Idriss Déby era um ditador de almanaque, daqueles que atrapalham o projeto de líderes democráticos africanos de mudar a imagem do continente perante o mundo.
Felizmente, eles têm se tornado mais escassos. Na década passada, alguns líderes que pareciam amarrados ao trono presidencial foram ejetados de maneira surpreendente. O caso de Robert Mugabe no Zimbábue, um homem que se confundia com a história pós-colonial de seu país, talvez seja o mais simbólico, derrubado por antigos aliados no Exército.
José Eduardo dos Santos, em Angola, foi substituído por decisão partidária e logo se viu acossado por denúncias de corrupção que atingiram sua família.
No Sudão, Omar al-Bashir viu seu regime ruir em meio a uma crise econômica severa e ao inconformismo de parte dos militares com a perda do Sudão do Sul, região rica em petróleo, em 2011. Ironicamente, era o grande rival regional de Déby, e os dois autocratas passaram 20 anos fomentando instabilidade entre si.
Mas o personalismo no continente ainda persiste. O próprio anúncio de que o filho de Déby, um general, assumirá “provisoriamente” o comando do país mostra a força do poder dinástico na África.
Em Uganda, Yoweri Museveni venceu uma eleição em 2020 contra um adversário jovem e carismático, e prorrogou sua presença na Presidência, que exerce desde 1986. Intimidação e controle das instituições permitiram essa sobrevida a Museveni, mas também a capacidade de manipular uma sociedade acostumada à cultura do “homem forte”, ou do “big man”, como se diz por lá.
Na vizinha Ruanda, algo parecido ocorre, com o regime autocrático de Paul Kagame, no comando desde 1994. É uma ditadura “limpinha”, com projetos sociais e econômicos elogiados por parte da comunidade internacional e recursos vultosos liberados sem grandes questionamentos sobre a perseguição à oposição, a ONGs e à imprensa.
Com a morte do ditador do Chade, o grupo de dinossauros africanos se torna mais restrito. Um destaque no clube é Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, no poder há incríveis 42 anos. Paul Biya, de Camarões, segue no comando desde 1982, enquanto Denis Sassou Nguesso preside a República do Congo desde 1979, com exceção de um breve intervalo na oposição durante cinco anos.
A saída de cena de Déby joga um ponto de interrogação sobre um país que tem potencial de desestabilizar toda a África central. Extenso territorialmente, com uma área que é o dobro da França e reservas de petróleo ainda não exploradas, o Chade abriga grupos islâmicos que atuam na região do Sahel, a franja territorial logo abaixo do deserto do Saara.
Tem conflitos perenes com a Líbia ao norte (que, aparentemente, levaram à morte do ditador), o Sudão a leste e a República Centro-Africana ao sul. Por muito tempo, Déby apoiou grupos que procuravam desestabilizar a região sudanesa de Darfur e levaram a uma reação genocida do governo daquele país.
Durante três décadas como homem forte no Chade, não deixou oposição ou sociedade civil florescerem. O país que ele lega para seu filho comandar possui apenas fiapos de institucionalidade.
Para um continente que volta e meia tenta propagandear um “renascimento”, com algumas histórias inegáveis de progresso em países como Nigéria e África do Sul, ele era uma fonte de constrangimento. Outras ainda perduram na África.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.