Solidariedade à Ucrânia é ofuscada por agenda político-econômica de potências

Repasses humanitários ficam bem abaixo de aportes feitos por EUA e Europa para turbinar resposta militar

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São Paulo

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início ao conflito por procuração entre Moscou e Washington/aliados europeus, governos e órgãos multilaterais se mobilizam para responder a uma das maiores emergências humanitárias em solo europeu desde a Segunda Guerra.

Até o fim de setembro, segundo a ONU, mais de 13 milhões de ucranianos cruzaram a fronteira em fuga da guerra —7,5 milhões tendo buscado abrigo em países da Europa.

A narrativa oficial de solidariedade e engajamento benevolente, porém, pouco disfarça interesses políticos e econômicos tradicionais nesse tipo de resposta transnacional a confrontos que atingem multidões de civis. O lembrete é de Luiza Mateo, professora de relações internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).

Moradores pegam alimentos de doações em centro humanitário de Izium, no leste da Ucrânia, uma das regiões mais atingidas pela guerra - Juan Barreto - 29.set.22/AFP

É claro que são importantes iniciativas como o dispositivo aprovado pela União Europeia para permitir a permanência de refugiados ucranianos nos 27 países do bloco por até três anos, com acesso a educação, trabalho e seguridade social (e sem a necessidade de um visto). Ou o britânico Homes for Ukraine (Lares para a Ucrânia), programa semelhante, mas que coloca a emissão de visto como pré-requisito à entrada dos cidadãos deslocados pela guerra.

Ou ainda os cerca de US$ 8 bilhões (R$ 41 bi) já doados pelo Usaid, a agência norte-americana para o desenvolvimento internacional, para a manutenção de serviços essenciais (notadamente, hospitais, escolas, acesso a eletricidade, mantimentos e alojamento) —US$ 3 bi (R$ 15 bi) apenas no mês de agosto.

Mas esses repasses empalidecem perto dos aportes feitos por Washington e Bruxelas para turbinar a resposta militar ucraniana às investidas da Rússia. Só os EUA se comprometeram a enviar, desde fevereiro deste ano, mais de US$ 13,5 bilhões (R$ 73 bi) em armas e munições. Nos últimos 12 meses, foram nada menos do que 19 pacotes de ajuda militar.

"Esse auxílio [com armas e munições] alimenta o conflito", diz Mateo. "A ajuda humanitária acaba entrando como mera resposta à opinião pública, para tentar contrabalançar o envolvimento desses países na máquina de guerra."

Outro nó da ajuda humanitária, segundo a professora, é a distância entre os valores prometidos pelas potências que financiam as principais agências das Nações Unidas e o que é efetivamente desembolsado.

"Muitos países acabam preferindo a via bilateral [de governo para governo, sem a intermediação de órgãos multilaterais]. Isso permite, por exemplo, um controle mais rígido sobre o direcionamento dos recursos e a inclusão de parceiros privados escolhidos a dedo, consolidando a máquina da indústria da ajuda", observa Mateo

Segundo a pesquisadora, a torneira de aportes deve continuar aberta enquanto o conflito estiver ativo, já que o teatro de guerra, não custa lembrar, transcorre no quintal da União Europeia, não em alguma latitude remota. Mas o contexto de crise econômica global deve ser um elemento de pressão sobre novas remessas bilionárias.

Enquanto isso, o governo da Ucrânia anunciou em julho que a reconstrução do país vai custar € 750 bilhões (R$ 3,9 tri). Ainda que esse orçamento esteja superestimado, vão ser de fato necessárias mais algumas rodadas de pacotes (sob a forma de doações, empréstimos a juros baixos e congelamento da dívida externa, entre outros) para tirar do atoleiro o país às margens do mar Negro.

Brasil oferece ajuda tímida

A ajuda brasileira à Ucrânia teve seu principal capítulo ainda no começo do conflito, em março deste ano. Um avião da FAB levou mais de 11 toneladas de alimentos, remédios e purificadores de água para a Polônia, de onde lotes foram despachados para a região de fronteira com o país vizinho.

A carga foi doada por uma empresa de refeições instantâneas. Mas a principal missão da aeronave, na verdade, era trazer de volta brasileiros que tinham sido desalojados pela guerra.

Desde então, a resposta da quarta maior colônia de ucranianos do mundo (atrás apenas de Rússia, EUA e Canadá) à emergência humanitária se resumiu a iniciativas da sociedade civil de alcance limitado. Estima-se que haja em torno de 500 mil descendentes de ucranianos no Brasil, a maioria no Paraná.

A Representação Central Ucraniano-Brasileira, por exemplo, levantou com shows folclóricos e cafeicultores que exportam para o país europeu cerca de R$ 600 mil, repassados para a Embaixada da Ucrânia em Brasília.

Segundo o presidente da entidade, o advogado Vitório Sorotiuk, também foi concluído um acordo com uma fundação do governo paranaense para a vinda de 16 professores do país conflagrado (oriundos de áreas como ciências biológicas, história e pedagogia).

Um convênio entre o maior hospital pediátrico de Kiev e o curitibano Pequeno Príncipe, referência latino-americana, faz igualmente parte do mutirão da representação. A ideia é promover um intercâmbio de médicos e treinamentos para enfermeiras pediátricas.

Não há números consolidados sobre a chegada de refugiados ucranianos no Brasil.

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