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Pandemia empurrou mais 118 milhões de pessoas para a fome no mundo em 2020

No ritmo atual, planeta não deve cumprir objetivo de erradicar problema até fim da década, aponta ONU

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São Paulo

Cerca de 118 milhões de pessoas em todo o mundo começaram a passar fome em 2020, ano em que a pandemia da Covid-19 paralisou boa parte do planeta, desestruturou famílias que perderam seus provedores, encerrou atividades econômicas e agravou desigualdades.

Segundo o mais recente relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), publicado nesta segunda-feira (12), entre 720 milhões e 811 milhões de pessoas passaram fome em 2020, cerca de 118 milhões a mais do que os números registrados no ano anterior.

Criança trabalha em plantação em Betsimeda, no Madagascar
Criança trabalha em plantação em Betsimeda, no Madagascar - Viviane Rakotoarivony - 2.mai.21/ONU via Reuters

"Estamos falhando em prover direitos fundamentais a pessoas em todo o mundo", disse o secretário-geral da ONU, o português António Guterres. "Apesar de um aumento de 300% na produção mundial de comida desde os anos 1960, a desnutrição é um fator fundamental para reduzir a expectativa de vida. É preciso mudar o sistema de produção de alimentos. Isso limitará os impactos da pandemia e começará uma mudança em direção a um mundo mais seguro, mais justo e mais sustentável."

O relatório atual traz essa margem entre 720 milhões e 811 milhões porque a coleta de dados foi feita por telefone, uma vez que as restrições de deslocamento, provocadas pela pandemia, dificultaram o trabalho dos pesquisadores. Assim, os números são menos precisos, de acordo com os autores do relatório.

Ao longo da década de 2010, a pesquisa anual O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo vinha registrando uma estabilização no número de pessoas subnutridas pelo mundo, interrompendo a queda anterior. A pandemia, no entanto, fez a curva voltar a subir. A edição mais recente do estudo mostra que o vírus pode ter atrasado em 15 anos o combate à fome, já que o total de pessoas subnutridas em 2020 se aproxima dos 810 milhões registrados em 2005.

A FAO define como subnutrição a condição em que o consumo habitual de comida de um indivíduo não é suficiente para provê-lo com a quantidade de energia necessária para manter uma vida normal, ativa e saudável.

Proporcionalmente, o número representa quase 10% da população mundial, mas a fome não atinge o planeta de forma igual. A Ásia, por exemplo, é a região com o maior número de pessoas com subnutrição, 418 milhões. Mas como é o continente mais populoso, a fome atinge apenas 9% da população da região.

Por lá, o problema atingiu com mais força países como Coreia do Norte e Iêmen, que está em guerra civil desde 2015, no que é considerado pela ONU a crise humanitária mais grave do mundo —os dados por nações não medem apenas a situação no ano passado, mas uma média entre 2018 e 2020.

Em relação ao tamanho da população, a situação é mais grave no continente africano, onde 21% dos habitantes registraram subnutrição em 2020, aumento em relação aos 18% vistos no ano anterior.

É mais dramática a situação de países da África Central, como a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo e a República do Congo, além de Madagascar e Somália, no leste africano, um dos locais com maior prevalência da fome medida pela FAO. Já estados ao norte, como Tunísia, Argélia e Marrocos, registraram número menor de pessoas com fome, segundo o relatório.

"A Covid-19 é só a ponta do iceberg. Mais alarmante é que a pandemia expôs as vulnerabilidades provocadas nos nossos sistemas alimentares nos últimos anos por conflitos, mudanças climáticas, crises econômicas. Esses fatores estão acontecendo cada vez mais simultaneamente, com efeitos que agravam seriamente a segurança alimentar e nutricional", dizem os autores do estudo.

No Brasil, a prevalência da subnutrição medida pela FAO entre 2018 e 2020 ficou abaixo de 2,5%. Mas a porcentagem da população cuja insegurança alimentar é considerada moderada ou grave —definido como a falta de garantia para comprar comida ou a possibilidade de diminuir ou piorar a alimentação por falta de dinheiro— saltou de 18,3% no triênio de 2014 a 2016 para 23,5% entre 2018 e 2019.​

A situação de toda a região preocupa a entidade. "Não vamos esquecer que a América é uma das regiões mais desiguais do mundo, e a desigualdade acentua essas vulnerabilidades", disse nesta segunda Marco V. Sánchez Cantillo, vice-diretor da divisão de desenvolvimento agrícola da FAO. "Quando falamos em América Latina, temos que olhar para a fome pelas lentes da desigualdade."

Por aqui, pesquisa Datafolha de maio já havia medido a sensação de fome. Em média, um a cada quatro brasileiros disse que a quantidade de comida na mesa para alimentar a família foi menor do que o suficiente nos últimos meses. A situação foi mais sentida por mulheres, negros e pessoas menos escolarizadas: faltou comida para 40% dos que têm apenas o ensino fundamental completo. Dentro do país, foi na região Nordeste onde mais pessoas disseram ter passado fome.

Antes do Datafolha, outro estudo havia medido o impacto da pandemia nas mesas do país. Levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan) mostrou que, durante a pandemia, 9% da população, o equivalente a 19 milhões de brasileiros, sofreu insegurança alimentar grave.

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Com os números medidos pelo relatório da FAO, a entidade afirma que o planeta não deve atingir a meta de zerar a fome até 2030, um dos objetivos do desenvolvimento sustentável propostos pela ONU. Ao fim desta década, a organização estima que 660 milhões de pessoas podem passar fome, sendo que 30 milhões desses casos seriam diretamente relacionados aos efeitos duradouros da pandemia.

Não basta ter comida na mesa, é preciso ter acesso a alimentação saudável, algo caro demais para 3 bilhões de pessoas, ou 42% da população global, segundo a FAO —porcentagem que salta para 80,2% quando se trata da África.

Quem mais sofre com a falta de nutrientes são as crianças. O estudo estima que mais de 149 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade tenham tamanho menor do que o indicado para a faixa etária.

Além disso, mais de 45 milhões podem ser consideradas magras demais para a idade, e 39 milhões estão acima do peso. Outras faixas etárias também enfrentam problemas. A pesquisa aponta que cerca de 30% das mulheres do mundo com idade entre 15 e 49 anos sofrem de anemia.

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