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Jornal no Arkansas distribui tablets e oferece treinamento a assinantes para conter crise

Publicação deixou de entregar edição impressa, exceto a de domingo, e investiu na versão online

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Washington

O jornal Arkansas Democrat-Gazette estava prestes a celebrar seu aniversário de 200 anos quando sua equipe se deu conta, em 2018, de que seu modelo de negócio já não era mais rentável. Assim, pararam as máquinas e gradualmente deixaram de distribuir a edição impressa, exceto a de domingo.

O desafio econômico não é novo. Com menos anunciantes, a imprensa tem testemunhado o rápido declínio do jornalismo local e a consolidação de gigantes nacionais como New York Times e Wall Street Journal como única alternativa. Tampouco é excepcional que um jornal migre para o online, abandonando o papel. O inusitado —e arriscado— foi a solução que a chefia da publicação encontrou para sobreviver.

O publisher do Arkansas Democrat-Gazette em meio a caixas com milhares de iPads
O publisher do Arkansas Democrat-Gazette em meio a caixas com milhares de iPads - Divulgação Arkansas Democrat-Gazette

O Arkansas Democrat-Gazette distribuiu tablets gratuitamente a seus assinantes para que pudessem ler a edição digital. Também ofereceu treinamento para que os leitores se acostumassem à tecnologia. Assim, a administração do diário apostou que pode reter os assinantes mais fiéis e continuar a pagar as faturas.

A estratégia beira o surreal, em um mercado acostumado a cortes no orçamento e demissões. O jornal apostou cerca de US$ 12 milhões, o que hoje equivale a R$ 67 milhões, para entregar 37 mil iPads a seus leitores. E, por enquanto, a ideia tem funcionado. O jornal segue na ativa, ao menos.

"Estávamos tentando encontrar uma maneira de continuarmos a existir", diz Lynn Hamilton, presidente do jornal —no qual trabalha há 47 anos. "Acreditamos no jornalismo e queremos continuar a publicar o Arkansas Democrat-Gazette. Sem a imprensa, não há quem vigie o poder."

A publicação é, na verdade, a fusão de dois jornais do século 19: o Gazette, de 1819, e o Democrat, de 1878, que se uniram em 1991. Com sede em Little Rock, é o principal diário do estado do Arkansas, no sul dos EUA, e faz parte de uma tradição enraizada no país de cobrir as notícias locais —do judiciário ao nível dos rios. "Sem jornais regionais, como vão saber o que está acontecendo?", pergunta Hamilton.

A ideia de distribuir tablets e ensinar os assinantes a usá-los tem uma explicação. O Arkansas Democrat-Gazette sabe que muitos de seus leitores, tradicionalmente de mais idade, estão acostumados e até apegados ao papel. Não querem ler as notícias na tela do computador ou em um smartphone.

No tablet, os leitores podem acessar uma versão do jornal que simula a edição impressa. As notícias estão organizadas, hierarquizadas e ilustradas como no papel. Além disso, a versão do jornal no dispositivo tem começo, meio e fim, ao contrário da versão do site, que está em constante atualização.

"Eles gostam da ideia de conseguir terminar de ler o jornal", afirma o seu presidente. Os leitores podem manter o iPad enquanto pagarem a assinatura. Quando cancelam, devolvem.

Réplica do Arkansas Democrat-Gazette em iPad
Réplica do Arkansas Democrat-Gazette em iPad - Divulgação Arkansas Democrat-Gazette

Hamilton diz que o Arkansas Democrat-Gazette tem a sorte, não compartilhada por outros jornais locais, de fazer parte de um conglomerado chamado WEHCO, que tem cerca de dez diários e um canal de TV.

O dinheiro para o investimento ousado existia —e foi feita uma aposta que nem sempre é possível fazer. Ele destaca o papel do publisher Walter E. Hussman, que teve a ideia e bancou a implementação dela. O Chattanooga Times Free Press, do grupo, está testando a mesma estratégia.

O programa começou em 2019 no Arkansas Democrat-Gazette e, segundo Hamilton, conseguiu manter uma base rentável de assinantes durante sua transição digital. Mesmo depois de cancelar a edição impressa, o jornal conseguiu manter em torno de 75% de seus assinantes. O jornal tem hoje uma circulação de 65 mil cópias por dia, incluindo a versão impressa, distribuída apenas no domingo.

No meio-tempo, foram necessários ajustes. O preço da assinatura foi de uma média de US$ 18 mensais (R$ 100) para US$ 34 (R$ 189). A empresa também reduziu sua equipe —de 420 funcionários para 270. Mas nenhum de seus 114 jornalistas foi demitido, afirma o presidente.

O experimento tem sido acompanhado de perto nos EUA. Hamilton diz que equipes de outros jornais regionais visitam a sede em Little Rock para conhecer melhor o plano. "Pode ser que, se continuar a dar certo nos próximos anos, essa ideia seja replicada por outros diários", afirma. "Estivemos próximos da falência e encontramos uma saída", diz Hamilton. "Se precisarmos, podemos encontrá-la uma outra vez."

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