Descrição de chapéu terrorismo

No 11 de Setembro, ataques derrubaram Torres Gêmeas e 'Dia da Boa Notícia'

Portal iG, um dos mais acessados no Brasil à época, programou data para se dedicar exclusivamente a notícias positivas

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Brasília

O telefone tocou perto das 23h do dia 10 de setembro de 2001. Do outro lado, um dos editores do jornal Correio Popular, de Campinas, informava em tom de urgência que o então prefeito da cidade, Toninho do PT, acabara de ser assassinado a tiros no trânsito.

O Correio Popular era parceiro do iG, na época o maior provedor de internet grátis do país e um dos sites mais acessados pelos brasileiros. Suas reportagens eram replicadas na homepage do portal.

A cobertura do crime envolvendo o prefeito de Campinas certamente seria uma grande fonte de audiência para o veículo paulista –e também, claro, para o iG. Responsável pelas parcerias regionais do site à época, pedi uns minutos ao colega de Campinas e telefonei para Leão Serva, diretor de jornalismo do portal.

Avião sequestrado por terroristas em direção a torre do World Trade Center, em Nova York
Avião sequestrado por terroristas em direção a torre do World Trade Center, em Nova York - Seth McAllister - 11.set.01/AFP

A ideia era confirmar se a escolha do dia 11 de setembro como o "Dia da Boa Notícia", em que notícias ruins seriam ignoradas durante 24 horas, estava mantida diante da morte do prefeito da terceira maior cidade de São Paulo e uma das mais ricas do país.

Retornei ao jornalista do Correio para informar, constrangido, que a partir da meia-noite, portanto minutos depois, a morte do prefeito não seria uma prioridade para o iG em razão do "Dia da Boa Notícia". A reação do outro lado da linha foi de incredulidade.

A manhã seguinte foi planejada com antecedência para entrar na história do iG, lançado em 2000 pelos grupos GP Investimentos e Opportunity, sob a presidência do publicitário Nizan Guanaes.

Sediado na endinheirada rua Amauri, no Itaim Bibi, o iG foi uma das grandes novidades do boom da internet brasileira no começo dos anos 2000. A Redação do seu jornal digital, Último Segundo, era formada por jovens jornalistas sob a batuta de Leão, que já foi secretário de Redação da Folha.

O "Dia da Boa Notícia" foi pensado pelo comando da empresa como uma estratégia de marketing em meio a uma escalada de noticiário negativo, sobretudo relacionado à segurança pública. Pouco antes do 11 de Setembro, Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos, havia sido sequestrada. Após sua libertação, o mentor da ação, Fernando Dutra Pinto, invadiu a mansão do dono do SBT, em uma fuga cinematográfica.

O problema é que o dia escolhido para a ação foi o mesmo em que os EUA sofreram o maior atentado de sua história. Ao todo, quase 3.000 pessoas morreram, 2.753 das quais nos ataques ao World Trade Center, em Nova York. Para quem trabalhava no iG, a data é lembrada como um dos episódios mais surreais do jornalismo. Hoje, duas décadas depois, Leão afirma que, para ele, era "totalmente bizarro falar em dia da boa notícia”.

Na época do barulhinho da internet discada, a primeira página do provedor era o cartão de visitas dos portais, e o “iG ficou visível só com boas notícias". "As más eram cadastradas separadamente", lembra ele, hoje diretor de jornalismo da TV Cultura, que transmitirá no sábado (11) um especial sobre o episódio.

Segundo o jornalista, a data foi escolhida aleatoriamente, com base num prazo estabelecido numa reunião de editores, cerca de um mês antes, para que a equipe produzisse reportagens com conotação positiva. Uma delas tratava da reciclagem de papelão, outra de um acervo de fitas de filmes antigos, por exemplo.

Os jornalistas da Redação não gostaram da ideia, já que havia o temor de que o noticiário do dia atropelasse a iniciativa. “Apesar de eu ter tido alguns dias para produzir reportagens, não era uma situação confortável”, lembra Francisco Itacarambi, da equipe que editava o noticiário de economia.

Depois de o portal ignorar a primeira colisão do avião com uma das torres, às 9h46, Carina Martins, editora da homepage à época, para quem o "'Dia da Boa Notícia' jamais deveria ter existido”, decidiu ignorar a decisão da chefia e publicar o relato do choque da outra aeronave com a segunda torre, às 10h03.

Na Redação, de pé, ligou para Leão, sob olhares assustados meus e de Itacarambi. “Eu falei: ‘Leão, bateu na segunda torre, é terrorismo, não é acidente. Acabou o 'Dia da Boa Notícia'. Vamos dar e quando você chegar aqui pode me demitir’”, recorda ela.

Antes, ela já havia consultado o chefe sobre noticiar a primeira colisão. "Acabou o 'Dia da Boa Notícia', né?’" Leão, que estava na rua no momento, não havia visto a imagem do choque do avião com a torre.

“A minha reação foi a de um capitão disciplinado. Eu disse: 'A cada má notícia você vai me ligar?’”, lembra ele. Carina afirma que, em defesa do ex-chefe, a postura que ele manteve era a que havia sido combinada.

Leão agradece até hoje a jornalista pela quebra de hierarquia ao apenas comunicá-lo da decisão de derrubar a ideia. Para Carina, o "Dia da Boa Notícia" não foi um erro grave do jornalismo. "O jornalismo foi quem interrompeu e derrubou aquilo", no fim uma ideia de marketing.

Hoje, Leão tira duas lições. Jamais faria algo do tipo outra vez, uma mostra "de que não se deve brincar com o destino do jornalismo”. “Desde então, no entanto, me convenci da necessidade de cobrir boas notícias de impacto na sociedade, porque somos muito vocacionados para cobrir violência, criando essa percepção na população de que gostamos de má notícias.”

Após o iG enfim noticiar os atentados, Leão entrou correndo na Redação e começou a escrever um editorial. O título? Mais ou menos assim: “O iG tentou, mas a história não deixou”.

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