que gostam de 'The West Wing' e as que acham que programas como 'Veep' e 'House of Cards' são retratos muito mais realistas da política no mundo real", disse Christy Quirk, consultora nascida nos EUA que vive em Nice, na França, e é seguidora do podcast no Facebook. Ela se colocaria no último grupo.

"Eu assisti à primeira temporada, mais ou menos, mas achei a fala, a sinceridade altíssima —eram como unhas raspando um quadro-negro", disse ela. "As apostas estão realmente altas no momento, e precisamos ter uma visão muito realista do que pode acontecer se não entendermos a dinâmica e as motivações reais das pessoas, que nem todo mundo está nisso pelas razões certas."

Mas às vezes pode ser difícil acompanhar a política em Washington e não se deixar levar por desejos, mesmo quando o que você deseja vem de um programa de televisão.

Depois de observar o desenrolar do processo de impeachment, Al Sibilo, de Alberta, no Canadá, fez uma pergunta: por que os políticos de 2019 não podem se comportar mais como os de "West Wing"? Ele está pensando em um momento específico da terceira temporada, quando o Congresso hostil investiga Bartlet porque ele não revelou que tinha esclerose múltipla ao se candidatar. Mas, em vez de pedir seu impeachment, os republicanos o censuram.

"A censura pode ter sido uma ótima opção para os democratas, e talvez uma resposta mais proporcional a muitos dos erros e indiscrições do presidente", disse Sibilo, 53, sobre Donald Trump.

Por outro lado, explicou ele em um e-mail, Trump é único em seu gosto por desrespeitar as normas do comportamento presidencial.

"Como solução alternativa, eles precisariam que o presidente Trump admitisse que estava só um pouquinho errado. Isso nunca vai acontecer", disse Sibilo.

Kim Elliott, 50, professora em Nashua, New Hampshire, é uma espectadora dedicada que passou grande parte do Dia da Posse --20 de janeiro de 2017-- assistindo não à posse, mas a "West Wing".

Na hora do almoço, ela se sentou sozinha na sala de aula e assistiu ao episódio piloto. Quando chegou em casa, viu mais três de seus episódios favoritos --dois sobre a Suprema Corte e o terceiro, um episódio especial da terceira temporada, com presidentes da vida real e assessores de ambos os partidos.

"Eu assisti esses episódios não para afundar, mas para acelerar", disse Elliott em um e-mail. "Sim, eu estava evitando a cobertura da mídia. Mas queria me lembrar de quais ideias devia manter na frente e no centro."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.