Descrição de chapéu The New York Times

Charles 3º terá herança com isenção de imposto após engordar patrimônio em 50% em 10 anos

Família real britânica aumentou fortuna quando pobreza disparou no Reino Unido

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Euan Ward Jane Bradley
Londres | The New York Times

Charles 3º construiu o próprio império muito antes de herdar o de sua mãe. O novo rei, que ascendeu formalmente ao trono britânico no sábado (10), passou meio século transformando seu patrimônio em um portfólio de bilhões de dólares e um dos mais lucrativos da empresa da família real.

Enquanto sua mãe, a rainha Elizabeth 2ª, delegava em grande parte a responsabilidade por seu portfólio, Charles estava muito mais profundamente envolvido no desenvolvimento da propriedade privada conhecida como Ducado da Cornualha. Na última década, ele montou uma grande equipe de gerentes profissionais que aumentaram o valor e os lucros de seu portfólio em cerca de 50%.

O rei do Reino Unido, Charles 3º, presta homenagem à rainha Elizabeth 2ª em cerimônia que ocorreu na catedral de Edimburgo, na Escócia - Jane Barlow - 12.set.22/Pool/AFP

Hoje, o Ducado da Cornualha possui o campo de críquete The Oval, terras agrícolas exuberantes no sul da Inglaterra, imóveis de aluguel à beira-mar, escritórios em Londres e um depósito de supermercado suburbano. (Um ducado é um território tradicionalmente governado por um duque ou uma duquesa.) A carteira de imóveis de 52,6 mil hectares é quase do tamanho de Chicago e gera milhões de dólares por ano em aluguéis.

As participações do conglomerado estão avaliadas em cerca de US$ 1,4 bilhão, em comparação com cerca de US$ 949 milhões no portfólio privado da falecida rainha. Os dois fundos representam uma pequena fração da fortuna estimada em US$ 28 bilhões (R$ 144,7 bilhões) da família real —que ainda tem riquezas pessoais que permanecem um segredo bem guardado.

Como rei, Charles assumirá o patrimônio de sua mãe e herdará parte dessa fortuna pessoal incalculável. Enquanto cidadãos britânicos normalmente pagam cerca de 40% de imposto sobre heranças, Charles fica isento dele e passará o controle de seu ducado ao filho mais velho, William.

O crescimento dos cofres da família real e da riqueza pessoal de Charles na última década se deu num momento em que a Grã-Bretanha enfrentava profundos cortes orçamentários. Os níveis de pobreza dispararam e o uso de bancos de alimentos pelos mais pobres quase duplicou.

O estilo de vida do novo rei há muito alimenta acusações de que ele está fora de contato com as pessoas comuns. E ele tem sido o símbolo inconsciente dessa desconexão —como quando sua limusine foi assediada por estudantes que protestavam contra o aumento das mensalidades em 2010 ou quando ele se empoleirou num trono dourado neste ano para prometer ajuda a famílias em dificuldades.

Hoje, ele ascende ao trono enquanto o Reino Unido sofre uma crise de custo de vida que deve agravar a pobreza. Figura mais polarizadora que a mãe, Charles provavelmente dará uma nova energia àqueles que questionam a relevância de uma família real num momento de dificuldades públicas.

Laura Clancy, autora de "Running the Family Firm: How the Monarchy Manages Its Image and Our Money" (dirigindo a empresa da família: como a monarquia administra sua imagem e nosso dinheiro), diz que Charles transformou contas reais antes adormecidas.

"O ducado vem fazendo negócios constantemente. É administrado como uma empresa, com um CEO e mais de 150 funcionários." O que costumava ser considerado "um monte de terra da aristocracia fundiária" hoje funciona como uma corporação.

O Ducado da Cornualha foi estabelecido no século 14 como forma de gerar renda para o herdeiro do trono e basicamente financiou as despesas privadas e oficiais de Charles. Um exemplo de seu poder financeiro: o lucro de US$ 28 milhões (quase R$ 145 milhões) do ano passado superou seu salário oficial de príncipe —pouco mais de US$ 1,1 milhão (R$ 5,7 milhões).

Classificar os bens da família real é complicado, mas a fortuna geralmente se divide em quatro grupos. O primeiro e mais importante é o Crown Estate, que administra os bens da monarquia por meio de um conselho. Charles, como rei, atuará como seu presidente, mas ele não tem a palavra final.

O patrimônio, cujo valor oficial é de mais de US$ 19 bilhões (R$ 99 bilhões), inclui shopping centers, ruas movimentadas no West End de Londres e um número crescente de parques eólicos. A realeza tem o direito de receber apenas a renda dos imóveis oficiais e não pode lucrar com nenhuma venda, pois não é pessoalmente proprietária dos ativos.

Os lucros das propriedades, avaliados em US$ 363 milhões (R$ 1,87 bilhão), são entregues ao Tesouro, que em troca dá à família real um pagamento chamado subsídio soberano —que deve ser complementado pelo governo se for menor que o do ano anterior. Em 2017, o governo aumentou o pagamento da família para 25% dos lucros para cobrir os custos da reforma do Palácio de Buckingham.

O último subsídio soberano foi de cerca de US$ 100 milhões, que a família, incluindo Charles, usou para deveres oficiais da realeza, como visitas, folha de pagamentos e manutenção doméstica. Isso não cobre os custos de segurança, que também são pagos pelo governo, mas mantidos em segredo.

O próximo grande pote de dinheiro é o Ducado de Lancaster, portfólio de US$ 949 milhões (R$ 5 bilhões) pertencente a quem estiver no trono.

O valor é ofuscado pelo Ducado da Cornualha, que Charles presidiu por muito tempo como príncipe. Com dezenas de milhões de dólares por ano, o ducado financiou seus gastos privados e oficiais e sustentou o herdeiro do trono, William, e sua mulher, Kate —e o fez sem pagar impostos corporativos, como têm de fazer as empresas no Reino Unido, e sem publicar detalhes sobre onde a propriedade investe seu dinheiro.

Em 2017, o vazamento conhecido como Paradise Papers revelou que a propriedade do ducado de Charles investiu milhões em empresas offshore, incluindo uma registrada nas Bermudas e administrada por um de seus melhores amigos.

A última reserva de dinheiro, e a mais secreta, é a fortuna privada da família. De acordo com um catálogo anual publicado pelo jornal The Sunday Times, a rainha tinha um patrimônio líquido de US$ 430 milhões (R$ 2,2 bilhões), incluindo bens pessoais, como o Castelo de Balmoral e a propriedade Sandringham, que ela herdou do pai. Grande parte de sua riqueza pessoal foi mantida em sigilo.

Charles também ganhou manchetes financeiras não relacionadas à sua riqueza, mas à fundação beneficente que ele preside e opera. Entre as controvérsias da administração, a mais recente se deu quando The Sunday Times informou que Charles havia aceitado 3 milhões de euros (R$ 15,5 milhões) em dinheiro —incluindo em sacolas e numa mala —de um ex-primeiro-ministro do Qatar.

A verba, de toda forma, foi para a fundação, que financia causas filantrópicas em todo o mundo; Charles não se beneficia financeiramente das doações.

"Ele aceita receber dinheiro de qualquer pessoa, na verdade, sem questionar se é a coisa sensata a fazer", diz Norman Baker, ex-secretário do governo. Ele descreve Charles como membro mais progressista e atencioso da família real, mas conta que também apresentou uma queixa judicial acusando-o de vender títulos honoríficos indevidamente.

"Isso não é maneira de um membro da realeza se comportar", diz, referindo-se à divulgação da notícia de que Charles teria concedido o título de cavaleiro e a cidadania britânica a um empresário saudita em troca de doações. O agora rei negou saber disso, um de seus assessores renunciou e as autoridades começaram a investigar o caso.

Clancy diz que Charles 3º, em teoria, deveria abandonar seus lobbies e empreendimentos comerciais. "Se isso vai acontecer é outra questão."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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