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Casa Branca destoa de Bolsonaro ao informar a jornalistas até a cor da gravata de Biden

Durante G20, líderes globais consideram praxe prestar contas de compromissos e posições em entrevistas

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Bruxelas

Sexta, 29 de outubro, 2h46: "O avião do presidente pousou em Roma às 2h24. Ele desembarcou às 2h36. Vestia um terno escuro e uma gravata azul. A primeira-dama usava um vestido vermelho e calçava sapatos de salto da mesma cor. Antes de entrar no carro, o presidente conversou com auxiliares que o esperavam na pista".

Sexta, 29 de outubro, 16h22: "Presidente, o papa abençoou seu rosário? / Sim / O que falaram sobre clima? / Sobre a necessidade e a responsabilidade moral que temos de lidar com isso / A questão do aborto surgiu? / Surgiu. Ele disse que estava feliz por eu ser um bom católico e eu deveria continuar recebendo a comunhão. / O papa lhe deu comunhão hoje? / Não".

Sábado, 30 de outubro, 14h58: "Informação de contexto: Todos os líderes se manifestaram em apoio a um imposto mínimo global. O presidente mencionou que, embora não concordemos em todas as questões, podemos abordar os interesses comuns".

Biden, de terno escuro, cruza os braços em frente ao peito, sentado
O presidente americano, Joe Biden, fala no começo de encontro sobre cadeias de suprimento, na cúpula do G20, em Roma - Brendan Smialowski - 31.out.2021/ AFP

Domingo, 31 de outubro, 19h23: "Lembrete: daqui a dois minutos começa a entrevista coletiva do presidente".

Segunda, 1º de novembro, 10h40: "Na partida, o presidente foi recebido no aeroporto por diplomatas. Acenou do topo da escada e embarcou às 9h08. Estamos rumando para a decolagem às 9h16".

Do momento em que o americano Joe Biden desembarcou do Air Force 1 em Roma, na madrugada de sexta (29), àquele em que voltou ao avião presidencial, na manhã de segunda (1º), jornalistas inscritos na lista de informações da Casa Branca receberam 73 e-mails dos assessores para orientá-los na cobertura.

Durante a cúpula do G20, que aconteceu na capital italiana no final de semana, a relação do governo dos EUA com a mídia —e com a opinião pública— contrastou com a do governo brasileiro. Agendas detalhadas, resumos de encontros e de reuniões bilaterais, transcrições de entrevistas e até o cardápio das refeições era compartilhado com os repórteres a uma média de quase uma nova informação por hora.

No mesmo período, 11 mensagens foram enviadas via WhatsApp aos jornalistas brasileiros que foram a Roma para cobrir a viagem do presidente Jair Bolsonaro. Dessas, apenas uma tratava de algo que tivesse sido dito por ele: um link para o texto do discurso na abertura da cúpula, no sábado (30), publicado no site do governo algumas horas depois de ter sido lido pelo presidente.

A escassez de informação refletiu tanto a ausência de encontros importantes —durante o G20, Bolsonaro não teve nenhuma reunião bilateral com os líderes das 19 maiores economias do mundo ou com a União Europeia— quanto a decisão do presidente de não se submeter a perguntas dos jornalistas.

A Presidência não agendou nenhuma entrevista coletiva formal ou informal durante o evento, uma prática comum em viagens desse tipo, inclusive nas do próprio Bolsonaro no começo de seu governo.

Além da Itália, que sediou o G20, Canadá, Reino Unido, França e Espanha são alguns dos países que reservaram salas especiais para que seus líderes respondessem às perguntas dos jornalistas. Mesmo presidentes autoritários, como Recep Tayyip Erdogan, prestaram contas: a entrevista coletiva do líder turco aconteceu às 17h30 de domingo (31), na sala Shakespeare.

O premiê canadense, por sua vez, fez duas rodadas. "Nossas empresas gastam muito dinheiro para nos mandar para cá, e há uma expectativa de que o primeiro-ministro esteja acessível para responder às perguntas feitas em nome da população canadense", afirmou o repórter Glen McGregor, da emissora CTV.

Segundo ele, é praxe que o líder de seu país faça ao menos uma entrevista coletiva formal ao final de eventos como o G20, para explicar compromissos feitos e posições tomadas.

O presidente francês, Emmanuel Macron, que também responderia a perguntas da mídia na tarde de domingo, após a entrevista coletiva do italiano Mario Draghi, fala rapidamente com os jornalistas todos os dias, de acordo com Olivier de Galzain, da Radio France. O premiê espanhol, Pedro Sánchez, deu entrevistas a repórteres de seu país na sexta, na Academia de España en Roma, e, no domingo, no centro de convenções em que aconteceu o G20, segundo a produção da emissora TVE.

Já Bolsonaro, além de duas frases ditas na chegada à embaixada em Roma, onde se hospedou, parou uma vez para falar com parte dos repórteres que faziam plantão no local. Os outros, sem informação completa sobre a agenda do presidente, tentavam sair de onde ocorria o G20, a 10 km de distância dali.

Houve duas outras conversas com jornalistas, mas uma foi para italianos. Na noite de sexta, ele fez um convite informal aos repórteres das emissoras Record e CNN Brasil para jantar na embaixada.

No domingo, enquanto os principais líderes europeus se reuniam na Fontana di Trevi, deu entrevista ao canal italiano SkyTV24, na qual atacou seu principal rival, o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Jornalistas brasileiros tentaram entrevistar o presidente quando ele saiu para caminhar na noite de domingo, mas foram afastados e agredidos por agentes à paisana, que não quiseram se identificar. "Não te devo satisfação, rapaz", respondeu Bolsonaro ao repórter do UOL que questionou sua ausência na COP26, conferência climática considerada a mais importante desde o Acordo de Paris, em 2015.

Durante os três dias em que Bolsonaro esteve em Roma, a Secretaria de Comunicação da Presidência não respondeu a pedidos dos repórteres para que o presidente desse uma entrevista coletiva organizada, nem ao menos de que desse uma declaração sobre suas impressões das reuniões em que representou o Brasil.

A dificuldade de comunicação dos brasileiros destoa da de outras delegações. "Claro que há sempre uma tensão entre os jornalistas e a assessoria sobre quanto acesso os repórteres conseguem ter a ele. Jornalistas sempre querem mais. Mas a assessoria entende que precisa providenciar ao menos um acesso razoável a ele e a alguns de seus ministros", diz o canadense McGregor.

Segundo ele, há assessores encarregados de facilitar o acesso dos jornalistas ao premiê. Eles fornecem a agenda detalhada com dois dias de antecedência e fazem resumos das reuniões e das conversas, embora muitos sejam considerados pelo repórter como "decepcionantes pela falta de detalhes". "Nessas horas, comparamos com o resumo feito pela equipe do líder com quem ele se encontrou."

O francês De Galzain afirma que, caso falte alguma informação sobre agenda ou posicionamento de Macron, seus assessores sempre respondem a pedidos de esclarecimento. "E fazem isso com rapidez."

No caso brasileiro, ao menos seis perguntas da Folha feitas diretamente à Secom —de detalhes da agenda a pronunciamentos sobre questões específicas— foram ignoradas, e telefonemas, não atendidos.

Uma questão sobre quem eram os seguranças do presidente quando jornalistas foram agredidos e sobre se o governo gostaria de se pronunciar sobre o episódio está sem resposta desde as 20h28 de domingo.

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