Morte de homem negro pela polícia na região em que Floyd foi asfixiado gera manifestações

Daunte Wright, 20, foi baleado durante abordagem por infração de trânsito em Brooklyn Center, perto de Minneapolis

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BAURU (SP)

A menos de 20 quilômetros do local onde George Floyd foi assassinado por um policial em maio do ano passado e horas antes da retomada do julgamento do agente que o asfixiou, outro homem negro foi morto depois de ser baleado em uma abordagem policial na tarde deste domingo (11).

Segundo nota divulgada pelo departamento de polícia de Brooklyn Center, cidade com 30 mil habitantes nos arredores de Minneapolis, agentes pararam um veículo por volta das 14h (no horário local, 16h de Brasília) para autuar um motorista por uma infração de trânsito. A lei estadual proíbe objetos pendurados no retrovisor, alegando que eles podem prejudicar a visibilidade, e o carro parado tinha um desodorizador pendente.

O motorista, Daunte Wright, 20, saiu do veículo a pedido dos policiais. Na versão dos agentes, Wright, um homem negro, tinha um mandado de prisão em aberto e, ao receber voz de prisão, desvencilhou-se dos agentes e voltou para dentro do veículo. Em seguida, uma policial atirou.

Wright teria dirigido por mais algumas quadras, até que bateu em outro veículo e morreu no local. Segundo relatos de testemunhas, os agentes tentaram reanimá-lo, sem sucesso.

Manifestante encara tropa de choque durante protestos após morte de Daunte Wright em Brooklyn Center, no estado americano de Minnesota - Stephen Maturen/Getty Images - 11.abr.21/AFP

Katie Wright, mãe do motorista morto, disse a jornalistas ter recebido uma ligação do filho dizendo que ele tinha sido parado pela polícia devido ao desodorizador pendurado no retrovisor. Ela também afirma ter ouvido, pelo telefone, agentes pedindo para que o filho saísse do carro.

"Ouvi o policial vir à janela e dizer 'desligue o telefone e saia do carro'. Aí ouvi uma discussão e os policiais dizendo 'Daunte, não corra'", disse ela, aos prantos. A ligação foi encerrada e, quando conseguiu discar novamente, quem atendeu o telefone foi a namorada de Wright, que disse a Katie que seu filho estava morto no banco do motorista.

O departamento de polícia não deu detalhes sobre o mandado de prisão contra Wright, mas, de acordo com registros judiciais, o documento foi expedido no início deste mês quando ele deixou de comparecer a uma audiência. Wright respondia por duas contravenções: uma por porte ilegal de arma e outra por correr de agentes durante uma abordagem em junho do ano passado.

Segundo a polícia, toda a ação deste domingo foi filmada pelas câmeras acopladas às fardas dos agentes. O material de vídeo, exibido durante uma entrevista coletiva nesta segunda-feira (12), mostra uma briga entre Wright e um dos policiais.

Quando ele volta ao carro, ouve-se uma voz, atribuída a uma agente que participou da abordagem, gritando "taser, taser", nome dado a uma arma de choque para imobilizar pessoas em fuga. Segundo o departamento, a policial se confundiu e, em vez de disparar o taser, usou a arma de munição letal.

Em outro trecho, depois do tiro, ouve-se a mesma policial dizendo: "Puta merda. Eu atirei nele".

"Parece-me, pelo que vi e pela reação e angústia dos policiais imediatamente depois, que esta foi uma descarga acidental que resultou na trágica morte do senhor Wright", disse o chefe da polícia de Brooklyn Center, Tim Gannon. A agente não teve a identidade revelada, mas, segundo Gannon, é uma oficial "muito experiente". Ela ficará em licença e não voltará ao trabalho até a conclusão das investigações.

À medida em que o caso se tornou público, tocando feridas históricas e recentes que envolvem o racismo estrutural e a violência policial nos EUA, manifestantes foram às ruas, repetindo, ainda que em menor proporção, os atos vistos em Minneapolis após o assassinato de Floyd, compartilhado nas redes sociais.

Durante a noite, centenas de pessoas —as estimativas variam entre 200 e 500— se reuniram em frente ao departamento de polícia de Brooklyn Center, e agentes dispararam balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra o grupo. Parte dos manifestantes lançou pedras, sacos de lixo e garrafas de água contra os policiais. A Guarda Nacional foi acionada e chegou à região por volta de meia-noite. Em outro ponto da cidade, segundo a imprensa local, um grupo invadiu uma galeria de lojas, e pelo menos 20 estabelecimentos foram saqueados.

O presidente Joe Biden pediu, numa entrevista coletiva nesta segunda, que os protestos sejam pacíficos e disse que foram enviados agentes federais para ajudar a manter a calma no estado. “Não há absolutamente nenhuma justificativa para saques e violência.”

Da Casa Branca, o democrata também afirmou que ainda não tinha falado com a família de Wright, mas que entendia a raiva, a dor e o trauma na comunidade negra devido aos repetidos casos de mortes por policiais.

"É realmente uma coisa trágica o que aconteceu, mas acho que temos que esperar e ver o que a investigação mostra", disse.

O prefeito de Brooklyn Center, Mike Elliott, havia decretado um toque de recolher da 1h às 6h desta segunda, alegando, entre outras razões, o risco de "perdas de vidas". O superintendente das escolas locais também determinou que as aulas do dia seriam remotas "por precaução".

"Enquanto aguardamos informações adicionais do BCA [sigla em inglês para Departamento de Apreensão Criminal], que está liderando a investigação, continuamos a pedir que os membros de nossa comunidade que se reunirem o façam pacificamente, em meio a nossos apelos por transparência e responsabilidade”, disse o prefeito, em um comunicado.

Na tarde desta segunda, porém, o governador de Minnesota, o democrata Tim Walz, estendeu o toque de recolher para todos os condados da região das duas cidades, agora das 19h às 6h de terça (13).

Ele disse em uma publicação no Twitter mais cedo que está "monitorando de perto" a situação na cidade e "orando pela família de Daunte Wright enquanto nosso estado lamenta outra vida de um homem negro levada pela polícia".

"Nossa comunidade inteira está cheia de tristeza depois que um policial atirou em Daunte Wright, um jovem de 20 anos. Nossos corações estão com sua família e com todos aqueles em nossa comunidade impactados por esta tragédia", acrescentou Elliott, que também é um homem negro.

Na noite desta segunda, centenas se reuniram em vigília em memória a Daunte Wright. "Meu irmão perdeu a vida porque eles estavam felizes no gatilho", afirmou o meio irmão mais velho, Dallas Wright, aos presentes no evento.

"Meu coração está quebrado em mil pedaços. Eu sinto tanta falta dele e só passou um dia", disse sua mãe, Katie Wright, em meio a lágrimas. "Ele era minha vida, era meu filho e eu nunca vou tê-lo de volta Por causa de um erro? Por causa de um acidente?"

Desafiando o toque de recolher, as pessoas que estavam na vigília se juntaram a centenas de manifestantes em frente ao departamento de polícia de Brooklyn Center, no fim do dia.

Após a divulgação dos vídeos da abordagem, o prefeito prometeu, também nesta segunda, fazer "tudo o que estiver ao alcance para garantir que a justiça seja feita", mas reconheceu que a morte de Wright e os novos protestos não poderiam ter acontecido em hora pior.

O prefeito se refere à tensão crescente na região devido ao julgamento de Derek Chauvin, um ex-policial branco de Minneapolis que, durante mais de nove minutos, ajoelhou sobre o pescoço de Floyd, um homem negro que estava algemado. A morte do ex-segurança gerou protestos nos Estados Unidos e em todo o mundo contra a brutalidade policial e a injustiça racial.

O julgamento de Chauvin, que começou no dia 29 de março, vem seguindo o roteiro esperado: testemunhas emocionadas, médicos explicando detalhes da morte e advogados e promotores apresentando seus casos ao júri.

A principal tese da acusação contra o ex-policial é que as imagens da morte de Floyd não deixam dúvidas de que o ato foi um assassinato, enquanto a defesa alega que a vítima pode ter morrido em decorrência de outras questões, inclusive por problemas cardíacos ou overdose.

Nesta segunda, devido à repercussão da morte de Wright, o principal advogado de Chauvin, Eric J. Nelson, pediu à Justiça que os jurados do caso Floyd ficassem incomunicáveis já na atual fase do processo. Os membros do júri, tradicionalmente, ficam isolados para suas deliberações, mas Nelson queria antecipar essa etapa para que os novos protestos nas ruas não exerçam algum tipo de influência sobre as decisões

Segundo o advogado, as duas mortes têm elementos em comum, e os jurados, entre os quais há ao menos um morador de Brooklyn Center, poderiam se sentir pressionados a condenar Chauvin para encerrar uma possível nova onda de manifestações nas ruas.

O promotor Steve Schleicher se opôs ao pedido, dizendo que o tribunal não poderia reagir a "todos os eventos mundiais que possam afetar a atitude ou estado emocional de alguém" isolando os jurados. A Justiça negou o pedido da defesa, e o julgamento foi retomado como previsto.

No mês passado, os deputados americanos aprovaram um projeto de lei que proíbe táticas policiais controversas e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos constitucionais de suspeitos. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

A batizada Lei George Floyd de Justiça no Policiamento inclui medidas como a proibição de estrangulamentos durante a ação policial, o fim dos mandados de segurança que permitem que os agentes entrem em lugares sem anúncio prévio —como na ação que matou Breonna Taylor— e a criação de um registro nacional de má conduta policial.

Em uma de suas disposições mais polêmicas, o projeto prevê o fim da "imunidade qualificada", uma espécie de excludente de ilicitude que, na prática, impede policiais de serem responsabilizados criminalmente por eventuais usos excessivos de força e violações de direitos constitucionais.

A lei determina ainda a obrigatoriedade de câmeras que possam registrar a ação dos agentes, tanto as fixas nos uniformes dos oficiais quanto as posicionadas nos painéis das viaturas —como no caso de Daniel Prude—, e cria novos modelos de policiamento comunitário, especialmente para bairros de populações minoritárias.

Com Reuters

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