Dois jornalistas deixam o New York Times após críticas por comportamento

Donald McNeil era um veterano repórter de ciência e Andy Mills ajudou a fazer o podcast 'Califado'

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São Paulo

Dois jornalistas que fizeram algumas das coberturas mais destacadas do jornal americano The New York Times deixaram o jornal nesta sexta (5), depois de sofrerem críticas por seu comportamento.

O editor-executivo do jornal, Dean Baquet, e Joe Kahn, diretor de Redação, enviaram um comunicado à equipe sobre a saída de Donald G. McNeil Jr., jornalista especializado em ciência que cobria a pandemia de coronavírus, e Andy Mills, jornalista especializado em áudio. Ele ajudou a criar o celebrado podcast “The Daily” e foi produtor e co-apresentador de “Califado”, um podcast de 2018 que, revelou-se posteriormente, tinha erros graves.

McNeil, que trabalhava havia 46 anos no jornal e já tinha feito reportagens em 60 países, participou de uma das viagens para estudantes promovidas pelo The New York Times, em 2019. No Peru, McNeil atuou como guia especializado para os alunos. Pelo menos seis participantes e seus pais reclamaram sobre comentários racistas ou sexistas que ele havia feito durante a viagem, inclusive usando uma palavra pejorativa para se referir a pessoas negras.

Na nota para a equipe enviada nesta sexta, Baquet e Kahn afirmaram que McNeil havia feito excelentes reportagens ao longo de quatro décadas, mas diziam que “essa era a medida certa a se adotar”.

A nota foi uma reviravolta em relação ao comunicado da semana anterior, em que Baquet informou à Redação que havia dado mais uma chance a McNeil.

Nessa nota, Baquet afirmava que havia feito uma investigação na época e chegado à conclusão de que, apesar de o jornalista ter usado expressões ofensivas, ele não havia tido más intenções.

Foto mostra prédio  do The New York Times em Nova York.
Foto mostra prédio do The New York Times em Nova York. - Johannes Eisele/AFP

Dias depois de Baquet enviar o comunicado defendendo sua decisão de dar uma chance a McNeil, um grupo de funcionários do jornal enviou uma carta para o publisher do New York Times, A. G. Sulzberger, criticando a atitude em relação ao repórter.

“Apesar do aparente comprometimento do Times com diversidade e inclusão, demos uma plataforma de destaque –a cobertura de um tema essencial, uma pandemia que afeta de forma desproporcional as pessoas não-brancas– para alguém que usou linguagem ofensiva e inaceitável segundo qualquer padrão da Redação."

Sulzberger, Baquet e Meredith Kopit Levien, a presidente do The New York Times Company, responderam ao grupo por meio de uma carta, na quarta-feira (3). “Nós agradecemos pela contribuição. Aprovamos o espírito que levou ao envio dessa contribuição e concordamos em grande parte com a mensagem.”

O jornal tem sido alvo de questionamentos por, segundo críticos, resistir a punir seus profissionais mais famosos e influentes quando eles cometem erros graves.

Em um comunicado para a equipe do Times nesta sexta, McNeil afirmou que usou a palavra pejorativa em uma conversa com um estudante sobre a suspensão de um colega de classe que havia usado o termo.

“Eu não deveria ter feito isso”, disse. “No começo, achei que era defensável o uso do termo por causa do contexto. Depois, eu me dei conta que não era defensável. O termo é profundamente ofensivo e prejudicial.”

Ao concluir, McNeil afirmou: “Desculpe por ofender meus colegas e por qualquer coisa que eu tenha feito que tenha prejudicado o Times, uma instituição que eu amo e em cuja missão eu acredito. Eu decepcionei a todos.”

Já a saída do jornalista de áudio Mills foi anunciada quase dois meses após a publicação de uma nota dos editores sobre os erros no podcast “Califado”. A nota dizia que a série sobre o Estado Islâmico dava crédito a relatos falsos ou exagerados de um de seus personagens.

A série chegou ao topo do ranking de podcasts da Apple em 2018 e venceu inúmeros prêmios, mas o Times depois revelou ao público que o material continha erros de apuração.

Com 12 capítulos, a série era liderada por Rukmini Callimachi, repórter do jornal que frequentemente trabalhava em zonas de conflito e tentava mostrar o funcionamento do Estado Islâmico. Mas a produção deu crédito a Shehroze Chaudhry, que exagerou e inventou participação em execuções do Estado Islâmico.

Em entrevista a Michael Barbaro, do podcast “The Daily,” Baquet atribuiu os erros da série a um “fracasso institucional”. A nota e a entrevista vieram após uma investigação de meses sobre as apurações do “Califado”.

Depois da nota, pessoas que haviam trabalhado com Mills em seu emprego anterior, no programa “Radiolab” da rádio nova-iorquina WNYC, postaram reclamações no Twitter sobre seu comportamento com mulheres na redação do programa e no convívio social.

Em fevereiro de 2018, dois meses antes da estreia de “Califado”, um artigo da revista The Cut sobre assédio sexual na rádio relatava que Mills tinha sido alvo de queixas. No artigo, mulheres afirmavam que ele as havia chamado para sair, tinha feito massagens nas costas não solicitadas e jogado cerveja na cabeça de uma das colegas. Ele também teria dito que uma das mulheres tinha sido contratada apenas por seu gênero.

Na época, ele levou uma advertência do setor de recursos humanos, que o manteve no emprego.

Em um post nesta sexta, Mills afirmou que sua saída do emprego não era decorrente dos problemas com o “Califado” e que a chefia do jornal “não nos culpou” pelos erros.

Depois de publicada a nota do editor Baquet sobre o podcast, “surgiu uma narrativa online de que eu não havia sido punido por causa do privilégio masculino”. Segundo ele, essa acusação deu a algumas pessoas a oportunidade de ressuscitar o comportamento passado dele.

Ele afirmou que havia contado ao Times sobre seus erros quando foi contratado e que recebeu boas avaliações por seu trabalho no jornal. Mills também relatou ter sido promovido em dezembro. Mas, nas semanas após a revelação dos erros do “Califado”, “as acusações no Twitter chegaram a um ponto que meus erros e falhas foram subsituídos por exageros gigantescos e acusações infundadas.”

Mills concluiu dizendo sentir que é “melhor para mim e para minha equipe que eu deixe a empresa neste momento. Faço isso com tristeza e pesar.”

Com informações do The New York Times

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