Descrição de chapéu Financial Times China

Xi Jinping aperta cerco contra deslealdade antes de congresso do partido

Condenações por corrupção servem de advertência contra desobediência, mas também expõem 'trabalho sujo' do líder chinês

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Edward White
Seul | Financial Times

Xi Jinping transmitiu uma mensagem contundente aos altos escalões do Partido Comunista Chinês: ninguém está fora de alcance. Nas semanas que antecedem o congresso do Partido Comunista, neste mês, no qual Xi deverá garantir um terceiro mandato como líder da legenda e chefe das Forças Armadas, os tribunais da China orquestraram uma série de julgamentos por corrupção de quadros superiores da polícia do Estado e do aparato de segurança.

As sentenças de morte –que podem ser comutadas por prisão perpétua após dois anos– foram proferidas na semana passada contra Fu Zhenghua, ex-ministro da Justiça de Xi, Sun Lijun, ex-vice-ministro de Segurança Pública, e Wang Like, ex-autoridade em Jiangsu.

Telão transmite  discurso do líder chinês, Xi Jinping, durante as comemorações do 100º aniversário do Partido Comunista da China, em Pequim
Telão transmite discurso do líder chinês, Xi Jinping, durante as comemorações do 100º aniversário do Partido Comunista da China, em Pequim - Wang Zhao -1º.jul.21/AFP

Penas de prisão de mais de dez anos também foram proferidas para pelo menos três outros ex-chefes de polícia e segurança. Embora as sentenças tenham sido principalmente por corrupção, as autoridades observaram que os casos estavam todos relacionados a uma "gangue política" desleal ao presidente chinês.

"Isso claramente foi um aviso (...) contra atos explícitos de faccionalismo e desobediência aos ditames de Xi Jinping no período que antecede o 20º congresso do partido e além", disse Victor Shih, professor de economia política chinesa na Universidade da Califórnia em San Diego.

Nos últimos dois meses, a Comissão Central de Inspeção Disciplinar, o temido órgão de corregedoria do partido, iniciou dezenas de investigações e confirmou publicamente uma série de processos contra autoridades do governo central.

Entre elas está Liu Yanping, ex-chefe anticorrupção, acusado de "participar" do grupo de Sun Lijun, segundo a mídia estatal.

Yuen Yuen Ang, especialista em economia política da China na Universidade de Michigan, disse ser "difícil acreditar" que os casos mais recentes sejam "rotineiros", dada a sensibilidade do momento. "Às vezes, a repressão à corrupção visa reduzir a corrupção, e outras vezes é um instrumento político", disse ela.

Desde que Xi assumiu a liderança do partido, em 2012, a repressão à corrupção tem como alvo "tigres e moscas", ou funcionários de alto e baixo escalão do governo. Quatro milhões de funcionários, a maioria de baixo escalão, foram investigados, mas centenas de autoridades também foram expurgadas.

Sun, que foi considerado culpado de porte ilegal de armas, bem como suborno e manipulação do mercado de ações, foi detido em abril de 2020, em meio a um expurgo de autoridades de segurança. Sua queda ajudou a pavimentar o caminho para Xi consolidar seu poder, ao nomear o aliado de longa data Wang Xiaohong como ministro da Segurança Pública, em junho.

Duas das características mais marcantes da década de Xi no poder foram seu êxito em acumular apoiadores em cargos importantes do partido e do Estado, e a concentração de poder em suas próprias mãos, escreveu Wu Guoguang, que foi conselheiro do ex-primeiro-ministro Zhao Ziyang, em um ensaio recente.

"Como os regimes leninistas são governados pelo homem, e não pelas leis, qualquer novo líder precisa contar com um expurgo de seus rivais e a promoção de partidários dentro do regime para consolidar o poder e implementar seus programas", disse Wu, hoje professor na Universidade de Victoria, no Canadá.

Em processos anteriores, Sun e Fu se declararam culpados de receber subornos de 646 milhões de iuanes (R$ 471 milhões) e 117 milhões de iuanes (R$ 85,4 milhões), respectivamente. Os tribunais criminais da China têm uma taxa de condenação superior a 99%.

A mídia estatal saudou as condenações como uma demonstração do "punho de ferro" contra a corrupção. Mas seus casos também chamaram a atenção para os perigos e contradições no centro da campanha anticorrupção de Xi. Especialistas disseram que, ao derrubar os quadros superiores, as autoridades anticorrupção tinham pouca opção a não ser agirem ilegalmente.

"É um negócio muito sujo", disse o professor Shih. "Muito dinheiro muda de mãos. Obviamente, você tem de recompensar as pessoas para que elas façam as coisas que você quer."

Lynette Ong, especialista em China na Universidade de Toronto, disse que havia uma ideia dentro do partido de que "toda a sociedade" estava à disposição das autoridades anticorrupção.

"A CCID pode mobilizar, por extensão, uma empresa estatal localizada em um país estrangeiro para rastrear um fugitivo escondido", disse ela. "Existe muita 'terceirização' para entidades estatais no país e no exterior, e até entidades privadas podem ser acionadas se as metas forem suficientemente importantes."

Ao visar políticos de elite, suas famílias e seus poderosos interesses comerciais, funcionários como Fu e Sun inevitavelmente se posicionariam como alvos. Fu, especialmente, tinha a reputação de fanático. Como novo chefe de polícia de Pequim em 2010, ele supervisionou uma batida na boate Passion, que era popular entre o establishment chinês.

Shih acrescentou: "Seus trabalhos eram coletar uma grande quantidade de informações confidenciais sobre a população chinesa, mas também sobre a elite. Enquanto alguns desses funcionários que acabaram presos não são mais uma ameaça, outros estavam apenas esperando uma oportunidade para retaliar".

Com Xi pronto para governar sem rivais, muitos críticos alertam que suas tendências autoritárias só vão se agravar.

John Delury, professor de estudos chineses na Universidade Yonsei em Seul, observou que Xi chegou ao poder após um período de "profundo descontentamento" em todo o partido sob Hu Jintao.

"Foi abertamente criticada como uma década perdida. Havia um sentimento generalizado de que as coisas ficaram tecnocráticas demais, que Hu Jintao era muito fraco e estava contribuindo para o problema da corrupção", disse Delury.

"O partido queria um homem forte, queria um líder único mais carismático e contundente. Xi Jinping deu ao partido o que ele queria."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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