Irã culpa curdos por onda de protestos contra regime após morte de Mahsa Amini

Teerã alega que etnia da jovem de 22 anos usa atos para desestabilizar o país e assim conquistar independência

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São Paulo

Um mês após o início da maior onda de protestos no Irã em anos, motivados pela morte de uma jovem detida por desobedecer às estritas regras de vestimenta islâmicas, o regime teocrático à frente do país busca responsabilizar "forças externas" por sua instabilidade, enquadrando assim as manifestações não como uma ameaça ao establishment religioso do país, mas à sua unidade territorial.

Fotografia de Mahsa Amini, mulher de 22 anos morta sob a custódia da polícia moral do Irã, é exibida em protesto organizado pela comunidade curda de Los Angeles, nos EUA - Bing Guan - 22.set.22/Reuters

Em seu primeiro pronunciamento sobre o caso, por exemplo, o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, afirmou que os protestos não foram idealizados por "iranianos comuns", mas sim pelos arqui-inimigos do país, Estados Unidos e Israel.

Cada vez mais, no entanto, o foco da repressão tem se concentrado na comunidade curda no Irã —etnia à qual pertencia a jovem morta e no seio da qual os protestos explodiram a princípio.

Mahsa Amini, 22, morreu sob custódia da polícia moral do Irã após ser presa por supostamente não usar adequadamente o hijab, o véu islâmico. A família da jovem afirma que ela foi vítima de agressões por parte dos policiais, o que o regime nega.

As manifestações começaram na cidade natal de Amini, na província de Saqez, e se espalharam pelo país. Capitaneados por meninas e mulheres, que gritam por liberdade e pedem a queda de Khamenei, os atos se tornaram a maior demonstração de oposição à teocracia desde atos contra uma alta da gasolina em 2019.

Apesar da dimensão nacional, a maior repressão se deu no noroeste do país, onde vive a maior parte dos 10 milhões de curdos do Irã. Testemunhas afirmam que forças de segurança foram transferidas para lá e que tanques foram enviados a áreas particularmente tensas.

O Irã também atacou grupos de dissidentes alegando que eles estão envolvidos nas manifestações. O argumento é que esses curdos usam o caso como desculpa para separar o Curdistão do Irã, seu objetivo de décadas. Mísseis e drones disparados pela Guarda Revolucionária em direção à região semiautônoma mataram ao menos 13 pessoas.

Outras comunidades curdas do Oriente Médio usaram momentos de instabilidade interna para conquistar diferentes graus de autonomia. No Iraque, grupos que lutaram contra Saddam Hussein ganharam proteção militar do Ocidente após a Guerra do Golfo, em 1991, algo que só foi fortalecido quando os EUA invadiram o país, 12 anos depois; na Síria, representantes da etnia aproveitaram as revoltas contra Bashar al-Assad em 2011 para se aliar a Washington e assumir o controle da parte nordeste do país.

Muitos dos curdos iranianos afirmam não querer se separar, no entanto, e sim uma mudança de regime —que, de acordo com organizações internacionais, persegue a etnia com uma força especial a despeito de a Constituição garantir a proteção às diferentes minorias que o compõem.

Analistas afirmam ainda que a estratégia do Irã de responsabilizar os curdos pelos protestos pode sair pela culatra. Isso porque foi o menosprezo a queixas de minorias que levou outros países da região, como a própria Síria e o Iêmen, a guerras civis intermináveis.

A repressão do regime tem sido brutal. Segundo a ONG Direitos Humanos do Irã, ao menos cem pessoas morreram nas últimas semanas. Em reação, países europeus estabeleceram uma série de sanções ao Irã —as mais recentes, anunciadas nesta segunda (17), proíbem quatro instituições e 11 cidadãos do país (incluindo o chefe da polícia moral) de viajar para seus territórios e ordenam o congelamento de bens.

As nações ainda planejam mais medidas do tipo caso se confirme que o país do Oriente Médio forneceu drones kamikazes à Rússia em meio à Guerra da Ucrânia —neste caso, elas iriam além de simples vetos, alertou o chanceler de Luxemburgo, Jean Asselborn.

Outra preocupação estrangeira é em relação ao incêndio no presídio de Evin, um dos mais importantes do Irã, no fim de semana —o número de presos mortos subiu de quatro para oito nesta segunda. No local estão detidos, entre outros, ativistas considerados inimigos pelo regime. Autoridades negam que o incidente esteja ligado à onda de protestos.

Com Reuters

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