Descrição de chapéu China

Reino Unido mantém China em proximidade segura em novo plano estratégico

Governo britânico descreve Rússia como Estado hostil, mas adota linguagem cautelosa para falar da China em sua visão geopolítica para os próximos anos

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Bruxelas

Apesar de crescentes restrições de conservadores britânicos à China, o governo do Reino Unido está decidido a se relacionar com o país asiático, mostra a nova estratégia de segurança, defesa, desenvolvimento e política externa apresentada nesta terça (16) pelo premiê britânico, Boris Johnson.

Enquanto a Rússia é caracterizada como rival estratégico e Estado hostil no documento, chamado de Revisão Integrada, a China é apresentada como “desafio sistêmico”. O texto usa linguagem cautelosa para se referir ao gigante asiático e abordagem aparentemente contraditória, que, para analistas, é proposital.

“O fato de a China ser um Estado autoritário, com valores diferentes dos nossos, apresenta desafios para o Reino Unido e nossos aliados. A China contribuirá mais para o crescimento global do que qualquer outro país na próxima década, com benefícios para a economia global”, afirma o documento.

Boris acena, de máscara preta
O premiê britânico, Boris Johnson, antes de apresentar ao Parlamento a Revisão Integrada de seu governo - Justin Tallis/AFP

Segundo Sophia Gaston, diretora do BFPG (British Foreign Policy Group, um centro de estudos britânico apartidário), o relacionamento britânico com a China “continuará complicado e estreitamente alinhado com a abordagem do governo do presidente americano, Joe Biden”.

No discurso em que apresentou a estratégia ao Parlamento, Boris citou críticas feitas pelo governo britânico à detenção em massa do povo uigur na província de Xinjiang e a oferta de cidadania britânica feita a quase 3 milhões de habitantes de Hong Kong, mas deixou claro que enxerga a China como parceira.

“Trabalharemos com a China onde isso for consistente com nossos valores e interesses, incluindo na construção de uma relação econômica mais forte e positiva e na abordagem da mudança climática.”

Com 114 páginas, o documento projeta o lugar global do Reino Unido em 2030 e como pretende chegar lá. O plano fala em cooperação e colaboração, mas algumas áreas sugerem “caminhos acidentados à frente nas relações internacionais”, segundo Gaston, e não só pela abordagem "equilibrada" em relação à China.

Ela cita, entre outros exemplos, a disputa por espaço na política externa com a União Europeia, da qual o Reino Unido se divorciou definitivamente neste ano. Boris também afirma que o Reino Unido terá que exercer um “crescente ativismo internacional” para enfrentar um mundo mais competitivo, “onde novas potências estão usando todas as ferramentas à sua disposição para redefinir a ordem internacional e, em alguns casos, minar o sistema internacional aberto e liberal”.

De acordo com o premiê, o país não pode depender exclusivamente de um sistema internacional cada vez mais desatualizado para proteger seus interesses. Por isso, um dos pilares dessa visão é o programa de investimentos extras de 24 bilhões de libras (R$ 186 bi, ao câmbio atual) na área de defesa, o maior desde o fim da Guerra Fria, apresentado em novembro.

O documento reafirma a importância da Otan (aliança militar entre países da Europa e América do Norte), mas a maior parte desse recursos irá para pesquisa e desenvolvimento, segurança cibernética e modernização da Marinha e da Força Aérea Real. Boris também planeja lançar um foguete britânico ao espaço. O plano ainda revoga uma promessa anterior de reduzir o estoque de armas nucleares para 180 ogivas, elevando o limite para até 260.

A ênfase no Exército é menor —o governo britânico conta com potências europeias como a Alemanha para reforçar a segurança terrestre da Otan. Isso pode elevar a preocupação de parceiros dos britânicos na aliança de que Boris retire soldados da Força-Tarefa Conjunta de Muito Alta Prontidão, lançada em 2015, após a investida russa sobre a Ucrânia.

Ao Parlamento, o premiê citou a Rússia logo após anunciar a criação de um Centro de Operações Antiterrorismo, para “frustrar os projetos de terroristas e ao mesmo tempo lidar com as ações de Estados hostis”. “Passaram-se quase três anos desde que o Estado russo usou uma arma química em Salisbury, matando uma mãe inocente, Dawn Sturgess, e trazendo o medo para uma cidade tranquila”, disse ele.

A visão de longo prazo britânica também aponta a proa para a região do Indo-Pacífico, que descreve como “cada vez mais o centro geopolítico do mundo”. “A partir da base segura da Otan, procuraremos amigos e parceiros onde quer que eles possam ser encontrados”, disse o premiê no discurso ao Parlamento.

O Reino Unido é candidato a parceiro na Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), e, no próximo mês, Boris fará sua primeira grande visita internacional pós-brexit à Índia, que ele fez questão de chamar de “a maior democracia do mundo” —embora diversas organizações tenham rebaixado o grau de liberdade política e civil do país nos últimos dois anos.

Boris também citou no discurso o envio do novo porta-aviões britânico, HMS Queen Elizabeth, ao oceano Índico ainda neste ano, transportando jatos F35 da Marinha americana.

No leste asiático, o porta-aviões fará exercícios conjuntos com o Japão, entre outros. O documento não menciona disputas territoriais que envolvem a China na região, principalmente no mar do Sul da China.

Em comentário à revisão, porém, o Partido Conservador foi mais explícito: “A crescente assertividade internacional da China e a crescente importância do Indo-Pacífico exigem que adotemos uma nova abordagem, mudando nosso foco nesta região do mundo. Usaremos nossos meios econômicos, comerciais, de defesa e diplomáticos para ajudar a promover a estabilidade e a prosperidade”.

Na avaliação de Gaston, porém, a integração com a Ásia deve passar menos por defesa e segurança e mais por comércio, principalmente por meio do CPTPP (Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica, que substituiu o TPP após a saída dos EUA). O Reino Unido é candidato a integrar a aliança que reúne hoje Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietnã.

O governo britânico deve buscar “relacionamentos baseados em interesses comuns, mais do que em valores comuns”, afirmou a cientista política, e a presidência do grupo de países ricos G7 e a organização da conferência climática COP-26, que estão nas mãos do Reino Unido neste ano, servirão como testes dessa nova ambição diplomática.

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