Combatentes defendem última área não controlada pelo Talibã, sem grandes chances de êxito

Grupo é liderado por Ahmad Massoud, filho do legendário comandante mujahedin Ahmad Shah Massoud

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Carlotta Gall Adam Nossiter
The New York Times

Os primeiros sinais de resistência armada ao Talibã estão vindo de um vale estreito que tem histórico de resistência a invasores.

Apenas dias depois de o Talibã ter invadido a capital e derrubado o governo em uma ofensiva relâmpago, antigos combatentes mujahedins e comandos afegãos anunciaram que se reagruparam e iniciaram uma guerra de resistência na última área do Afeganistão ainda não controlada pelo grupo fundamentalista islâmico.

Um retrato de Ahmad Shah Massoud, ao lado da estrada em Panjshir, no Afeganistão
Retrato de Ahmad Shah Massoud (pai), ao lado de uma estrada em Panjshir, no Afeganistão; Massoud foi morto dois dias antes do atentado de 11 de setembro de 2001 ao complexo World Trade Center, em Nova York - Jim Huylebroek/ The New York Times

O homem que os comanda é Ahmad Massoud, 32, filho do famoso e legendário comandante mujahedin Ahmad Shah Massoud. Massoud filho está seguindo os rastros de seu pai, 20 anos após a morte deste, retomando sua luta renitente contra o Talibã.

Porém, a luta deles enfrenta dificuldades enormes. Por mais estratégico que seja seu reduto, os combatentes dessa resistência estão isolados e cercados pelo Talibã. Seus estoques de alimentos e outros vão acabar em pouco tempo, e eles não contam com apoio externo visível.

Por enquanto, a resistência conta com apenas duas vantagens: o Vale do Panjshir, 110 km ao norte de Cabul, que tem uma tradição longa de repelir invasores, e o nome legendário de Massoud.

Porta-vozes de Ahmad Massoud insistem que ele já atraiu milhares de soldados ao vale, incluindo remanescentes das forças de operações especiais do Exército afegão e alguns dos experientes comandantes guerrilheiros que lutaram com seu pai, além de ativistas e outros que rejeitam o Emirado Islâmico do Talibã.

Os porta-vozes, alguns dos quais estão com Ahmad Massoud no Vale do Panjshir e outros que se encontram fora do país, angariando apoio, disseram que Massoud conta com estoques de armas e materiais bélicos, incluindo helicópteros americanos, mas precisa de mais.

“Estamos aguardando alguma oportunidade, algum apoio”, disse Hamid Saifi, ex-coronel do Exército Nacional afegão e hoje comandante na resistência liderada por Massoud. Ele foi contatado pelo telefone no domingo no Vale do Panjshir. “Talvez alguns países estejam preparados para encarar este grande trabalho. Por enquanto, todos os países com os quais conversamos estão em silêncio. América, Europa, China, Rússia, todos estão calados.”

Massoud pai conquistou sua reputação excepcional por ter resistido a repetidas ofensivas soviéticas na década de 1980, sobrevivendo graças à sua inteligência e às altas montanhas da cordilheira Hindu Kush. Ele lançou emboscadas devastadoras contra comboios russos de transporte de mantimentos, conquistando o respeito relutante de vários generais soviéticos, entre seus adversários.

Massoud liderou o ataque de mujahedins a Cabul que derrubou o governo comunista em 1992, tendo sido nomeado ministro da Defesa. No entanto, nunca recebeu apoio pleno de Washington nem do vizinho Paquistão. Ele sujou as mãos de sangue no conflito civil devastador em Cabul e, quando o Talibã ascendeu ao poder e tomou a capital, em 1996, retirou-se para seu reduto no Vale do Panjshir.

Ao mesmo tempo em que foi perdendo território constantemente, Massoud resistiu ao regime do Talibã por cinco anos, mobilizando uma oposição unida contra um movimento que ele via como totalitário e alheio às tradições afegãs, devido a seu fundamentalismo dogmático.

Ele alertou o Ocidente para o perigo do terrorismo da Al Qaeda. Sob sua liderança, o Vale do Panjshir virou uma espécie de posto avançado de escuta da inteligência ocidental, um enclave livre da etnia tadjique minoritária em um país dominado pelo regime pashtun do Talibã, além de representar um espinho constante no calcanhar do Talibã.

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Está claro que Ahmed Massoud aspira a exercer o mesmo papel que seu pai, que morreu assassinado pela Al Qaeda dois dias antes do 11 de Setembro de 2001, como uma espécie de presente ao regime do Talibã que deu abrigo à Al Qaeda.

Mas há diferenças importantes entre a situação da época e a de hoje. O pai contava com linhas de fornecimento que atravessavam a fronteira do Tadjiquistão, permitindo que a resistência se abastecesse por um período longo.

Desde então, o Talibã aprendeu bem as lições de conflitos militares passados e fez questão de cortar o acesso às fronteiras do Afeganistão e isolar o Vale do Panjshir antes de avançar para Cabul.

Outro fator é que Massoud filho possui pouca experiência militar, apesar de ter estudado no Royal Military College de Sandhurst, no Reino Unido, e no King’s College de Londres e ter conquistado um diploma em estudos de guerra antes de retornar ao Afeganistão em 2016. Ele falou em tom desafiador no último fim de semana.

Homem de cabelo e barba preta dá entrevista em um ambiente com fundo cheio de árvores
Ahmad Massoud (filho), durante uma entrevista em sua casa em Bazarak, província de Panjshir, no Afeganistão; 5 de setembro de 2019 - Mohammad Ismail/Reuters

“Enfrentamos a União Soviética e seremos capazes de enfrentar o Talibã”, disse Massoud ao canal de televisão Al Arabiya, sediado em Dubai, no domingo (22). Seu pai resistiu a nove ofensivas soviéticas, e Ahmad Massoud insiste que poderá honrar esse legado.

Ele partiu às pressas para o Vale do Panjshir em um helicóptero militar em 15 de agosto, depois de o Talibã ter passado sobre as defesas do governo no flanco ocidental de Cabul e de o presidente Ashraf Ghani ter fugido do país.

Ao mesmo tempo, o vice-presidente Amrullah Saleh partiu para o Vale do Panjshir, jurando combater e não se sentar sob o mesmo teto que o Talibã. Foi atacado duas vezes no caminho, mas conseguiu chegar, disse em entrevista na semana passada Mohammad Zahir Aghbar, que vem atuando como embaixador afegão no Tadjiquistão.

É possível que Massoud e seus seguidores tenham adotado uma postura dura para ganhar influência nas barganhas que terão lugar sobre a formação de qualquer novo governo.

“Preferimos a paz”, falou em mensagem telefônica o chefe de gabinete de Massoud, Fahim Dashty. “Estamos dispostos a participar de negociações para alcançar a paz, mas não apenas a paz. Queremos um governo inclusivo no Afeganistão, um governo que represente todos os diferentes grupos étnicos do país, que assegure os direitos da população afegã, os direitos humanos, os direitos das mulheres e que garanta a justiça social no Afeganistão.”

Mas o conflito já estava em andamento. Os partidários de Massoud disseram que suas forças atacaram um comboio do Talibã em Andarab, no lado norte do túnel de Salang, fazendo baixas pesadas, derrubando uma ponte e cortando uma rodovia crítica que liga a capital ao norte do país.

Antigos funcionários do alto escalão do governo afegão recentemente deposto relutam em falar das chances de êxito do movimento. “Não acredito que a resistência dure muito tempo sem ajuda internacional”, comentou um antigo funcionário. “Acho que o Talibã vai esmagá-la nos próximos meses”, afirmou, sob condição de anonimato.

Grupo de combatentes fardados enfileirados escuta ordens do comandante
Movimento de resistência afegã e forças de levante anti-Talibã participam de treinamento militar na área de Abdullah Khil do distrito de Dara, na província de Panjshir, no Afeganistão; 24 de agosto de 2021 - Ahmad Sahel Arman/ AFP

Matin Bek, ex-integrante da equipe de negociações do governo com o Talibã, sugeriu que alguns adversários estariam esperando para ver como o Talibã vai governar, mas que a resistência pode mobilizar a oposição. “Se ela combater o Talibã, pode converter-se em esperança para a nação inteira”, disse ele.

Por enquanto, contudo, “não sabemos qual será o destino dessa resistência”, disse Bek. “Vai resistir ou vai negociar? Não sei quem está dando apoio a ela.”

O ex-líder governamental mais destacado a refugiar-se no Vale do Panjshir é Saleh, ex-chefe do Diretório Nacional de Segurança e antigo colaborador de Massoud pai. Na semana passada, ele se proclamou o presidente legítimo do Afeganistão, rejeitando a tomada do poder pelo Talibã.

“O Talibã não demonstra nenhuma disposição de lançar negociações reais”, escreveu Saleh em mensagem de texto. “Quer lealdade, rendição ou subordinação. O que nós oferecemos é muito simples. As pessoas precisam ter voz em qualquer decisão que determine o caráter do Estado.”

Tradução de Clara Allain  

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