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Guerra da Ucrânia Rússia

Biden usa Rússia para ameaçar a China, mas o jogo com Pequim é outro

Americano utiliza visita à Ásia para lembrar quem é seu real rival na Guerra Fria 2.0

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São Paulo

Nos cinco dias de sua visita à Ásia, passados nos aliados Coreia do Sul e Japão, o presidente Joe Biden quis lembrar à China quem é seu verdadeiro rival estratégico na Guerra Fria 2.0 que dramaticamente ganhou tons quentes com a invasão russa da Ucrânia.

Como já havia insinuado outras vezes, o americano busca usar o exemplo da punição liderada pelos Estados Unidos à Rússia como uma ameaça ao que percebe como expansionismo da administração de Xi Jinping, o maior aliado de Vladimir Putin e feroz crítico do regime de sanções aplicadas a Moscou.

Biden entre os premiês Fumio Kishida (Japão) e Narendra Modi (Índia), no lançamento de iniciativa econômica para o Indo-Pacífico em Tóquio
Biden entre os premiês Fumio Kishida (Japão) e Narendra Modi (Índia), no lançamento de iniciativa econômica para o Indo-Pacífico em Tóquio - Jonathan Ernst/Reuters

O problema para Biden, contudo, é duplo. Primeiro, Taiwan não é a Ucrânia: apesar de autônoma, a ilha não é um país independente nem aos olhos das Nações Unidas, e a própria política ambígua que guia as relações entre Washington e Pequim pressupõe na teoria o direito chinês àquele território.

Na prática, claro, é outra coisa, e desde que Donald Trump deu os primeiros tiros da nova Guerra Fria, em 2017, os Estados Unidos só fizeram crescer o apoio ao independentismo de Taipé. É receita para confusão, ainda mais acenando com um protocolo de sanções econômicas como a multa caso Pequim exerça o que considera um direito, absorver a ilha.

Aqui entra o segundo nó, a interdependência sino-americana. A China não é a Rússia, tem uma economia dez vezes maior do que a gerida por Putin e presença central nas cadeias produtivas globais.

Os EUA compraram em 2021 US$ 506 bilhões em produtos chineses, sua maior fonte de importações, e têm no país asiático seu quarto maior destino de exportações, US$ 151 bilhões. Para comparar, os valores eram respectivamente US$ 22 bilhões e US$ 6 bilhões na corrente de comércio com os russos.

Tudo isso demonstra que desplugar a China do mundo, a exemplo do que o Ocidente tenta fazer com a Rússia e ainda assim não consegue totalmente e sem dores no processo, é uma ideia bastante complexa. Mas o cálculo aparente de Biden parece levar em conta as dificuldades enfrentadas por Xi.

Desde que chegou ao poder, em 2012, o líder chinês consolidou um regime mais personalista numa ditadura que era notória por sua falta de face pública unificada. Sua assertividade externa, e Taiwan é apenas o exemplo mais claro, cresceu muito.

A reação americana passou por guerra comercial e por todo tipo de embate político, da intervenção chinesa na autonomia de Hong Kong ao manejo da pandemia de Covid. Biden acelerou isso ao investir pesado no Quad, grupo com Austrália, Índia e Japão, que se reunirá nesta terça (24), ao fazer um pacto militar com australianos e britânicos no Indo-Pacífico e, agora, ao realizar uma iniciativa de comércio exterior com 13 países da região visando a enfrentar os chineses.

Em Pequim, a movimentação por um lado reforça Xi, mas, ao que tudo indica, também alimenta alas da ditadura comunista que não desejam um enfrentamento tão aberto com o Ocidente.

A pandemia e as dificuldades econômicas consequentes ajudaram a dar corda para o dissenso, que, claro, é bastante difícil de aferir. Hoje, analistas colocam no polo de poder adversário de Xi o vice-premiê Han Zheng, 1 dos 7 membros do exclusivo Comitê Permanente do Politburo e representante dos interesses econômicos das regiões costeiras centradas em Xangai.

Ele defende uma visão distinta da de Xi para lidar com o setor imobiliário e de infraestrutura, que vive uma bolha cuja explosão controlada é o objetivo central de Pequim desde o ano passado. Xi tem um viés mais intervencionista, enquanto Han procura uma solução mais de mercado.

As crescentes críticas à política de "Covid zero" de Pequim também entram na conta, em especial com o impacto que isso tem gerado na atividade econômica chinesa. Tudo isso irá desaguar no congresso do Partido Comunista em novembro, que vinha se desenhando como um passeio para Xi garantir um inédito terceiro mandato. Biden percebeu isso, e o discurso anti-China tem também sua motivação doméstica: também naquele mês o seu Partido Democrata enfrenta eleições congressuais de meio de mandato.

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