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Adriana Erthal Abdenur, Maiara Folly e Gabrielle Alves

Implantar Acordo de Escazú daria chance ao Brasil de tomar dianteira na questão ambiental

País é o 4º mais violento para ativistas, e atual governo despreza texto com argumentos que não se sustentam

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Como a política externa brasileira poderia lidar com a crise ambiental na Amazônia e no Cerrado? As invasões de terras indígenas, a extração ilegal de madeira e a expansão desenfreada do garimpo ilegal têm causado destruição e degradação sem precedentes nessas regiões, com graves consequências para as populações que ali habitam.

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, a Amazônia tem registrado taxas recordes de desmatamento. Somente no primeiro trimestre de 2022, foram 941,34 quilômetros quadrados de floresta derrubada —o equivalente a três Belo Horizontes— em apenas três meses.

Rios são contaminados pelo mercúrio dos garimpos; o ar é poluído por incêndios provocados pela ação humana. A destruição ambiental e o negacionismo climático contribuíram para o isolamento do Brasil no cenário internacional.

Poluição em rio em áreas de garimpo ilegal na Amazônia, na região da bacia do rio Tapajós (Pará) - Pedro Ladeira - 17.fev.22/Folhapress

Por sua vez, a impunidade em torno dos crimes ambientais alimenta as ameaças e ataques violentos aos que defendem o meio ambiente e a terra, tornando o Brasil o quarto país mais violento do mundo para defensores ambientais —justamente quem está na linha de frente na proteção desses biomas.

De acordo com o relatório "A Última Linha de Defesa", da Global Witness, em 2021, 20 deles foram assassinados no Brasil, a maioria na região amazônica. Tais ataques rapidamente se tornam assuntos internacionais, condenados por exemplo, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Escritório Regional para a América do Sul da ONU Direitos Humanos.

Esses números alarmantes são fruto de um processo de desmonte das instituições encarregadas de monitorar e proteger a floresta, que tem convivido com sucessivos cortes orçamentários e a redução do número de servidores com experiência técnica na área ambiental.

No entanto, também são consequência da inação do Brasil no plano internacional, inclusive em relação ao Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú.

O acordo, firmado em 2018, atualmente conta com 24 assinaturas e 12 ratificações de países que incluem o México e a Argentina. Sua primeira Conferência das Partes (COP) aconteceu entre os dias 20 e 22 de abril, em Santiago, no Chile. O Brasil participou apenas como observador. Isso porque, embora o Brasil tenha assinado o documento ainda durante a presidência de Michel Temer, o governo de Jair Bolsonaro tem se recusado a submeter o acordo à ratificação do Congresso Nacional.

Ao passo que o Brasil esteve no Chile na condição de coadjuvante, boa parte da América Latina já se deu conta que Escazú fornece uma oportunidade única de lidar com três problemas centrais —a falta de transparência em questões ambientais, a violência contra os defensores do meio ambiente e a escassez de investimentos sustentáveis.

Em Santiago, os países que ratificaram o texto começaram a desenhar caminhos concretos para não apenas assegurar o acesso a direitos e proteção de defensores, mas também garantir que esses atores e a sociedade como um todo participem efetivamente na proteção do meio ambiente, no gerenciamento de recursos naturais e na promoção do desenvolvimento sustentável.

No plano econômico, representantes do Banco Mundial e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliam que a implementação do acordo ajudaria a atrair novos investimentos sustentáveis à região.

Apesar dos avanços que Escazú representa, o desprezo do governo brasileiro por ele com base em argumentos que não se sustentam —como a sugestão de que o acordo feriria a soberania nacional—, sinaliza que o projeto de destruição da floresta e dos seus povos persistirá pelo menos até o fim do ano.

Caso as eleições presidenciais produzam um novo governo, é fundamental que o incentivo à ratificação célere do acordo seja prioritária. Além disso, a diplomacia brasileira deve assumir um papel proativo voltado à efetivação de soluções concretas para cooperação regional em torno do tema. Por exemplo, por meio de uma plataforma voltada ao monitoramento da implementação dos compromissos do acordo que inclua não apenas atores governamentais, mas também atores da sociedade civil, povos indígenas e comunidades tradicionais da região.

Ao mesmo tempo, de nada adiantaria a política externa avançar na agenda sem políticas públicas correspondentes. É imperativo, por exemplo, que o Brasil adote medidas alinhadas com os três princípios centrais do Acordo de Escazú.

Em primeiro lugar, é fundamental que órgãos ambientais, de investigação e aplicação da lei, incluindo o Ministério Público Federal e o poder judiciário, fortaleçam a transparência de dados ambientais e de crimes ambientais por meio do cumprimento da Lei de Acesso à Informação e diretrizes de transparência da Controladoria-Geral da União.

Em segundo lugar, deve-se ampliar a participação social em temas ambientais, revitalizando mecanismos já existentes, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente, e criando novos canais participativos que, entre outras coisas, assegurem o amplo acesso a um ambiente saudável e o direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e tradicionais, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em terceiro lugar, deve-se ampliar o acesso à justiça em temas ambientais, inclusive por meio de uma maior alocação de recursos para garantir investigações céleres e imparciais e, em última instância, a efetiva punição de crimes contra o meio ambiente e contra aqueles que o defendem.

É igualmente urgente que trabalhadores rurais e comunidades afetadas por conflitos pela terra e pela água tenham pleno acesso ao sistema de justiça e que os mecanismos de proteção de defensores ambientais e testemunhas sejam ampliados e aprimorados.

O avanço dos princípios de Escazú nos planos doméstico e internacional oferece uma oportunidade não apenas para defesa do meio ambiente e dos direitos humanos —tema tão central à consolidação da democracia e do Estado de Direito— mas também um canal para a retomada de uma nova liderança brasileira na América Latina e no Caribe.

Adriana Erthal Abdenur, Maiara Folly e Gabrielle Alves

Diretora-executiva, diretora de Programas e pesquisadora da Plataforma CIPÓ, think tank dedicado a temas de clima, políticas públicas e relações internacionais

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