Descrição de chapéu Brics

Economia e EUA desafiam a China em seu plano para o pós-pandemia

No maior evento legislativo anual, Xi mostra programa até 2035 e vai endurecer mais com Hong Kong

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O ajuste da economia na realidade pós-pandêmica e o desafio geopolítico colocado pelos Estados Unidos estão no centro das atenções do maior evento legislativo anual da China, que começou nesta quinta (4) e vai até o dia 11.

Trata-se do Lianghui, ou Duas Sessões, o apelido informal dado à reunião siamesa do Congresso Nacional do Povo e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, dois dos três principais órgãos que formam o Estado —por sua vez, dominado de cima a baixo pelo Partido Comunista.

Delegados na abertura da sessão da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, no Grande Salão do Povo, em Pequim
Delegados na abertura da sessão da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, no Grande Salão do Povo, em Pequim - Chen Jianli/Xinhua

Cerca de 5.200 delegados estão em Pequim para o evento, a única reunião plena das duas instâncias de poder na ditadura. Ao longo do ano, seu trabalho é mantido por comitês permanentes, bem mais compactos (175 dos 2.980 integrantes do Congresso e 26 dos 2.200 da Conferência).

No país onde a pandemia do novo coronavírus começou, na virada de 2019 para 2020, o foco está voltado para dois pontos: o 14º Plano Quinquenal e a Visão 2035.

Os dois instrumentos, que serão detalhados ao longo dos próximos dias, darão uma ideia mais clara dos planos do líder Xi Jinping após a maior crise sanitária em cem anos no mundo.

Isso ocorre no momento em que Xi, no poder como secretário-geral do Partido Comunista desde 2012, se aproxima do zênite de sua força. Ele acumula o cargo cerimonial de presidente desde 2013, viu aberta a possibilidade de reeleição indefinida em 2017 e ampliou os poderes sobre as Forças Armadas do país no começo deste ano.

Analistas chineses esperam enfim detalhes sobre o que Xi chamou no ano passado de "estratégia da circulação dual", um termo vago para incentivos para que o consumo doméstico seja a mola propulsora de sua economia —e não as exportações.

Há expectativa sobre uma definição sobre o sensível ponto dos indicadores econômicos. Em 2020, Pequim abandonou o sistema de metas para seu PIB (Produto Interno Bruto) devido às incertezas da pandemia.

Apesar da crise, bastante controlada no país, a China cresceu 2,3% no ano passado, o maior índice entre as grandes economias. Agora, o Banco da China espera um crescimento na casa de 8%, mas a nebulosidade pode ser adotada.

Além disso, pode haver uma reforma previdenciária à chinesa —elevando as idades de aposentadoria para homens (60 anos hoje) e mulheres (55 anos), além de reduzir a diferença delas entre sexos.

A questão demográfica assusta os chineses. Na prática, em 2016 foi abandonada a famosa política de só um filho por família, que visava evitar uma explosão populacional no país com mais habitantes do mundo —1,4 bilhão de pessoas.

Isso levou a um envelhecimento progressivo da população: em 2000, 8% dos chineses tinham mais de 65 anos; em 2025 serão 20%. Isso e a necessidade de um mercado interno aquecido, enquanto a Índia se aproxima de ultrapassar a China em número de pessoas, acendeu alertas.

A pressão sobre a ditadura decorre muito do ambiente recessivo internacional, mas também ou talvez principalmente por motivos geopolíticos.

Nos anos de Donald Trump na Casa Branca (2017-2021), os Estados Unidos ampliaram a percepção de que a China é sua maior rival estratégica no mundo. Foi aberta a Guerra Fria 2.0.

O colosso asiático ainda está atrás como economia (PIB de US$ 15 trilhões em 2020, ante US$ 21 trilhões dos EUA) e potência militar (gasta um quarto do que os americanos), mas tem dinâmica e ambições.

Xi já colocou 2025 como data para o país tornar-se uma nação de alta renda média e 2027, como par militar dos EUA.

Assim, Trump tornou praticamente todo tema um campo contencioso com Pequim: guerra tarifária, cerco à indústria do 5G chinês, liberdade em Hong Kong, disputa militar no mar do Sul da China e Taiwan, manejo da pandemia, entre outros.

A chegada de Joe Biden à Casa Branca pode ter mudado o tom, mas não a forma com que Pequim é vista. A disputa central do século 21 continuará, e Xi busca reforçar sua posição econômica e política para os embates a seguir.

Assim, além da questão econômica, Hong Kong deverá ser servida novamente no altar das Duas Sessões —foi o evento de 2020 que pariu a Lei de Segurança Nacional que amordaçou os rebeldes pró-democracia da região semiautônoma.

A expectativa é que, desta vez, sejam delineados planos para solapar de vez os arremedos democráticos honcongueses, na forma de novas regras eleitorais e talvez mudanças drásticas na Lei Básica, a Constituição da região.

Outro ponto de atrito é a busca por autonomia tecnológica. Assustados com a escassez de chips, que paralisaram fábricas de automóveis, os EUA montaram uma comissão para tentar se livrar da dependência de semicondutores produzidos com tecnologia americana em Taiwan.

Além disso, forçaram a ilha a restringir o fornecimento de chips de alta tecnologia para os chineses, aumentando a possibilidade que deverá se confirmar de um salto em busca de autossuficiência por parte de Pequim. Chips, afinal, estão em tudo, a começar por armas nucleares.

Nada deve ser muito dramático, contudo, a começar pelo discurso do premiê Li Keqiang nesta sexta (5).

As Duas Sessões são uma grande coreografia, na qual o partido tenta comunicar ao país e ao mundo suas orientações gerais, mas tudo já está definido antes. Mas elas permitem um olhar sobre a liderança da opaca ditadura.

Houve poucas surpresas na história. Em 1992, um terço dos deputados do Congresso votou contra a construção da gigantesca barragem de Três Gargantas, um dos maiores projetos hidroelétricos do mundo. Foi um choque, dada a ordem unida usual —mas a obra foi em frente.

O Congresso é, no geral, um carimbador de decisões do verdadeiro poder na China, o Politburo (Comitê Político, uma tradição de regimes comunistas), que reúne a nata do Comitê Central do partido. No topo, o Comitê Permanente, de sete membros, com Xi à frente.

A sessão plenária anual, o Grande Salão do Povo da praça da Paz Celestial, é um show de imagens, mas em termos democráticos, só isso.

Não há eleição verdadeira na China. Pleitos diretos ocorrem na base do sistema político, cidades e distritos, mas na prática apenas de nomes sancionados pelo Partido Comunista —que tem outras oito siglas de mentirinha operando sob sua supervisão, na chamada Frente Unida.

Dali para cima, nos Congressos do Povo em diversos níveis, os delegados são indicados. No Congresso, mais de 70% dos delegados são comunistas, e os restantes, dos grupos autorizados, mantendo o regime de partido único vigente.

Já a Conferência é um órgão consultivo que se aproxima mais de algum pluralismo, por permitir membros sem filiação partidária, escolhidos por suas credenciais técnicas. Ainda assim, apenas faz sugestões, e sempre dentro da linha ideológica vigente.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.