A Suprema Corte de El Salvador ordenou nesta segunda (10) que o presidente do país, Nayib Bukele, não faça uso das Forças Armadas em situações não previstas pela Constituição e que possam pôr em risco o governo democrático do país.
A decisão ocorre um dia após o mandatário ocupar, com o apoio de militares e policiais, a sede do Congresso salvadorenho com o objetivo de pressionar os congressistas a aprovar um empréstimo de US$ 109 milhões (cerca de R$ 470 milhões) para o combate ao crime.
A ação, nunca antes vista na vida política do país, contou com a participação de soldados armados com fuzis e policiais da tropa de choque.
A decisão da mais alta corte do país também declarou nula a sessão parlamentar extraordinária convocada pelo presidente para o domingo com o fim de aprovar o crédito —a deliberação já havia sido suspensa pelo presidente do Congresso, Mario Ponce.
Dos 84 deputados da Assembleia, apenas 20 compareceram —Ponce tampouco foi ao local, e Bukele se sentou na cadeira do parlamentar durante a sessão.
Na ocasião, o presidente deu um ultimato: os legisladores têm uma semana para aprovar o empréstimo.
Ponce anunciou nesta segunda a criação de uma comissão especial para investigar o episódio e denunciou Bukele por tentar um golpe de Estado.
O líder do Executivo afirmou ao jornal El País que, se fosse "um ditador ou alguém que não respeita a democracia, teria tomado o controle de tudo".
"Alguém que não conhece El Salvador e vê a foto dos militares no Congresso diz: 'Que barbaridade!'. Mas o que é mais grave? Uma foto de militares em que nada ocorreu, não houve feridos [...] ou saber que houve deputados que negociaram com gangues?", disse.
"Os deputados estão ofendidos. Castigarão o povo ao não aprovar o empréstimo que prometeram votar hoje. Mentiram novamente, não é de se estranhar. Fazem isso sempre", escreveu o presidente numa rede social.
De acordo com Bukele, a decisão de ocupar o Congresso atendeu a demandas da população, que "se deu conta de que os deputados deixaram de apoiar os soldados e policiais que estão na rua".
Embora as taxas de homicídio tenham caído significativamente, gangues ainda controlam uma grande área no país centro-americano.
Ao jornal espanhol Bukele afirmou ainda que em El Salvador não há protestos em massa como na Colômbia ou no Chile porque ele pediu calma aos salvadorenhos.
Para o presidente, tomar o poder à força não seria o melhor para o país, por isso pediu a seus apoiadores que esperassem até as eleições de fevereiro de 2021.
Pesquisas apontam que sua coalizão pode conquistar 70% do Congresso —atualmente apenas 11 parlamentares são governistas.
Os deputados argumentaram que não havia uma explicação detalhada de como o dinheiro seria usado e não havia justificativa para uma convocação extraordinária, que só se aplicaria em caso de emergência nacional.
Por isso, os partidos de oposição de esquerda, a Frente Farabundo Martí de Liberación Nacional (FMLN), e de direita, Aliança Republicana Nacionalista (Arena), recusaram-se a participar da sessão.
A Arena pediu uma intervenção da comunidade internacional “para evitar o rompimento da ordem constitucional em El Salvador e para que atue para evitar o processo de autogolpe em curso”. A Arena tem a maior bancada (37), seguida da FMLN (23).
Órgãos de direitos humanos questionaram a convocação em regime de urgência, afirmando se tratar de uma quebra do princípio de separação de Poderes.
"A ostensiva mobilização policial e militar na Assembleia Legislativa nos lembra das épocas mais sombrias da história de El Salvador e emite um alerta internacional sobre o futuro dos direitos humanos", afirmou a Anistia Internacional
O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos divulgou nota pedindo “diálogo e respeito total às instituições democráticas”. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu respeito à “separação de Poderes e à Constituição”.
A Delegação da União Europeia chamou o governo e congressistas a resolverem a situação de forma satisfatória e pacífica e a respeitar as instituições e a Constituição.
Ex-prefeito da capital, San Salvador, Bukele foi eleito em 2019 com um discurso de ruptura com o tradicional bipartidarismo do país e uma campanha baseada em redes sociais.
Ele não participou de nenhum debate com os demais candidatos. Uma de suas promessas era o combate à criminalidade, além da defesa da moralidade na administração pública.
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