China contrata agentes para manipular debate no Facebook e no Twitter

Pequim lançou campanha online global para polir sua imagem e diminuir as acusações de abusos aos direitos humanos

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Muyi Xiao Paul Mozur Gray Beltran
The New York Times

Inunde as redes sociais globais com contas falsas usadas para promover uma agenda autoritária. Faça-as parecer verdadeiras e aumente o número de seus seguidores. Procure críticos online do Estado e descubra quem são e onde vivem.

O governo da China lançou uma campanha online global para polir sua imagem e diminuir as acusações de abusos aos direitos humanos. Grande parte da iniciativa ocorre nas sombras, escondida atrás de redes de robôs que geram postagens automáticas e perfis online difíceis de localizar.

Pessoas usam celular em loja da Huawei em Shenzen, na China - Aly Song - 30.out.2019/Reuters

Agora, um novo conjunto de documentos vistos por The New York Times revela em detalhes precisos como as autoridades chinesas usam empresas privadas para gerar conteúdo sob demanda, atrair seguidores, identificar os críticos e oferecer outros serviços para campanhas de informação. Essa operação cada vez mais se desenrola em plataformas internacionais como Facebook e Twitter, que na China são bloqueadas pelo governo.

Os documentos, que faziam parte de uma licitação para empreiteiras, oferecem uma rara visão de como a extensa burocracia chinesa atua para disseminar propaganda e moldar a opinião pública nas redes sociais globais. Eles foram tirados do ar depois que o Times contatou o governo chinês para que falasse sobre eles.

Em 21 de maio, uma divisão da polícia de Xangai postou um anúncio online pedindo propostas de empreiteiras privadas para o que é chamado pelas autoridades chinesas de "gestão da opinião pública". As autoridades contaram com empresas de tecnologia para ajudá-las a acompanhar as redes sociais domésticas e moldar ativamente a opinião pública por meio de censura e disseminação de posts falsos no país. Só recentemente as autoridades e a indústria de gestão da opinião voltaram sua atenção para além da China.

A polícia de Xangai desejava criar centenas de contas falsas no Twitter, Facebook e outras grandes plataformas de rede social. O departamento de polícia enfatizou que a tarefa era urgente, sugerindo que quer lançar as contas rapidamente para influir nas discussões.

Redes de contas robóticas como as que a polícia de Xangai quer comprar impeliram um aumento do tráfego online pró-China nos últimos dois anos. Às vezes as postagens dessas redes nas plataformas sociais reforçam relatos oficiais do governo com "likes" ou repostagens. Outras atacam usuários das redes que criticam as políticas do governo.

O departamento de polícia desejava uma atualização em sofisticação e potência: uma série de contas com seguidores reais que podem ser dirigidos para as finalidades do governo quando necessário.
O pedido sugeria que as autoridades policiais compreendessem a necessidade de forte engajamento com o público através desses perfis de aluguel. O engajamento mais profundo dá credibilidade aos perfis falsos num momento em que as companhias de rede social cada vez mais derrubam contas que parecem falsas ou coordenadas.

As duas redes robóticas que foram ligadas ao governo chinês se destacam pela falta de engajamento com outras contas, segundo especialistas em desinformação. Embora elas possam ser usadas para enganar pessoas e reforçar o número de likes em posts do governo, a maioria dessas contas automatizadas tem pouca influência individual, já que possuem poucos seguidores.

Em sua postagem, as autoridades usaram uma frase comum entre a polícia da internet chinesa, que significa rastrear a pessoa real por trás de uma conta de rede social: "tocar o solo".

Com frequência cada vez maior, a polícia da internet do país caçou e ameaçou usuários da rede mundial que manifestam suas opiniões. No início, seus agentes se concentraram nas plataformas de redes sociais. Em 2018, começaram uma nova campanha para deter usuários do Twitter na China —donos de contas que tinham encontrado maneiras de contornar os bloqueios do governo— e obrigá-los a deletar suas contas.

Agora, a campanha se estende a cidadãos chineses que vivem fora da China. O documento explica como a polícia de Xangai pretende descobrir a identidade de pessoas por trás de certas contas e rastrear as conexões de seus usuários com o continente. Os policiais podem então ameaçar suas famílias na China ou deter os donos das contas quando retornam ao país, para forçar os críticos a deletar postagens ou até contas inteiras.

Em campanhas de informação anteriores na China, contas robóticas foram usadas para acrescentar um número irreal de likes e retuítes de posts do governo e da mídia estatal. O fluxo de tráfego criado pode aumentar a probabilidade de as publicações serem mostradas por algoritmos de recomendação em muitos sites de rede social e mecanismos de pesquisa.

Conforme as campanhas de propaganda da China se desenvolveram no exterior, passaram a contar mais com a mídia visual. As autoridades procuravam uma empresa para manter e mobilizar contas falsas e também para gerar conteúdo original. A demanda por vídeos é alta.

Outro documento visto pelo Times mostra que a mesma divisão local da polícia de Xangai comprou serviços de vídeo de outra companhia em novembro. A polícia pediu ao fornecedor pelo menos 20 vídeos por mês, assim como sua distribuição nas redes sociais domésticas e internacionais. O documento mencionava a tarefa como produção de vídeo original que seria usado para travar a "batalha da opinião pública".

No início deste ano, uma análise do Times e da ProPublica mostrou que milhares de vídeos retratando membros da minoria étnica uigur vivendo felizes e livres eram uma parte chave da campanha de desinformação que o Twitter acabou atribuindo ao Partido Comunista Chinês. Quando o Twitter derrubou a rede por trás desses posts, cancelou contas ligadas a uma empresa que disse ter ajudado a fazer vídeos de propaganda. Um porta-voz do Twitter não quis comentar.

Três semanas depois que o pedido do departamento de polícia de Xangai foi divulgado, uma empresa chamada Shanghai Cloud Link venceu a concorrência, segundo os documentos. Em sua proposta, a companhia disse ter apenas 20 funcionários. Segundo a página de seu fundador, Wei Guolin, no Linkedin, a companhia trabalha com firmas multinacionais e oferece serviços de "governança digital" e "cidades inteligentes".

Wei não respondeu a um pedido de comentários. O Departamento de Segurança Pública de Xangai Pudong não respondeu a um pedido de comentários enviado por fax.

Trabalhos como o anunciado pela Shanghai Cloud Link são provavelmente apenas a ponta do iceberg. Governos locais e a polícia de toda a China postaram pedidos de serviços semelhantes para influenciar redes sociais no exterior, mas geralmente em termos vagos. Às vezes, detalhes são revelados.

Em 2017, por exemplo, a polícia da Mongólia Interior comprou software que permitia que trolls do governo publicassem diretamente em vários sites de rede social, dentro e fora da China, segundo os documentos vistos pelo Times.

Em outro caso, uma empreiteira tinha feito download de centenas de credenciais de acesso ao feed público do Facebook, permitindo que ela coletasse dados sobre quem comentava os posts e quando. O Facebook não fez comentários imediatos.

A proposta vencedora da Shanghai Cloud Link oferece uma janela sobre quanto podem custar esses serviços de desinformação.

Em muitos casos, empresas tecnológicas tentam vender diretamente o hardware e o software às autoridades chinesas. Neste caso, a proposta da Shanghai Cloud Link sugeria um novo modelo baseado em serviço, em que as autoridades pagam uma mensalidade, uma espécie de assinatura para manipulação de redes sociais.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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