Descrição de chapéu talibã Ásia terrorismo

Estado Islâmico ataca aeroporto de Cabul, deixa ao menos 73 mortos e trava retirada do Afeganistão

Grupo é rival do Talibã no país; há pelo menos 60 afegãos e 13 militares americanos entre as vítimas

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São Paulo

A filial afegã do Estado Islâmico promoveu dois ataques suicidas em torno do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, onde afegãos e ocidentais se concentram para tentar uma vaga na retirada liderada pelos EUA do país agora comandado pelo Talibã.

É o maior golpe à já caótica operação ocidental de saída da capital afegã, tomada pelo grupo extremista no dia 15. Segundo o Wall Street Journal, há ao menos 60 afegãos mortos, entre os quais 28 talibãs, afirmou o grupo; o Pentágono confirmou a perda de 13 militares, em um dos mais mortais ataques às forças dos EUA em 20 anos de guerra.

Homem ferido por explosões no aeroporto de Cabul é levado a hospital
Homem ferido por explosões no aeroporto de Cabul é levado a hospital - Jim Huylebroek/The New York Times

Os ataques ocorreram no começo da noite de quinta (26, fim da manhã no Brasil) em Cabul, após a Casa Branca e seus aliados alertarem sobre riscos iminentes de atos terroristas do EI afegão, adversário dos talibãs, o que impactou o processo de retirada do país.

O Talibã, por sua vez, disse "condenar veementemente" o atentado e jogou a responsabilidade no colo dos americanos, já que a ação teria "ocorrido em uma área onde as forças dos EUA são responsáveis pela segurança". O grupo radical também afirmou que uma terceira explosão, ouvida no começo da madrugada de sexta (tarde de quinta no Brasil), foi uma bomba detonada de forma controlada pelos americanos.

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Já os dois artefatos que mataram mais de 70 pessoas e feriram ao menos 140 explodiram na principal entrada do aeroporto, o portão Abbey, e em local próximo ao hotel Baron, nas imediações do terminal aéreo, ainda segundo o Pentágono. A embaixada dos EUA relatou ainda disparos com armas de fogo.

O ataque muda o patamar da crise em curso desde que o Talibã derrubou o governo afegão, na esteira da retirada americana anunciada pelo presidente Joe Biden em abril.

A percepção de que o Ocidente estava correndo para minimizar seu fiasco no Afeganistão, evidenciada na decisão de alguns países de suspender seus voos de evacuação antes dos ataques na quinta, gerou uma renovada corrida de pessoas desesperadas às imediações do aeroporto da capital.

O prazo limite para a ação com presença militar estrangeira é a próxima terça (31), e as explosões não mudaram os planos do governo Biden. Americanos e ocidentais desde quarta diziam haver ameaça terrorista associada ao Estado Islâmico Khorasan, a filial afegã do famoso grupo extremista que chegou a dominar vastas áreas na Síria e no Iraque em meados da década passada.

"Não posso ser mais enfático sobre o desespero da situação. A ameaça é real, iminente, letal", afirmou o ministro das Forças Armadas britânico, James Heappey, corroborando o relato feito na noite de quarta pelo secretário de Estado americano, Antony Blinken, responsável pela diplomacia do país.

A Austrália fez um alerta de segurança semelhante, suspendendo operações.

As explosões acabam coroando o fiasco ocidental em sua retirada afegã. Ele começou com a decisão de antecipar a saída de suas tropas de forma acelerada. Quando o Talibã iniciou sua ofensiva final, no começo de agosto, 95% dos militares ocidentais já haviam saído do país ocupado desde 2001 —data em que o grupo fundamentalista foi derrubado por apoiar a Al Qaeda, que cometera o 11 de Setembro.

Primeiro, os EUA não anteciparam o colapso do governo afegão em duas semanas, com a vitória talibã de 15 de agosto. Depois, fracassaram em organizar uma saída ordeira do país, gerando cenas como a de pessoas caindo de aviões decolando.

Essa debacle foi acompanhada por uma mudança de tom de Biden. Primeiro, o americano pintou um cenário racional e róseo. Depois, lavou as mãos. Ao fim, voltou a se preocupar, enfatizando que "muita coisa podia dar errado". Já deu.

A autoria do EI carrega nuances. Se por um lado ela ajuda o discurso do Talibã, de que não permitiria a operação de evacuação passar da data limite, por outro vai contra tudo o que o grupo tem pregado para tentar obter reconhecimento internacional.

Que os talibãs mintam, isso é de sua história: chegaram ao poder pela primeira vez em 1996 prometendo as mesmas estabilidade e garantias a adversários, mulheres e minorias. Deixaram-no com a fama de açougueiros medievais.

Seja como for, o EI afegão é adversário do Talibã, e o ataque explicita uma situação de segurança nova para um grupo que colocou a rede terrorista aliada Haqqani para cuidar de Cabul. É importante notar que, até aqui, apesar da rivalidade, o EI não era um adversário à altura dos talibãs.

Ele pode, claro, virar uma força assimétrica desestabilizadora. A esta altura, uma alternativa crível é de que o Talibã possa usar o espantalho EI para afugentar de vez os ocidentais, como prepostos para garantir negativas plausíveis de radicalismo.

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Seja como for, o perigo ajuda a justificar a decisão de Biden de não encarar o Talibã e rejeitar uma extensão do prazo da operação, como queriam Reino Unido, Alemanha e França.

Nesta quinta, o esforço de países do norte europeu comandado por uma ponte aérea da Bélgica já havia sido suspenso, provavelmente de forma definitiva.

Cargueiros C-130 Hércules belgas faziam em média cinco voos de ida e volta a Islamabad, no Paquistão. Em seis dias, tiraram 1.400 pessoas de Cabul, em nome da Bélgica, da Holanda e da Dinamarca.

Ao todo, a operação militar já tirou desde 14 de agosto impressionantes 100,1 mil pessoas da cidade, segundo informou a Casa Branca nesta quinta. A cifra dá pouco mais de 2% da população da capital.

Na quarta, Blinken havia dito que o Talibã se comprometera a permitir que pessoas que desejem deixar o país em voos comerciais, ocidentais ou afegãos, o façam depois do dia 31.

Parece duvidoso, dadas as declarações anteriores de Zabihullah Mujahid. O porta-voz talibã havia dito para os EUA pararem de incentivar o êxodo de afegãos qualificados, pois o novo governo precisaria deles. Mas as bombas mudam todo o cenário.

Além disso, continuam os relatos de violência de talibãs contra pessoas que tentam ir ao aeroporto, fora as buscas casa a casa de antigos colaboradores ocidentais. Não existe, obviamente, algum número, mas é factível que centenas de intérpretes e auxiliares tenham ficado para trás —só os EUA contavam 18 mil pessoas que haviam trabalhado ao longo dos anos na embaixada de Cabul.

Com a corrida final para fugir da capital, os EUA começaram a retirar inclusive os seus 6.000 militares enviados para a operação no aeroporto. Com isso, aliados como a França, a Holanda e o Canadá disseram que sua evacuação acaba até esta sexta (27). Após as explosões desta quinta, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que o país ainda vai retirar "mais centenas" de pessoas do país.

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