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Mathias Alencastro

Após morte de Elizabeth 2ª, Reino Unido precisa voltar a pegar o bonde da história

Rainha desempenhou com mestria seu papel de grande protetora da monarquia da opinião pública

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São Paulo

Uma das curiosidades da transformação do Reino Unido de potência imperial absoluta a símbolo do declínio geopolítico das potências ocidentais foi a resiliência da sua monarquia.

Encarnado pela rainha Elizabeth, o poder real britânico saiu reforçado do tragédia da princesa Diana, do movimento separatista escocês e do mergulho no desconhecido do brexit. Até transformações sociais como a crítica pós-colonial e o movimento Me Too, que chegaram ao coração de Buckingham pela mão de Meghan Markle e do príncipe Andrew, a deixaram incólume. Pelo menos até agora.

A rainha durante as comemorações de seu 80º aniversário, em Londres - Adrian Dennis - 21.abr.2006/AFP

Elizabeth, que teve de gerir a crise de Suez nos primeiros anos do seu reino, desempenhou com maestria seu papel de grande protetora da monarquia da opinião pública, sempre incendiada pela imprensa global.

Nos últimos anos, quando o prestígio outrora inabalável do Reino Unido foi ameaçado pela folia política desencadeada pelo brexit, o papel político de Elizabeth se estendeu muito além da monarquia. Ela se posicionou como a última adulta na sala de um país decorado pelas incertezas sobre o seu futuro.

Sua morte, por isso, exige não apenas a reinvenção da Coroa, mas da ideia de Nação do Reino Unido.

No contexto da maior crise econômica doméstica das últimas décadas, a próxima era da monarquia terá como missão histórica liderar o Reino Unido para seu novo lugar no mundo, separado da União Europeia, com a relação especial com os Estados Unidos ameaçada e a projeção asiática limitada pela assimilação de Hong Kong pela China e a Guerra da Ucrânia.

Uma agenda colossal para a qual suas atuais lideranças podem não estar à altura. O agora rei Charles 3º é mais conhecido por sua propensão a acabar nas páginas das revistas de fofocas do que pela fineza política.

A recém-indicada Liz Truss é unanimemente descrita pela classe política britânica como a primeira-ministra de transição de um projeto conservador em colapso. Ela chegou ao poder com um programa virado para os problemas materiais da sociedade, como o custo de vida, precisamente para se distanciar do romantismo alucinado de Boris Johnson.

Experiências históricas mostram que a capacidade de organizar as emoções é uma característica fundamental num momento como esse. Tony Blair usou o funeral de Diana para criar a "princesa do povo" e se impor como o político que encarnava o Reino Unido modernizador.

Elizabeth, do seu lado, recuperou o monopólio do afeto, contestado pela própria Diana, e iniciou as décadas mais gloriosas do seu reinado, pelas quais ela será lembrada.

Charles e Truss não podem fracassar. A morte de Elizabeth pode ser a última oportunidade para a elite política voltar a colocar o Reino Unido no bonde da história.

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