Repórteres de jornal russo pró-Kremlin chamam Putin de 'ditador paranoico'

Jornalistas publicam dezenas de textos com críticas à Guerra da Ucrânia

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Jornalistas do site pró-Kremlin Lenta fizeram nesta segunda (9) um ato contra a guerra empreendida pelo presidente russo, Vladimir Putin, ao publicar no portal cerca de 40 textos contra a invasão da Ucrânia.

Nas mensagens, os repórteres escreveram frases como "Putin se transformou em um ditador paranoico", "a Rússia abandona os cadáveres de seus soldados na Ucrânia", "Putin desencadeou uma das guerras mais sangrentas do século 21" e "a guerra torna mais fácil encobrir falhas econômicas".

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, carrega uma foto de seu pai, o veterano de guerra Vladimir Spiridonovitch Putin, durante celebração do Dia da Vitória em Moscou - Maxim Shemetov - 9.mar.22/Reuters

Os textos foram prontamente apagados, mas estão salvos em alguns registros na internet e também foram capturados pelo veículo independente Meduza e confirmados pelo britânico The Guardian.

Egor Poliakov confirmou ao Meduza que ele e sua colega Alexandra Mirochnikova, que estariam agora fora da Rússia, foram os responsáveis pelos textos. "Tivemos que fazer isso hoje porque queríamos lembrar pelo que nossos avós lutaram nesse lindo Dia da Vitória: a paz", disse o jornalista ao Guardian.

​A Rússia comemorou nesta segunda, 9 de maio, o 77º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra, um dos marcos mais importantes do calendário de Moscou. Na celebração, Putin fez um discurso no qual defendeu suas alegações para ter iniciado o conflito, citando a necessidade de impedir a Ucrânia de entrar na Otan, a aliança militar ocidental, e uma suposta "desnazificação do país vizinho".

"Não é disso que se trata o Dia da Vitória", disse Poliakov. "Pessoas comuns estão morrendo na Ucrânia. E, dada a retórica que vimos, isso não vai parar. Essa era a única coisa certa que podíamos fazer."

Todos os posts eram acompanhados de um aviso que dizia "este material não está acordado com a liderança [do jornal], ou seja, FAÇA URGENTEMENTE UM REGISTRO DA TELA antes que ele seja excluído".

Em um dos textos, sobre o fato de autoridades russas terem proibido profissionais da imprensa de reportarem pautas consideradas negativas, os autores dizem que Putin "obrigou jornalistas da mídia controlada pelo governo a abandonarem palavras que pudessem causar 'agitação social'"​.

"A mídia russa não pode chamar de 'guerra' uma guerra que custou dezenas de milhares de vidas de russos e ucranianos, destruiu cidades, matou civis, bombardeou áreas residenciais e levou ao genocídio do povo ucraniano —tudo isso, para a mídia russa sob pressão do Kremlin, tornou-se 'operação especial'."

​Em meados de 2014, a ONG Repórteres Sem Fronteiras, que monitora a liberdade de imprensa ao redor do mundo, publicou uma nota em repúdio ao que descrevia como avanço de Moscou em direção ao Lenta, até então uma rara publicação independente. O texto afirmava que a editora-chefe Galina Timtchenko havia sido demitida após entrevistar um líder do grupo ucraniano Pravi Sektor (setor direito), organização de ultradireita, e que, em seu lugar, foi colocado Alexei Goreslaski, "amplamente considerado pró-Kremlin".

"O Lenta tem sido uma das poucas fontes jornalísticas independentes em um oceano de propaganda", disse Johann Bihr, à época chefe do escritório da ONG na Europa Oriental e na Ásia Central. "Dada a influência do site, a mudança representa um grande golpe para o jornalismo independente na Rússia."

O mais recente relatório da ONG classifica a Rússia como o 155º país em um ranking de 180 nações que avalia a liberdade de imprensa –cinco posições atrás de onde estava um ano antes, prova do ambiente de deterioração da mídia independente. O Brasil é o 110º colocado.

A situação piorou desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, quando Moscou implementou a censura militar à imprensa, com uma lei que prevê até 15 anos de prisão a jornalistas que divulgarem o que o governo considerar fake news sobre a guerra. A RSF diz que, desde o início do conflito, quase todos os meios de comunicação independentes foram banidos, bloqueados ou declarados "agentes estrangeiros".

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