Por que a Ásia, campeã da pandemia, continua tão longe da linha de chegada?

Após boa gestão inicial da crise, países continuam presos a um ciclo de incerteza, restrições e isolamento

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Damien Cave
Sydney | The New York Times

Em toda a região da Ásia e do Pacífico, os países que lideraram o mundo na contenção do coronavírus estão hoje atrasados na corrida para derrotá-lo. Enquanto os Estados Unidos, que sofreram surtos muito mais graves, enchem estádios com torcedores vacinados e lotam aviões com turistas em férias, os campeões da pandemia no Oriente continuam presos a um ciclo de incerteza, restrições e isolamento.

No sul da China, a disseminação da variante delta levou a um lockdown repentino na semana passada em Guangzhou, uma importante capital industrial. Taiwan, Vietnã, Tailândia e Austrália também se trancaram após recentes surtos, enquanto o Japão enfrenta o desgaste de uma quarta onda de infecções, aguçado pelo temor de um desastre viral na Olimpíada.

Onde é possível, as pessoas seguem suas vidas, com máscaras, distanciamento social e saídas apenas perto de casa. Do ponto de vista econômico, a região suportou a pandemia relativamente bem, porque a maioria dos países administrou com sucesso suas primeiras fases.

Mulher faz teste de detecção do coronavírus na cidade de Guangzhou, na China
Mulher faz teste de detecção do coronavírus na cidade de Guangzhou, na China - Deng Hua - 13.jun.21/Xinhua

Mas, com centenas de milhões de pessoas ainda não vacinadas da China à Nova Zelândia —e com líderes ansiosos mantendo as fronteiras internacionais fechadas devido ao futuro previsível—, a tolerância a vidas restritas está diminuindo, enquanto novas variantes intensificam a ameaça.

Em termos simples, as pessoas estão incomodadas, questionando-se: "Por que estamos atrasadas, e quando, pelo amor de todas as coisas boas e grandes, a rotina da pandemia finalmente chegará ao fim?".

"Se não estamos atolados, é como se estivéssemos esperando na cola ou na lama", diz Terry Nolan, chefe do Grupo de Pesquisa de Vacinas e Imunização do Instituto Doherty em Melbourne, na Austrália, cidade de 5 milhões de habitantes que está saindo do último lockdown. "Todo mundo está tentando sair, encontrar um sentido de urgência."

Se a impaciência varia de país para país, geralmente ela é causada pela escassez de vacinas.

Em alguns lugares, como Vietnã, Taiwan e Tailândia, as campanhas de vacinação mal começaram. Outros, como China, Japão, Coreia do Sul e Austrália, tiveram um aumento acentuado das inoculações nas últimas semanas, enquanto continuam longe de ter vacinas para todos os que querem tomá-las.

Mas em quase todos os lugares da região a tendência aponta para uma inversão do destino. Enquanto os americanos comemoram o que parece ser um novo amanhecer, para muitos dos 4,6 bilhões de habitantes da Ásia o resto deste ano vai parecer muito com o último, com extremo sofrimento para alguns e outros deixados em um limbo de normalidade contida.

Ou pode haver mais volatilidade. No mundo todo, as empresas observam se o novo surto no sul da China vai afetar os movimentados terminais portuários. Em toda a Ásia, a vacinação hesitante também poderá abrir a porta para lockdowns causados por novas variantes que geram novos danos às economias, derrubam líderes políticos e modificam a dinâmica de poder entre os países.

Os riscos têm raízes em decisões políticas tomadas meses atrás, antes que a pandemia tivesse infligido seu pior morticínio. Desde a primavera no hemisfério norte do ano passado, os Estados Unidos e vários países da Europa apostaram alto nas vacinas, na aprovação acelerada e gastaram bilhões para garantir os primeiros lotes. A necessidade era urgente. Só nos EUA, no auge do surto inicial, milhares de pessoas morriam todos os dias enquanto a gestão da epidemia pelo governo falhava de forma catastrófica.

Mas em lugares como Austrália, Japão, Coreia do Sul e Taiwan os índices de infecção e de mortes foram relativamente contidos pelas restrições nas fronteiras, a conformidade pública com as medidas antivírus e amplos testes e rastreamento de contatos. Com a situação viral basicamente sob controle, e com capacidade limitada de desenvolver vacinas, os países sentiram menos urgência de fazer encomendas enormes, ou de acreditar em soluções não comprovadas.

"A ameaça percebida para o público era baixa", disse o doutor C. Jason Wang, professor associado na Escola de Medicina da Universidade Stanford, que estudou políticas da Covid-19. "E os governos responderam à percepção pública da ameaça." Como estratégia de contenção do vírus, os controles de fronteira —método preferido em toda a Ásia— são limitados, acrescentou Wang: "Para pôr fim à pandemia, há necessidade de uma estratégia defensiva e uma ofensiva. A ofensiva são as vacinas".

Sua distribuição na Ásia foi definida pela lógica humanitária (quais países precisavam mais da vacina), pela complacência local e pelo simples poder sobre a produção e a exportação de vacinas.

No início deste ano, os anúncios de contratos com empresas e países que controlam as vacinas pareciam mais comuns do que as entregas reais. Em março, a Itália bloqueou a exportação de 250 mil doses da vacina AstraZeneca destinadas à Austrália para controlar seu próprio surto desenfreado. Outras remessas foram adiadas por problemas de fabricação. "É justo dizer que a quantidade de suprimentos de vacina que realmente chegaram aos portos não está nem perto dos compromissos de aquisição", afirmou Richard Maude, bolsista sênior no Instituto de Políticas da Ásia, na Austrália.

Peter Collignon, médico e professor de microbiologia na Universidade Nacional da Austrália que trabalhou para a Organização Mundial de Saúde, colocou de modo mais simples: "A realidade é que os lugares que fabricam vacinas as estão guardando para eles mesmos".

Reagindo a essa realidade e às raras complicações de coágulos sanguíneos que surgiram com a vacina da AstraZeneca, muitos políticos da região Ásia-Pacífico tentaram desde o início enfatizar que não havia necessidade de correr. O resultado hoje é um amplo abismo com os EUA e a Europa.

Na Ásia, cerca de 20% da população recebeu pelo menos uma dose de uma vacina, com o Japão, por exemplo, em apenas 14%. Em comparação, na França são quase 45%, mais de 50% nos EUA e mais de 60% no Reino Unido. A China, que lutou com a hesitação sobre suas próprias vacinas depois de controlar o vírus durante meses, administrou 22 milhões de doses em 2 de junho, um recorde para o país. Ao todo, a China relatou a aplicação de quase 900 milhões de doses, em um país de 1,4 bilhão de habitantes.

O Japão também acelerou seus esforços, facilitando as regras que permitiam que só alguns profissionais médicos aplicassem a vacinação. As autoridades japonesas abriram grandes centros de vacinação em Tóquio e Osaka e expandiram os programas de vacinação a locais de trabalho e faculdades. O primeiro-ministro Yoshihide Suga diz hoje que todos os adultos terão acesso à vacina até novembro.

Em Taiwan, o esforço de imunização também recebeu um reforço recente, quando o Japão doou aproximadamente 1,2 milhão de doses da AstraZeneca. De modo geral, a experiência de Taiwan é típica: o país só recebeu doses suficientes para imunizar menos de 10% de seus 23,5 milhões de habitantes. Uma associação budista ofereceu recentemente a compra de vacinas contra Covid-19 para acelerar o esforço anêmico de inoculação na ilha, mas ouviu que só os governos podem fazer essas aquisições.

Enquanto as vacinações atrasam em toda a Ásia, qualquer reabertura internacional fica adiada. A Austrália indicou que manterá suas fronteiras fechadas por mais um ano. O Japão está proibindo a entrada de quase todos os não residentes, e na China o intenso controle das chegadas internacionais deixou as empresas multinacionais sem funcionários-chave.

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O futuro imediato de muitos lugares na Ásia parece ser definido pela otimização frenética.

A reação da China ao surto deste mês em Guangzhou —testar milhões de pessoas em poucos dias, bloqueando bairros inteiros— é uma versão rápida de como ela tratou os surtos anteriores. Poucos no país esperam que essa abordagem mude tão cedo, especialmente enquanto a variante delta, que devastou a Índia, hoje começa a circular. Ao mesmo tempo, a distribuição de vacinas enfrenta pressão crescente para que sejam inoculadas antes que as doses expirem, e não apenas na China continental.

​A Indonésia ameaçou os moradores com multas de cerca de US$ 450 (R$ 2.270) por recusarem vacinas. O Vietnã reagiu a seu recente pico de infecções pedindo ao público doações para um fundo de vacinas para Covid-19. E em Hong Kong autoridades e líderes empresariais estão oferecendo uma série de atrativos para reduzir a severa hesitação do público diante das vacinas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves  

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