O encarregado da embaixada da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, disse nesta segunda-feira (21) esperar que o governo brasileiro contrarie o governo russo e não reconheça a independência das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia. A declaração foi dada em entrevista à BBC News Brasil.
Mais cedo, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que a Rússia reconhecia a independência das duas regiões e que previa o envio de tropas para a região.
"[Espero] o não reconhecimento desses territórios. O governo brasileiro sempre se posicionou a favor da nossa integridade dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas", afirmou Tkach.
Questionado sobre se o governo brasileiro deveria então se posicionar contra o governo russo, o diplomata ucraniano disse que "sim".
"Sim. [Esperamos] a mesma posição que o governo brasileiro adotou a respeito da Crimeia. O governo brasileiro não reconheceu a Crimeia. Do mesmo jeito que eu espero que não vá reconhecer os territórios das regiões de Donetsk e Lugansk", disse o diplomata.
A menção à região da Crimeia feita por Tkach remonta ao ano de 2014, quando Putin anexou a península da Crimeia, região que pertencia à Ucrânia desde os anos 1950. Na época, o governo brasileiro, liderado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), não reconheceu a anexação, mas também não a condenou.
O anúncio de que o governo russo iria reconhecer a independência das duas regiões separatistas ucranianas aconteceu na tarde de segunda (21), no horário de Brasília. Diversos países como os Estados Unidos e Reino Unido, além da União Europeia, já anunciaram que irão impor sanções como reação à medida tomada por Putin.
O Brasil, no entanto, ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto. A BBC News Brasil enviou questionamentos sobre a posição do governo brasileiro em relação ao assunto, mas até o momento o Ministério das Relações Exteriores não se manifestou.
As declarações de Tkach acontecem cinco dias depois de o presidente brasileiro ter feito uma visita oficial à Rússia e se encontrado com Putin. Sem mencionar a crise na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, Jair Bolsonaro disse que prestava "solidariedade" à Rússia e que acreditava que Putin "busca" a paz.
"Entendo a leitura do presidente Putin, que ele é uma pessoa que busca a paz. E qualquer conflito não interessa a ninguém no mundo", afirmou Bolsonaro.
Em outro momento, Bolsonaro afirmou que o Brasil era solidário a qualquer país desde que ele buscasse a paz e voltou a dizer que acreditava que este era o caso do presidente russo.
"Falei para ele que o Brasil é um país que apoia qualquer outro país e é solidário desde que busque a paz. E essa é a intenção dele", afirmou.
Questionado sobre se concordava com o teor das declarações de Bolsonaro sobre Putin, o diplomata ucraniano preferiu não se aprofundar.
"Acho que isso é uma questão entre os dois presidentes e não me caberia me manifestar", disse.
Entenda a crise
O anúncio de reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk é o episódio mais recente da crise na fronteira da Ucrânia com a Rússia.
Há pelo menos dois meses, o governo russo havia enviado aproximadamente 100 mil militares para a região e exigia que a Ucrânia não fosse incluída na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
A aliança militar foi criada após a Segunda Guerra Mundial como uma forma de conter o avanço do antigo bloco soviético.
Nos últimos dias, autoridades dos governos norte-americano e britânico vinham anunciando que uma incursão militar russa no território ucraniano era "iminente".
O governo russo, porém, vinha negando qualquer intenção de invadir a Ucrânia.
Após o anúncio de Putin sobre o reconhecimento das duas regiões separatistas, é previsto o envio de tropas russas sob o argumento de que seriam tropas de paz.
Em reunião de governo nesta segunda, integrantes do alto escalão do governo Putin disseram que é necessário proteger cidadãos russos nessa área.
A União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos já adiantaram que planejam sanções a indivíduos e entidades que estejam ligados ao governo russo nesse contexto.
O presidente norte-americano, Joe Biden, telefonou para o seu par ucraniano, Volodimir Zelenski, e disse que reafirma "o compromisso dos Estados Unidos com a soberania e a integridade territorial da Ucrânia". A Casa Branca também informou que Biden está em contato com o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz.
A Ucrânia solicitou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU devido ao que seu ministro das Relações Exteriores chamou no Twitter de "ações ilegais" da Rússia.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirmou que avalia enviar "mais apoio defensivo" aos ucranianos.
O embaixador ucraniano no Reino Unido, Vadym Prystaiko, disse ao programa Newsnight da BBC que "quando uma nação nuclear está chamando a sua nação de um erro histórico que precisa ser consertado, sim, você precisa se preocupar com o que ele [Putin] tem em mente".
O discurso de Putin
Em seu pronunciamento, Putin disse que "a situação em Donbass [região onde estão localizadas Donetsk e Luhansk] se tornou crítica".
Durante o discurso de quase uma hora na TV russa, o presidente russo afirmou que a Ucrânia moderna foi "criada" pela Rússia.
"Para a Rússia, a Ucrânia não é apenas um país vizinho, mas parte da nossa história, dos nossos camaradas e parentes", disse.
Putin também afirmou que a Rússia foi "roubada" com o colapso da União Soviética em 1991.
Ele declarou que "a América usou a Ucrânia e a Geórgia [outra ex-república soviética] para implementar políticas anti-Rússia".
E também afirmou que os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) transformaram a Ucrânia em um "teatro de guerra".
O líder russo vinha exigindo garantias de que a Otan não admita a Ucrânia, enquanto a aliança ocidental nega que uma eventual adesão represente qualquer ameaça a Moscou.
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