Descrição de chapéu África terrorismo

Militar que deu golpe em Burkina Fasso é deposto por outro militar em novo golpe

País da África Ocidental registra tiroteios na capital em meio a instabilidade política e violência intensificada por jihadistas

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Após uma manhã de tensão em Burkina Fasso nesta sexta-feira (30), com relatos de tiros e explosões na capital, um capitão do Exército do país da África Ocidental afirmou, em rede nacional, que estava dissolvendo o governo e suspendendo a Constituição, no que se desenha como mais um golpe de Estado em apenas oito meses.

Em janeiro, a nação do Sahel, região marcada por violência envolvendo movimentos jihadistas, assistiu à deposição do presidente Roch Kaboré por um golpe militar. Em seu lugar, assumiu o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, figura até então pouco conhecida, mas com experiência no combate ao terrorismo.

Homens protestam na capital Uagadugu após tiroteios serem ouvidos em Burkina Fasso e gerarem temor de novo golpe - Olimpia de Maismont - 20.set.22/AFP

Ibrahim Traoré disse que estava depondo Damiba devido ao que descreveu como incapacidade de lidar com o agravamento da insurgência terrorista. Ele afirmou que as fronteiras do país foram fechadas por tempo indeterminado e suspenderam-se atividades políticas. Também foi decretado toque de recolher das 21h às 5h (18h às 2h em Brasília).

O militar discursou ao lado de vários homens fardados e armados em rede nacional. Mais cedo, o sinal da TV estatal burquinense saiu do ar, o que também deu combustível aos temores de um novo golpe.

Traoré afirmou que Damiba rejeitou pedidos para reorganizar o Exército e, em vez disso, manteve a estrutura militar da época de Roch Kaboré. "As ações aos poucos nos convenceram de que suas ambições estavam se desviando do que nos propusemos a fazer."

O paradeiro de Damiba é desconhecido, mas, pela manhã, o militar divulgou um comunicado pedindo calma e afirmando que "certos membros das Forças Armadas criaram uma situação confusa". Ele tomou o poder com a promessa de acelerar o combate ao terrorismo islâmico, o que ajudou a amortizar parte da insatisfação popular.

À agência AFP o porta-voz do governo de Damiba, Lionel Bilgo, disse antes do anúncio do novo golpe que transcorria uma crise interna no Exército. "Os confrontos continuam sem que saibamos no que vão dar. A crise militar está baseada em reivindicações de pagamentos."

Alguns dos tiroteios registrados ao longo do dia foram ouvidos na vizinhança da sede da Presidência, na capital Uagadugu, o que aumentou o temor entre os locais. Escolas, empresas e bancos foram fechados, e as ruas da cidade tiveram trânsito incomumente tranquilo para uma sexta-feira.

Tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo, chefe da junta militar que comandava Burkina Fasso, durante evento na capital - Olympia de Maismont - 2.mar.22/AFP

Houve, porém, aqueles que aproveitaram o episódio para protestar contra os líderes no poder. Em um protesto nas ruas da capital, segundo relatos da agência Reuters, ativistas pediam o fim da ajuda militar enviada pela França, antiga colonizadora. "Desde que Damiba assumiu o poder, nossos soldados morrem com maior frequência", disse Marcelin Quedraogo, um dos presentes, à agência.

A demanda tem crescido nos últimos tempos. Frente ao acúmulo de fracassos da atuação francesa no Sahel, manifestantes pedem que o governo priorize, em troca, a ajuda da Rússia, que alarga sua influência militar na África, muitas vezes com uso de empresas militares privadas, ora descritas como mercenarismo, que também atuam na Guerra da Ucrânia —caso do Grupo Wagner.

A insatisfação com a liderança de Damiba ganhou nova camada no início deste mês, quando ao menos 35 civis morreram no norte do país depois que um comboio de veículos explodiu ao acionar uma bomba escondida na estrada. Nesta terça (27), 11 soldados morreram em uma emboscada na província de Soum.

Apenas nos primeiros seis meses deste ano, segundo monitoramento da ONG americana Localização dos Conflitos Armados, grupos ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico realizaram mais de 400 ataques em dez regiões de Burkina Fasso. Consequência direta da violência, quase 2 milhões de pessoas —10% da população— foram deslocadas pelo conflito, de acordo com o Conselho Norueguês para Refugiados.

Ainda que tenha assumido o poder por meio de um golpe, Damiba discursou, na última semana, na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York. A líderes mundiais o burquinense falou sobre a violência jihadista, mas também buscou justificar o golpe. "Era necessário e indispensável; acima de tudo, uma questão de sobrevivência."

O golpe de janeiro foi condenado pela União Africana e pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental e recebeu críticas do secretário-geral da ONU, António Guterres. Mas outros fóruns, como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, adotaram postura branda —em parte devido à atuação da Rússia.

Por meio de seu porta-voz, Guterres disse na ocasião que a tomada de poder era parte de uma "epidemia de golpes em todo o mundo, em especial naquela região", referindo-se ao Sahel. O número de golpes de Estado em 2021 foi o maior no mundo em duas décadas.

Segundo contagem da rede BBC, Burkina Fasso já assistiu a oito golpes bem-sucedidos desde a independência, em 1960.

Com Reuters e The New York Times

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