Descrição de chapéu The New York Times

O que Alexei Navalni encontrará no brutal sistema de colônias penais da Rússia

Líder da oposição russa foi condenado a mais de dois anos de prisão

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Moscou | The New York Times

Quando esteve preso numa colônia penal da Rússia, Alexander Margolin viu prisioneiros espancarem selvagemente outro detento, e a partir daí o homem agredido limpou o banheiro obedientemente todos os dias, uma tarefa depreciativa que indicava que ele havia caído em uma casta inferior na hierarquia prisional, conhecida como "degradados".

"As condições não são muito confortáveis", disse Margolin sobre os campos de prisioneiros russos, descendentes do gulag soviético, muitos deles espalhados pela Sibéria.

homem branco está atrás de uma parede de vidro em tribunal
Líder da oposição russa Alexei Navalny durante audiência em tribunal de Moscou - AFP


Os detentos não ficam abrigados em blocos de celas, mas em barracões isolados, de madeira bruta ou tijolos, com dezenas de homens em cada um, sem nada para separar as vítimas dos algozes. A disposição em piso aberto, pouco modificada desde a era do gulag, deu lugar, ao longo de décadas, a uma cultura prisional rude, muitas vezes brutal, que exige cuidado para se navegar.

Esse é o mundo que o líder de oposição russo Alexei Navalni provavelmente enfrentará depois que um tribunal de Moscou decidiu que ele violou sua liberdade condicional e, nesta semana, o condenou a mais de dois anos em uma chamada colônia correcional de segurança geral. Ele está apelando da sentença, mas mesmo seus aliados têm pouca esperança de que a pena seja revertida.

"As portas de aço batem atrás de mim com um ruído ensurdecedor", escreveu Navalni em um comunicado depois da condenação.

As autoridades não revelaram onde ele servirá. O opositor poderá ser mantido em uma cadeia em Moscou se houver questões jurídicas pendentes.

Em agosto passado, Navalni foi envenenado no que ele, governos ocidentais e grupos internacionais descreveram como uma tentativa de assassinato pelo Estado russo, usando um agente neurotóxico de uso militar. Ele foi levado à Alemanha, onde permaneceu durante meses em tratamento e recuperação. As autoridades russas afirmaram que, em consequência disso, ele deixou de se reportar regularmente, como exigido por uma condicional anterior.

No mês passado, Navalni voltou à Rússia, preferindo a prisão ao exílio, e foi detido imediatamente. Seu caso provocou protestos em massa, que o governo considera ilegais e que foram reprimidos pelas forças de segurança.

Se Navalni for enviado para as colônias penais, o que o aguarda é um sistema penitenciário que, segundo relatos de grupos de direitos humanos e especialistas em encarceramento, melhoraram muito depois do período soviético —mas isso não quer dizer muito. As prisões russas ainda estão cheias de brutalidade, segundo ex-detentos e grupos de direitos humanos.

"As condições são duras", disse Valeri Borshov, um ex-membro do Parlamento que serviu em um comitê para a reforma dos presídios. "Você fica numa sala enorme, com mais 40 a 80 homens. Pode ser insuportável."

O modelo de colônia penal de baixo custo, com barracões cercados por arame farpado, forma a vasta maioria das prisões na Rússia —684 de um total de 692 penitenciárias. Ele evoluiu dos mortais campos de trabalhos forçados do gulag (sigla em russo de Diretoria Principal de Campos), que atingiu o auge durante o regime de Stalin. Hoje, os detentos geralmente trabalham em indústrias leves, como costura de uniformes militares, em vez de mineração ou corte de madeira, como na época soviética.

Com cerca de 500 mil pessoas presas, a Rússia tem um índice de encarceramento de 334 por 100 mil pessoas —muito maior que quase todos os outros países da Europa, mas cerca da metade do índice dos Estados Unidos.

Os barracões são trancados à noite sem guardas, e os prisioneiros, deixados à própria sorte, prática que mantém a dura hierarquia prisional da Rússia por meio de espancamentos noturnos.

Um grupo privilegiado são os líderes de bandos criminosos, conhecidos como "ladrões na lei" ou "autoridades". Uma segunda classe alta são os presos conhecidos como "ativistas", que cooperam com os oficiais correcionais.

Homens que caem em desfavor ou são condenados por estupro correm o risco de ir para a classe inferior, que desempenha tarefas desprezíveis, e muitos são vítimas de abuso sexual.

Os demais recaem em uma categoria ampla chamada simplesmente de os "homens", que obedecem aos líderes de gangues, evitam cooperar com os guardas e escapam do abuso sofrido pelos que estão no fundo da ordem hierárquica. Um sistema de rituais a mantém intacta. Por exemplo, os homens nunca compartilham talheres com os degradados.

Alguns ex-prisioneiros políticos conseguem encontrar um lugar no sistema. Margolin, preso em 2014 por sua atuação em protestos contra o governo, disse que teve a ajuda de "autoridades" criminosas para se defender de outro prisioneiro agressivo. A ajuda foi obtida, segundo ele, em parte porque foi condenado por atacar um policial em um protesto.

"Isso foi altamente valorizado", disse o ativista.

Mikhail Khodorkovski, um ex-magnata do petróleo que já foi o homem mais rico da Rússia, que passou uma década na prisão por ter financiado a oposição política, foi apunhalado no rosto por outro prisioneiro com uma faca improvisada. Ele sofreu apenas um ferimento leve. O atacante disse que tentou lhe furar um olho.

De todo modo, disse Khodorkovski em entrevista por telefone, os detentos em geral não eram hostis a ele como prisioneiro político, e alguns diziam: "Você está aqui pela verdade".

"A situação hoje é radicalmente diferente do gulag, onde os criminosos se consideravam patriotas, e os prisioneiros políticos, inimigos do povo", que eram atacados por eles, explicou.

Navalni também poderá enfrentar riscos maiores. Em 2019, seu médico disse que ele foi envenenado com um "agente tóxico" enquanto estava numa cadeia em Moscou. Ao ser libertado, Navalni zombou de autoridades do governo por aparentemente tentarem matá-lo enquanto ele estava sob sua custódia.

"Eles são tão idiotas a ponto de me envenenarem num lugar onde eles seriam os únicos suspeitos?", escreveu o ativista em seu blog sobre o que caracterizou não como um ataque de outros detentos, mas do Estado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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