Governo gasta ao menos R$ 300 mil com viagem de 'Bolsonaro da África' ao Brasil

Despesas não incluem envio de voos da FAB à Guiné-Bissau para buscar e levar Umaro Sissoco Embaló

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Brasília

A viagem ao Brasil do presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, custou ao governo federal ao menos R$ 300 mil, entre desembolsos com hospedagem, veículos oficiais e eventos.

A despesa total, porém, foi ainda maior, porque os custos do envio de avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para buscar o líder estrangeiro e levá-lo de volta ao país africano não foram contabilizados na planilha enviada pelo Itamaraty, após pedido feito com base na LAI (Lei de Acesso à Informação).

Os voos da FAB com Embaló entre Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro tampouco foram incluídos na tabela de despesas. Também questionado via LAI, o Ministério da Defesa afirmou que custos que envolvem aviões militares são sigilosos.

Jair Bolsonaro com o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, em visita do africano a Brasília - Pedro Ladeira - 24.ago.21/Folhapress

Embaló esteve no Brasil na semana de 24 de agosto. Ele foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro —de quem é admirador— e participou como convidado de honra das celebrações pelo Dia do Soldado.

Em 26 de agosto, viajou a São Paulo para visitar o Museu da Língua Portuguesa. No dia seguinte, esteve no Rio de Janeiro para conhecer o Comando de Operações Navais da Marinha.

Embaló já foi chamado pelo líder brasileiro de "Bolsonaro da África" e é criticado por promover uma guinada autoritária na Guiné-Bissau. Opositores o acusam de tentar implementar uma ditadura no país.

A planilha de custos enviada pelo Ministério das Relações Exteriores com a viagem de Embaló soma R$ 294,2 mil. Desse montante, foram gastos R$ 177,9 mil com eventos e R$ 99,8 mil com hospedagem.

A disponibilização de veículos para o africano —o que inclui o aluguel de carros, de acordo com diplomatas— saiu por R$ 16,4 mil. As despesas abarcam os gastos totais do ministério com a comitiva estrangeira e incluem a estrutura necessária tanto para receber Embaló e seus assessores como para o trabalho de integrantes do governo brasileiro.

Na resposta enviada ao pedido de acesso à informação feito pela Folha, o Itamaraty destacou que "cortesias oferecidas por governo local a chefe de Estado e chanceler estrangeiro em visita oficial constituem prática de uso corrente observada pela comunidade internacional".

"Cumpre ressaltar que, nas viagens ao exterior dos senhores presidente da República e ministro de Estado [das Relações Exteriores], os países anfitriões costumam estender as mesmas cortesias."

A chancelaria encaminhou os gastos realizados com duas visitas oficiais realizadas em 2015, a título de comparação. Naquele ano, o Itamaraty desembolsou R$ 153 mil e R$ 171 mil na recepção dos líderes de China e Coreia do Sul, respectivamente.

Embora arcar com esses custos seja comum na diplomacia, a viagem de Embaló ao Brasil chamou a atenção pela falta de anúncios e por uma pauta bilateral de pouca substância.

Em 2020, o Brasil exportou cerca de US$ 3,4 milhões para a Guiné-Bissau e importou US$ 606 mil do país africano. Diplomatas avaliaram internamente que o encontro foi motivado principalmente pela proximidade ideológica entre os dois líderes.

Alexandre dos Santos, professor de África no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), tem opinião semelhante.

"Embaló veio fazer turismo ideológico no Brasil. Bolsonaro está isolado, e a mesma coisa ocorre com Embaló: ninguém quer uma proximidade com ele na África Ocidental", afirma.

A declaração oficial feita por Bolsonaro e Embaló no Palácio do Planalto, em 24 de agosto, durou aproximadamente cinco minutos. Além de chamar Embaló de irmão, Bolsonaro disse que a Guiné-Bissau é a "porta de entrada para a África Ocidental". "Eu considero um país irmão, nós temos muito a colaborar com a Guiné-Bissau, e eles também, no tocante à segurança do Atlântico Sul", disse Bolsonaro.

Embaló, por sua vez, destacou que o Brasil "tem tudo que a Guiné-Bissau mais precisa" e citou a modernização da agricultura e a área da saúde. "Temos passado por crises cíclicas, e o Brasil nunca virou as costas ao povo irmão da Guiné-Bissau."

O comunicado que o Itamaraty divulgou sobre a reunião entre os dois líderes tem quatro parágrafos.

A nota informou que Bolsonaro e Embaló passaram em revista a agenda bilateral, com vistas a aprofundar o diálogo político e a cooperação técnica entre os dois países. "Atualmente, encontram-se em execução projetos nas áreas de agricultura; saúde; capacitação de diplomatas, militares e forças de segurança; alimentação escolar; ensino superior; e gestão de recursos hídricos", afirmou a chancelaria.

Mesmo os poucos compromissos oficiais de Embaló no Brasil sofreram desfalques.

Ele tentou se encontrar com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). No final, foi recebido pelo vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB).

Em São Paulo, chegou a ser agendado um encontro com o governador João Doria (PSDB), mas o tucano cancelou a reunião.

Questionado, o Itamaraty informou que Embaló ​teve ainda outros dois compromissos no Brasil.

Em São Paulo, ele manteve "agenda de natureza privada com cerca de 150 membros da comunidade bissau-guineense". E, no Rio, fez uma visita a uma clínica que presta serviços de hemodiálise para o SUS (Sistema Único de Saúde) junto ao ministro Marcelo Queiroga.

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