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Imigrantes se reinventam vendendo máscaras, marmitas e aulas online para driblar crise

Com trabalhos presenciais cancelados, autônomos tentam manter renda durante pandemia

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Viçosa (MG)

Acostumada a vender bonecas africanas de tecido e a dar cursos ensinando a confeccioná-las, a guianense Renee Ross-Londja, 48, se viu sem trabalho de um dia para o outro. “Minhas encomendas, as feiras e os workshops foram todos cancelados”, conta.

A situação de Renee é a mesma de muitos imigrantes que dependiam de eventos e de sair à rua para sobreviver. Assim como os brasileiros que trabalham de forma autônoma, eles ficaram sem renda por conta do isolamento social decretado para evitar o avanço da pandemia de coronavírus.

No caso dos estrangeiros, há o agravante de que alguns são refugiados de países em guerra ou com a economia destruída, muitos não têm parentes ou rede de apoio no Brasil e vários deles são provedores de sua família no exterior.

A artesã guianense Renée Ross-Loudja, que fazia bonecas africanas e agora confecciona máscaras de tecido - Deslocamento criativo/Divulgação

Com a ajuda de um projeto que reúne imigrantes que trabalham com economia criativa, Renee mudou temporariamente de ramo: está confeccionando máscaras de tecido, recomendadas pelo Ministério da Saúde para ajudar na prevenção contra o vírus. Uma estilista síria e uma costureira boliviana também participam da iniciativa.

Cada uma em sua casa, elas confeccionam máscaras de algodão, com dupla camada, como recomendam os especialistas, vendidas a R$ 10 a unidade. ”Graças a Deus estão chegando as encomendas, porque agora é a única fonte de renda para nós”, diz Renee.

“Os imigrantes ficaram sem chão. Muitos estavam trilhando um caminho que neste instante não serve para nada. Alguns tinham reservas para 15 dias, mas já zerou o que guardaram”, conta Maria Nilda Santos, criadora do projeto Deslocamento Criativo, que deu a ideia da confecção de máscaras. “Todos vivem de aluguel e estão com medo de como farão no mês que vem, de como vão comer, pagar as contas.”

Maria Nilda tenta agora resolver questões práticas, como comprar tecido e elástico com as lojas fechadas (o grupo busca doações de matéria-prima) e encontrar opções viáveis de entrega. “O correio está meio parado, o motoboy fica caro para quem pede pouca quantidade. Estamos sugerindo que os clientes se juntem com amigos para pedir várias máscaras de uma vez e compensar a taxa de entrega”, afirma.

Ela também busca soluções para outros imigrantes que costumavam participar de suas aulas, geralmente nos Sescs —que agora estão fechados. Um sírio que faz perfumes personalizados está criando um curso online sobre aromas árabes. Um congolês que dá oficinas de pintura em tecidos africanos está pensando em um formato parecido.

Imigrantes que trabalham com comida típica em São Paulo também estão tendo que se reinventar. A maioria vendia seus produtos em feiras, festas e eventos para muita gente. Agora, eles focaram o delivery e criaram opções de marmitas individuais.

“Aconteceu tudo junto. Foram cancelados todos os eventos agendados para este ano e me pediram devolução do dinheiro sem possibilidade de reagendamento, porque não se sabe quanto pode durar essa crise”, conta o peruano Victor López, 34, que atua como personal chef com sua empresa, a Cena.

Ele criou então menus semanais de pratos congelados saudáveis, vendidos em forma de kits e entregues na casa dos clientes. Os pedidos aumentaram à medida que o isolamento foi ficando mais sério, conta. “Muita gente encontrou uma limitação por não ter o hábito de cozinhar e muitos restaurantes estarem fechados”, diz. “Apesar da crise, estou contente por ter encontrado outra direção para o meu negócio.”

Além de lançar um novo cardápio de entregas para seu negócio Arepas Picatta, a venezuelana Rosalva Cardona, 37, que vendia comidas típicas de seu país em um food truck (agora parado), criou um sistema de voucher com bônus, em que o cliente adquire um cupom para ser usado quando acabar a quarentena e ganha um valor extra.

Rosalva Cardona e seu marido, Lester Silva, no food truck onde vendiam comida venezuelana antes da quarentena
Rosalva Cardona e seu marido, Lester Silva, no food truck onde vendiam comida venezuelana antes da quarentena - Arquiivo pessoal

A aquisição vale por um ano e pode ser usada em pedidos de delivery ou serviço de catering para eventos empresariais ou familiares. Uma compra de R$ 300, por exemplo, dá direito à consumação de R$ 400. “Lançamos essa campanha para amenizar essa época difícil, que todos vamos superar”, diz a proposta. ​

Rosalva também está treinando para dar aulas virtuais de culinária, uma iniciativa da organização Migraflix, que capacita imigrantes para oferecer serviços de catering, palestras e workshops culturais para empresas.

“Como todos os eventos foram cancelados, não estamos conseguindo gerar renda para esses empreendedores, então estamos trabalhando em outras iniciativas”, diz Jonathan Berezovsky, fundador da organização.

Uma delas é uma plataforma de cursos online oferecidos por imigrantes, com previsão de lançamento para a próxima terça. “Criamos um treinamento para que eles aprendam a formatar um workshop cultural para este novo mundo que estamos vivendo”, afirma Berezovsky. Gastronomia indiana, colombiana e síria, teatroterapia, poesia africana e dança zulu estão entre as opções.

Outro projeto que migrou temporariamente para o meio virtual foi o Abraço Cultural São Paulo, uma escola de idiomas com professores refugiados. As aulas em turma foram transferidas para um app que permite reunir várias pessoas numa conversa, e agora também são oferecidas aulas particulares.

“Fizemos uma formação com nossos professores, pois muitos nunca tinham dado aulas online. Compramos pacote de internet para todos, emprestamos computadores para quem precisava. Tivemos algumas desistências, mas no geral os alunos têm aceitado bem”, diz a coordenadora, Mariângela Garbelini.

A ONG também abriu um sistema de financiamento recorrente para seus projetos e está criando uma plataforma para divulgar o trabalho de imigrantes e conectar refugiados a pessoas que querem fazer doações.

Para algumas profissões, porém, encontrar uma alternativa que não exija presença é mais difícil. O italiano Giuliano Orlando, 34, por exemplo, é guia de turismo em São Paulo. Sem conseguir fazer os passeios, ele decidiu aproveitar a pausa forçada para dar um gás em suas redes sociais.

“Não tenho outra fonte de renda agora, mas estou me colocando mais nas redes, produzindo conteúdo original todos os dias. Assim me mantenho ativo, tento ganhar novos seguidores e me comunico com velhos clientes e potenciais novos clientes”, conta ele, que também testa um formato de experiências virtuais.

A falta de uma estrutura adequada em casa para o trabalho remoto é outra barreira para muitos imigrantes, especialmente os que vivem na periferia. Por exemplo, nem todos têm um computador ou um bom celular com conexão rápida à internet para criar cursos virtuais ou uma cozinha preparada para atender pedidos de delivery.

“Tem imigrantes e refugiados passando fome neste momento. Estamos fazendo campanha para arrecadar cestas básicas, fraldas e produtos de higiene para essas famílias”, diz o sírio Abdo Jarour, da ONG África do Coração.

O próprio Abdo, que vivia de palestras, saraus e outros eventos, está sem trabalho remunerado no momento. “Não estou tendo retorno financeiro, mas continuo cuidando dos projetos a partir de casa e tentando ajudar.”

SERVIÇO

Abraço Cultural
Cursos virtuais de idiomas com professores refugiados
www.abracocultural.com.br

África do Coração
Reúne doações em dinheiro, alimentos e produtos de higiene para imigrantes em situação precária
(11) 96351-3777 (Abdo Jarour)

Arepas Picatta
Delivery e voucher de comida venezuelana
(1) 98991-3811
https://www.ifood.com.br/delivery/sao-paulo-sp/arepas-picatta-sp-perdizes/

Cena Cozinha
Marmitas saudáveis congeladas feitas por chef peruano
(11) 97572-5421
www.instagram.com/cenacozinha

Concrete Jungles Walking Tour
Lives com guia turístico italiano
www.instagram.com/concretejungles.walkingtours

Deslocamento Criativo
Máscaras de tecido feitas por imigrantes
https://www.instagram.com/deslocamento.criativo/

Migraflix
Cursos online de gastronomia, dança e outras atividades oferecidos por imigrantes
www.migraflix.com.br

Razan Comida Árabe
Marmitas de comida síria
(11) 99880-8496

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