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Na Ásia, Biden diz que vai defender Taiwan, e China responde: 'EUA estão brincando com fogo'

Casa Branca corre para esclarecer fala do presidente que coloca em xeque posição tradicional de Washington

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São Paulo

O presidente Joe Biden afirmou nesta segunda-feira (23) que os Estados Unidos usariam a força para defender Taiwan caso a ilha fosse invadida pela China. Para o americano, Pequim está "flertando com o perigo" ao sobrevoar, durante exercícios militares, o território que considera uma província rebelde.

O comentário, apesar de não ser inédito, põe em xeque a "ambiguidade estratégica" que tradicionalmente gere as relações entre Washington e Taipé, de modo que a equipe de comunicação da Casa Branca se apressou em tentar esclarecê-lo. Biden participava de uma entrevista coletiva ao lado do premiê do Japão, Fumio Kishida, como parte de sua primeira viagem à Ásia desde que foi eleito, quando foi questionado por um jornalista se os EUA defenderiam Taiwan em caso de ataque.

O repórter comparou o possível envolvimento de Washington em um cenário de conflito na ilha à posição americana na Guerra da Ucrânia. "O senhor não queria se envolver militarmente no conflito da Ucrânia por razões óbvias. Está disposto a se envolver militarmente para defender Taiwan se for necessário?"

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante evento de sua viagem à Ásia em Tóquio, no Japão - Jonathan Ernst - 23.mai.22/Reuters

A resposta do presidente foi direta. "Sim. Esse é o compromisso que assumimos", afirmou. "Nós concordamos com a política de uma só China, nós aderimos a ela e a todos os acordos feitos a partir daí. Mas a ideia de que [Taiwan] pode ser tomada à força não é apropriada."

Biden continuou, indicando que, em caso de conflito na Ásia, o envolvimento dos EUA seria mais significativo em comparação ao do Leste Europeu. "Isso deslocaria toda a região e seria mais uma ação semelhante ao que aconteceu na Ucrânia. E por isso seria um fardo ainda mais pesado." O democrata acrescentou que sua expectativa é a de que esse cenário não aconteça nem seja tentado por Pequim.

A fala contraria em partes o posicionamento tradicional de Washington definido como "ambiguidade estratégica". Por meio dessa abordagem, os EUA têm um acordo de fornecimento de armas e outros tipos de assistência e se dizem comprometidos a garantir que a ilha possa se defender, mas não contestam formalmente a alegada soberania de Pequim em relação a Taiwan.

A "ambiguidade" referida na expressão está no fato de que a resposta a um eventual cenário de conflito não está clara. A lei americana de 1979 que rege as relações entre Washington e Taipé estabelece que "o presidente e o Congresso determinarão a resposta apropriada a qualquer perigo".

Ao afirmar que os EUA interviriam militarmente em caso de invasão chinesa, porém, Biden indica até onde o país está disposto a ir para defender seus interesses na região. O presidente voltou a comparar a situação à da Ucrânia ao defender que a Rússia continue sob sanções mesmo com uma reaproximação entre Moscou e Kiev. Caso a retaliação contra o Kremlin não seja mantida, "o que isso sinaliza para a China sobre o custo de tentar tomar Taiwan à força?", questionou Biden.

"Eles já estão flertando com o perigo agora, voando tão perto e com todas as manobras que estão realizando", disse o líder americano, referindo-se aos crescentes relatos de incursões de aviões de guerra chineses na zona de defesa aérea de Taiwan.

Embora a fala de Biden não tenha deixado margens para interpretações diversas, a Casa Branca correu para, se não corrigir, ao menos tentar contextualizar. "Como o presidente disse, nossa política não mudou. Ele reiterou nossa política de uma China única e nosso compromisso com a paz e a estabilidade em todo o estreito de Taiwan. Também reiterou nosso compromisso sob a Lei de Relações de Taiwan de fornecer a Taiwan os meios militares para se defender."

O episódio se assemelha a outra fala recente de Biden que gerou um movimento de sua equipe de comunicação para apagar tensões. Em viagem à Polônia, no final de março, o americano se referiu a Vladimir Putin como "carniceiro" e afirmou que o russo não poderia mais continuar no poder. Na ocasião, a Casa Branca achou por bem minimizar o ponto mais forte da fala em um comunicado: "O argumento do presidente foi o de que Putin não pode exercer poder sobre seus vizinhos ou sobre a região. Ele não pediu por uma mudança de regime na Rússia".

A fala desta segunda não foi, contudo, a primeira declaração de Biden indicando uma ação dos EUA em defesa de Taiwan contra uma eventual invasão chinesa. Há, na verdade, uma série delas. Em outubro de 2021, por exemplo, o democrata concedeu entrevista à CNN americana em que foi questionado por um membro da plateia sobre o tema. Na ocasião, deu resposta semelhante à fala mais recente.

Além de afirmar que os EUA "têm um compromisso" com Taiwan, Biden reafirmou o poderio militar de seu país em uma fala interpretada como provocação aos principais adversários geopolíticos de Washington. "China, Rússia e o resto do mundo sabem que somos os militares mais poderosos da história."

A reação de Pequim, à época, seguiu o protocolo da diplomacia chinesa, que comumente busca classificar de interferência externa quaisquer comentários sobre o status de Taiwan. "Quando se trata de questões relacionadas à soberania e à integridade territorial da China e a outros interesses fundamentais, não há espaço para compromissos ou concessões", afirmou Wang Wenbin, porta-voz da chancelaria.

Nesta segunda, o próprio Wang reagiu ao novo comentário de Biden, repetindo a resposta padrão. "Ninguém deveria subestimar a firme determinação, a firme vontade e a capacidade do povo chinês de defender a soberania nacional e a integridade territorial. A questão de Taiwan é um tema puramente interno da China", disse. Depois, segundo a agência estatal Xinhua, os chineses foram mais incisivos e disseram que os EUA estão "brincando com fogo".

Já a chancelaria de Taipé divulgou nota em que agradeceu ao democrata pelo apoio.

Taiwan é um tema considerado ultrassensível para Pequim. Para o regime chinês, a ilha é uma província rebelde desde que os derrotados pela revolução comunista encerrada em 1949 se refugiaram no território e estabeleceram um regime autônomo —autoritário e, agora, democrático e alinhado aos EUA.

"Opomo-nos firmemente às atividades separatistas que buscam a 'independência de Taiwan'. Opomo-nos firmemente à interferência estrangeira", diz um trecho da resolução histórica do Partido Comunista Chinês publicada no ano passado, quando celebrou seu centenário.

Para Grant Newsham, coronel americano aposentado e hoje pesquisador do Fórum do Japão para Estudos Estratégicos, o significado da fala de Biden é claro. "Ela merece ser levada a sério. É uma declaração muito clara de que os EUA não ficarão de braços cruzados se a China atacar."

No início do mês, o diretor da CIA William Burns disse que Pequim observa "com atenção" a invasão da Ucrânia para aprender as lições dos "custos e consequências" de uma eventual tomada da ilha pela força.

Mais recentemente, a China acusou os EUA de "manipulação política" após o Departamento de Estado editar o verbete sobre as relações com Taiwan em seu site. A pasta removeu trecho em que mencionava não apoiar a independência da ilha e reconhecer a posição chinesa sobre o território ser parte do país.

Segundo analistas, os comentários sobre Taiwan podem ofuscar o ponto central da agenda de Biden no Japão, o lançamento do Quadro Econômico Indo-Pacífico, iniciativa que estabelece padrões sobre trabalho, ambiente e cadeias de suprimentos na relação entre EUA e seus aliados na Ásia.

A viagem do líder americano ao continente começou na última sexta (20), na Coreia do Sul. Ele deve se encontrar ainda com outros líderes do ​Quad, grupo de cooperação de segurança formado por EUA, Austrália, Índia e Japão como forma de conter a crescente influência da China.

Com Reuters e The New York Times

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