Vitória eleitoral na República Tcheca oferece caminho para barrar populistas

Premiê foi derrotado por coalizões que vão de conservadores nacionalistas a esquerdistas

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Andrew Higgins
Rozdrojovice (República Tcheca) | The New York Times

Marie Malenova, uma aposentada tcheca de uma aldeia próspera na Morávia do Sul, não votava desde 1989, quando o país realizou as primeiras eleições livres após mais de 40 anos de regime comunista.

Ela, porém, decidiu votar de novo, um acontecimento tão incomum que sua família, incrédula, registrou a mudança de opinião com fotos dela depositando o voto na grande urna branca no centro cívico da cidade.

Malenova disse que não gostava muito das pessoas em quem votou, uma coalizão de partidos de centro-direita antes divididos, descrevendo-as como "um mal menor entre nossos muitos ladrões".

Apoiadores de colaizão que derrotou o premiê tcheco, Andrej Babis, celebram resultado da eleição em Praga
Apoiadores de colaizão que derrotou o premiê tcheco, Andrej Babis, celebram resultado da eleição em Praga - Milan Kammermayer - 9.out.21/Reuters

Mas pelo menos elas tinham uma mensagem clara: podemos vencer Andrej Babis, o premiê populista e bilionário tcheco. "Queria uma mudança", disse Malenova, "e algo que conseguisse derrotar Babis."

Durante a última década, populistas muitas vezes pareceram politicamente invencíveis, ascendendo ao poder em toda a Europa Central e Oriental como parte de uma tendência global de líderes fortes que desprezam as normas democráticas. Mas o aparentemente imbatível Babis foi derrotado porque os partidos de oposição deixaram de lado as diferenças ideológicas e se uniram para expulsar um primeiro-ministro que eles temem que tenha erodido a democracia do país.

Seu sucesso poderá ter grandes repercussões na região e além dela. Na Hungria e na Polônia, onde líderes nacionalistas danificaram as instituições democráticas e tentam minar a União Europeia, oposicionistas se mobilizam, tentando forjar frentes unidas para afastar líderes populistas nos próximos pleitos.

"O populismo pode ser vencido", diz Otto Eibl, diretor do departamento de ciência política da Universidade Masaryk, em Brno, capital da Morávia do Sul. "O primeiro passo para vencer um líder populista é suprimir os egos individuais e fazer compromissos com o objetivo de produzir uma mudança."

O maior embate poderá ocorrer na Hungria, onde o primeiro-ministro Viktor Orbán se promoveu como o porta-estandarte da "democracia iliberal" na Europa, enquanto seu partido, o Fidesz, removeu constantemente os controles democráticos e sufocou a mídia independente e o Judiciário.

Orbán adotou posições políticas de direita, como hostilidade à imigração, à União Europeia e aos direitos LGBT+ (embora mostre-se adepto e tenha adotado políticas sociais de esquerda), que foram imitadas por seus aliados na Polônia, do partido Lei e Justiça (PiS), que lidera o governo.

Nos últimos anos, defensores da democracia liberal foram surpreendidos em seus esforços para reconquistar o poder de líderes nacionalistas hábeis em instigar o medo e se apresentar como salvadores.

Diante de máquinas políticas bem azeitadas e financiadas, como o Fidesz, de Orbán, ou o Ano, de Babis, as forças de oposição estiveram notoriamente divididas —até agora.

Andrej Babis, primeiro-ministro da República Tcheca e líder do partido Ano, durante entrevista coletiva em Praga
Andrej Babis, primeiro-ministro da República Tcheca e líder do partido Ano, durante entrevista coletiva em Praga - Bernadett Szabo - 9.out.21/Reuters

Neste fim de semana, seis partidos húngaros de oposição completarão uma primária de seis semanas, a primeira desse tipo, para formar a lista de potenciais candidatos em cada distrito eleitoral a se opor ao partido de Orbán. A coalizão inclui grupos que vão de conservadores nacionalistas a esquerdistas que discordam sobre a maioria das coisas, mas compartilham um desejo ardoroso de se livrar do premiê.

Na Polônia, Donald Tusk, ex-primeiro-ministro e ex-presidente do Conselho Europeu, tentou unir o principal partido de oposição e pessoas que não costumam votar, na tentativa de atrair o apoio de uma série de outros grupos de oposição. Os apelos pela união da oposição também foram evidentes na Rússia, onde as eleições parlamentares realizadas no mês passado não foram livres nem justas.

Aliados do líder de oposição preso Alexei Navalni tentaram convencer os eleitores a se unirem em torno de um único candidato de oposição em cada zona eleitoral, quer gostassem do candidato quer não, em nome de tentar ganhar um único lugar e romper o domínio total do poder pelo presidente Vladimir Putin.

Não funcionou —em parte porque a maior parte dos candidatos de oposição foram mantidos fora das listas eleitorais, mas também porque o governo Putin pressionou as empresas a removerem um aplicativo de "voto inteligente" que a oposição estava usando para coordenar sua campanha.

Assim como Putin, os líderes populistas europeus afirmam estar defendendo valores cristãos tradicionais contra os liberais decadentes, mas, ao contrário do líder russo, eles ainda não realizaram eleições.

Até recentemente, foram ajudados pelo fato de que os partidos de oposição dividiam os votos, fazendo que poucos deles tivessem grande possibilidade de vencer partidos governantes altamente organizados.

Esses partidos no governo também adquiriram controle significativo da mídia. Na República Tcheca, Babis possui uma empresa de mídia com jornais, sites e outros canais de notícias. Na Hungria, Orban colocou a TV estatal e grande parte da mídia privada sob o controle de aliados ou parceiros empresariais.

Peter Kreko, diretor do grupo de pesquisas políticas Capital Político em Budapeste, descreveu a Hungria como "o Estado mais dominado, com o ambiente de mídia mais centralizado" da Europa. Mas ele disse que a nova mobilização dos partidos de oposição poderá mudar a dinâmica política lá. "Eles têm uma boa mensagem: se você lutar contra os populistas, as coisas poderão ser diferentes."

Nas eleições tchecas, esse foi o principal tema. Embora Babis seja considerado menos radical que Orbán, ele alienou muita gente na República Tcheca. Eles o veem como um prepotente cuja riqueza e ligações empresariais lhe deram um poder incomum.

Marie Jikova, candidata anti-Babis bem sucedida na Morávia do Sul, parte de uma das duas coalizões de oposição, disse que enfrentar o premiê unidos "era a única maneira de sobreviver —não havia alternativa".

Seu partido, o Democratas Cristãos, difere das legendas mais centristas de sua coalizão em temas como aborto e casamento homoafetivo, por isso "concordamos em não falar sobre essas questões durante a campanha", disse ela. Diante de um bloco unido de rivais de centro-direita, Babis e seu partido Ano se desviaram à direita, combatendo a imigração e a UE. Babis convidou Orbán para fazer campanha com ele.

"Ele estava desesperado para encontrar temas que assustassem as pessoas, convencendo-as de que só ele poderia salvá-las", disse Jikova em uma entrevista em Brno. "Felizmente, não funcionou."

Nacionalmente, as alianças de oposição obtiveram 108 das 200 cadeiras do Parlamento, uma clara maioria. Em Rozdrojovice, onde Malenova votou pela primeira vez desde 1989, sua coalizão se beneficiou de um alto comparecimento e ganhou 37,3% dos votos, um grande salto em relação ao que seus partidos componentes conseguiram quando disputaram separadamente quatro anos atrás.

Petr Jerousek, que dirige uma empresa de vinhos e tem um bar em Rozdrojovice, disse que seus clientes geralmente não falam muito sobre política, mas, diante da opção entre Babis e seus inimigos, "às vezes eles ficam bem entusiasmados na discussão". Jerousek estava em êxtase com os resultados finais no sábado. "As pessoas finalmente abriram os olhos", disse. "Elas estão fartas."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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