Pandemia amplia debate sobre cobrança de novas taxas a motoristas

Especialistas e governantes avaliam pedágio urbano e novas tarifas a empresas e imóveis

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São Paulo

Conforme o mundo vai reabrindo, os transportes públicos precisam enfrentar uma equação complexa: se voltarem a operar cheios como antes, aumentará o risco de contágio pelo novo coronavírus; mas ter ônibus e trens circulando mais vazios, como tem ocorrido, faz com que a conta não feche e falte dinheiro.

Levar os passageiros de modo mais confortável aumenta os custos, pois é preciso fazer mais viagens para carregar o mesmo número de pessoas, e surge a questão de quem vai pagar a conta.

“Em Bogotá, com 35% de ocupação nos ônibus, a viagem de cada passageiro custa em torno de US$ 3, mas a tarifa custa US$ 0,75. Há uma diferença que precisa ser coberta”, exemplifica Daniel Rodríguez, professor de planejamento urbano na Universidade de Berkeley.

Funcionário do metrô de Nova York limpa catracas em estação para tentar diminuir contaminação por coronavírus
Funcionário do metrô de Nova York limpa catracas em estação para tentar diminuir contaminação por coronavírus - Spencer Platt - 6.mai.20/Getty Images/AFP

Aumentar as tarifas afasta usuários, especialmente em um momento de alta no desemprego e de redução de salários. Em países ricos, governos separaram mais dinheiro para os transportes, mas em regiões mais pobres, como a América Latina, os orçamentos e o endividamento público têm limites mais curtos.

Rodríguez sugere aumentar os impostos sobre os imóveis. “Se há bom transporte público por perto, o valor das propriedades aumenta. Então taxas prediais poderiam ajudar a mantê-lo.”

Outra opção em debate é cobrar os motoristas de carros privados, por mecanismos como o pedágio urbano, agora chamado de taxa de congestionamento. Nele, cobra-se uma tarifa para os carros que entrem em determinadas zonas da cidade. Londres e Madri já o adotam, mas com foco no combate à poluição. Nova York aprovou a criação dessa taxa em 2019, mas ela ainda não entrou em vigor.

Ônibus de Bogotá, que circula com assentos bloqueados, para reduzir o risco de contágio pelo coronavírus - Raul Arboleda - 29.abr.2020/AFP

Há também propostas de ampliar a cobrança de estacionamento nas ruas, aumentar o rodízio para mais dias e horários e taxar viagens feitas por aplicativos como o Uber.

Em Porto Alegre, discute-se cobrar uma taxa de todas as empresas. Em vez de custear o vale-transporte dos funcionários que usam o transporte público, as companhias pagariam um valor fixo por cada funcionário com carteira assinada.

"Cobraríamos um valor menor de mais gente, algo em torno de R$ 86 por pessoa. Com isso, a tarifa poderia baixar pela metade, o que atrairia mais passageiros", calcula Rodrigo Tortoriello, secretário de mobilidade de Porto Alegre, que apresentou a ideia em um webinar do instituto de pesquisas WRI Brasil. "Não dá mais para manter o sistema bancado somente pela tarifa dos passageiros."

“Quem pega o ônibus ajuda a cidade a melhorar. Quem pega o carro, nada contra, mas é um mais a engarrafar, criar poluição, se acidentar, então ele tem que pagar pelo custo que gera”, defende Luiz Alberto Saboia, secretário de Serviços Públicos de Fortaleza. “A saída é taxar na bomba de gasolina.”

Após os protestos de junho de 2013, prefeitos à época como Fernando Haddad (PT), de São Paulo, defenderam a criação de um imposto municipal sobre combustíveis, mas a ideia não avançou.

“Criar novas taxas implica gastar capital político, mas é preciso gastá-lo para tornar sustentável o que move a economia. Os trabalhadores precisam do transporte público para irem produzir. Sem transporte acessível, os problemas econômicos serão mais profundos”, avalia William Camargo, ex-secretário de Transportes de Cáli, na Colômbia. “Gestores que pensarem mais na própria carreira vão acabar empobrecendo a mobilidade em suas cidades.”

Outro temor dos governos é que mais gente decida usar o carro particular enquanto a pandemia segue presente, para reduzir o risco de contágio. Em Buenos Aires, por exemplo, a retomada das viagens particulares avança bem mais rapidamente do que a volta dos passageiros aos trens e ônibus.

"Conforme reabrirmos, a demanda pelo uso do carro deve seguir crescendo, e isso coloca em perigo o funcionamento da cidade", diz Juan Méndez, secretário de mobilidade da cidade. As ruas, já engarrafadas, não terão espaço físico para que todo mundo vá em seu próprio automóvel.

Com o trânsito travado, a operação dos ônibus fica mais difícil. Um coletivo que perde tempo no engarrafamento faz menos viagens, e leva menos gente, do que ao trafegar em pistas livres. Como resposta, algumas cidades adotaram faixas exclusivas temporárias para os ônibus.

A demora nas viagens também aumenta o risco de contaminação a bordo, ao prolongar o tempo de contato entre pessoas saudáveis e as que podem estar infectadas, mesmo sem saber.

Aos poucos, os passageiros vão voltando. Em Nova York, na segunda (8), o metrô superou a marca de 800 mil viagens diárias pela primeira vez desde março. No entanto, isso é apenas 15% do total levado antes da pandemia.

A cidade debate ideias como alternar a abertura de portas dos vagões entre as estações, avisar por aplicativo se o próximo coletivo está muito cheio e criar uma plataforma para reservar assentos nas viagens. Fala-se até em colocar luzes mais fortes nas estações e trens, para ampliar a percepção de limpeza.

A retomada no Japão e na França foi considerada segura. Até o início de junho, não houve registros de novos focos de infecção que possam ser relacionados ao transporte nesses dois países, segundo o CityLab, site da Bloomberg.

O uso seguro dos coletivos depende muito do comportamento dos viajantes, como ficar com máscara o tempo todo e evitar conversas a bordo. Garantir boa ventilação e limpeza no interior dos veículos também são fundamentais.

No Brasil, são frequentes cenas de ônibus lotados, mesmo em meio à pandemia, e de passageiros que embarcam de máscara, mas a baixam ao queixo logo depois, para comer algo durante a viagem ou para alivar o desconforto.

Tanto no Brasil quanto no exterior, a expectativa é que o setor demore a voltar à normalidade. “Esperamos retomar até 80% da demanda anterior só perto do fim do ano”, diz Tortoriello, de Porto Alegre.

"Mesmo que uma vacina para a Covid-19 venha rápido, até ela chegar aos postos de saúde das periferias, vai demorar no mínimo até o início de 2021”, avalia Saboia, de Fortaleza.

Em Buenos Aires, a expectativa é mais distante. "Não esperamos que a demanda se recupere aos níveis anteriores à pandemia antes de 2022 ou 2023", diz Méndez.

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