Descrição de chapéu

Liz Truss é mais do mesmo e talvez seja mais conservadora que Boris Johnson

Difícil imaginar que homens brancos de meia-idade elegeriam uma mulher progressista e feminista para liderar

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Carolina Pavese

Doutora em relações internacionais pela London School of Economics e professora da ESPM

Toda vez que uma mulher ascende a um cargo de poder, dá-se um passo importante em direção à igualdade de gênero. Liz Truss tornou-se a terceira mulher escolhida como primeira-ministra do Reino Unido, nação comandada por uma rainha. Contudo, é necessário conter o entusiasmo. Não se pode esperar avanços qualitativos nessa agenda: Truss é mais do mesmo.

Considerada uma "camaleoa", iniciou sua trajetória política em movimentos de esquerda. Na Universidade de Oxford, migrou para o partido Liberal Democrata e discursou contra a monarquia. Já entre os conservadores abraçou uma agenda neoliberal e nacionalista. Membro do Parlamento britânico desde 2010, já ocupou seis cargos ministeriais. Contrária ao brexit em 2016, agora é considerada inimiga de Bruxelas. Foi uma das poucas leais a Boris Johnson até o fim. Ah, e tornou-se fã da coroa (é claro!).

Liz Truss, eleita para ser a próxima primeira-ministra do Reino Unido, durante evento de campanha em Londres - Hannah McKay - 31.ago.22/Reuters

É notável o fato de as únicas três mulheres a ascenderem ao cargo serem do Partido Conservador. Pelo perfil de Margaret Thatcher, Theresa May e Liz Truss, pode-se suspeitar que há um espaço na política britânica —muito marginal— para aquelas que abraçam o conservadorismo, dialogam com o liberalismo e, sobretudo, não questionam a estrutura patriarcal da sociedade.

Essa observação fica clara quando se analisa a nomeação de Truss. Para estranhamento dos que consideram a democracia um exercício da maioria, apenas 0,3% da população participou dessa escolha. O grupo representa pouco mais de 160 mil filiados ao partido, fundamentalmente homens brancos de meia-idade e do sul da Inglaterra ou de Londres. Difícil imaginar que elegeriam uma mulher progressista e feminista para liderar a legenda.

Outra coincidência é a escolha de mulheres em momentos de crise. Quando Thatcher foi nomeada, em 1979, o Reino Unido sofria forte pressão inflacionária e aumento da dívida pública, impactado pelo choque do petróleo, num contexto de Guerra Fria. A chamada "dama de ferro" adotou uma linha dura, com controversas medidas de austeridade, e cumpriu três mandatos, até 1990.

Já May ascendeu ao cargo seguindo a renúncia de David Cameron, em 2016, que alegou não ter legitimidade para conduzir o processo do brexit, quando ele havia convocado o plebiscito. Ela governou num contexto de polarização política e obscuridade e por dois anos dialogou incessantemente com Bruxelas e Westminster.

Com a perda de apoio do partido, renunciou, em 2018. Boris Johnson continuou o jogo e concluiu as negociações. Contudo, escândalos de festas e reformas residenciais, falas inoportunas e inações diante de casos de assédio conduziram a sua renúncia, em julho, o que faz com que se chegue a Liz Truss.

O cenário que ela deverá administrar é extremamente conturbado. O Reino Unido enfrenta a maior inflação dos últimos 40 anos, estimada em 10%. A Guerra da Ucrânia acentua a crise de segurança energética. O aumento dos preços no setor passa dos 40%. A chegada do inverno anuncia uma catástrofe humanitária, sobretudo se as sanções contra a Rússia continuarem —e Truss declarou apoiá-las. Soma-se a isso um déficit no orçamento público, acentuado pelas medidas econômicas adotadas na pandemia.

Sem recursos e com problemas emergenciais, a nova primeira-ministra declarou que pretende reduzir a cobrança de impostos, o que favorece as classes mais altas. Afirmou que fortalecerá a produção de combustíveis fósseis, contrariando a agenda de sustentabilidade que o Reino Unido protagoniza. Manterá a controversa política de imigração, negociará com pouca flexibilidade novos acordos com a União Europeia e tentará se aproximar de Washington.

Se essa agenda se confirmar, Truss provará ser ainda mais conservadora do que seu antecessor, agradando as alas mais tradicionais do partido, mas criando maior atrito com a oposição. É bom que ela não se esqueça dos 99,7% da população que não participaram da nomeação, mas estarão atentos à sua gestão. Especialmente as mulheres.

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